Aos 462 anos, Salvador sofre com problemas de mobilidade urbana

Prestes a completar 462 anos no próximo dia 29 de março, Salvador, que foi a primeira capital do Brasil, ainda sofre com a falta de transporte público de qualidade, o que influência diretamente no caos em que se tornou o trânsito na cidade. Ônibus superlotados e congestionamentos gigantescos fazem parte da rotina da população, que aguarda ansiosa a implantação dos projetos de mobilidade urbana anunciados pela Prefeitura para credenciar a cidade a sediar jogos da Copa do Mundo de 2014.

Terça-feira, 15 de março, Salvador tem mais um daqueles dias de alto verão. Sol a pino, a temperatura chega a 31°c, mas a sensação é de que está muito mais quente. Nas ruas, longos congestionamentos tornam longas viagens que deveriam durar apenas alguns minutos. Nos automóveis particulares, cada quilômetro percorrido parece uma eternidade, vidros fechados, ar-condicionado ligado no máximo e ainda assim a situação é extremamente desconfortável. Buzinas são acionadas, mas de nada adianta tudo continua muito lento.

A situação é ainda pior para os passageiros do transporte público. Após longas esperas em pontos, muitas vezes sem proteção, a população se vê obrigada a viajar em ônibus velhos, mal conservados e superlotados. O sufoco é grande e se torna ainda pior nos horários de pico, quando o trânsito simplesmente pára. Chegar em casa depois de um dia de trabalho pode levar até duas horas, mesmo para quem mora em bairros mais centrais, a exemplo de Brotas e Cabula. Para o pessoal do Subúrbio Ferroviário ou Cajazeiras é um verdadeiro teste de resistência. O pior disso tudo, é que esta tem sido a regra em Salvador, onde a mobilidade urbana é um grande problema sem solução aparente a curto prazo.

Sistema integrado

Com a intenção de sediar jogos da Copa do Mundo de Futebol de 2014, a Prefeitura de Salvador anunciou recentemente um projeto que pretende solucionar a questão, mas a população está apreensiva, pois o metrô está em construção há 11 anos e ainda não tem prazo para entrar em operação. “O que está sendo pensado é o desenvolvimento de uma rede integrada de transporte, que envolve a modernização dos trens do subúrbio, a extensão do metrô até a Estação Pirajá e a implantação deste novo sistema, que é o BRT (Bus Rapid Transit – transporte operado por ônibus de grande capacidade por vias exclusivas), na verdade um metrô sob pneus. Estes três meios, trens modernizados, metrô e BRT, serão integrados ao sistema convencional dos ônibus, que também vai passar por uma reformulação”, informa o Coordenador de Planejamento de Transporte da Secretaria dos Transportes Urbanos e Infraestrutura, Francisco Ulisses.

Segundo o arquiteto, a prefeitura vem trabalhando desde 2007 neste projeto, que foi incorporado pela FIFA por atender aos parâmetros para a Copa de 2014. “Temos já aprovado os recursos para o uso do BRT do Aeroporto até o Acesso Norte e a expectativa é de que tudo esteja funcionando até dezembro de 2013, prazo estipulado pela FIFA. Para ele, o projeto da rede integrada vai solucionar também os problemas do trânsito, pois será acompanhado de obras para ampliar a capacidade do sistema viário e resolver os principais pontos críticos de tráfego da cidade.

“O projeto resolve o problema da mobilidade urbana, pois implanta um novo modelo de transporte, com um novo modelo de veículos, de gestão, de controle. Então, é uma série de modificações que vão acontecer e que vão gerar um sistema bem diferente ao modelo que está em uso, que está ultrapassado, além de ser inadequado ao tamanho e ao perfil de mobilidade da cidade. O projeto foi feito em cima de um estudo sobre a mobilidade na cidade. A expectativa é que resolva não apenas os congestionamentos, mas também ofereça o transporte público e coletivo de qualidade para a cidade”, acrescentou Francisco Ulisses.

Outra opinião

Já para o engenheiro especialista em trânsito Marcos Pimentel, o BRT não é a melhor solução para o problema da mobilidade urbana em Salvador. “Nós entendemos que o trânsito da
Paralela hoje já comporta um transporte com a capacidade maior que o BRT. Precisamos de um transporte sobre trilhos e boa parte dos técnicos defende esta opção. É claro que o BRT representa um avanço em relação ao que nós temos hoje, que é o transporte coletivo feito por ônibus e disputando espaço com o transporte individual. O BRT tira o transporte público desta disputa e o colocaria em uma canaleta exclusiva, o que aumentaria a sua velocidade operacional. Isto se reverte em benefício para os usuários, mas é uma alternativa intermediária. Se no futuro vamos ter que buscar um transporte sobre trilhos, porque agora que já temos um carregamento nas vias muito expressivo não partir logo para esta alternativa?”, questiona.

O engenheiro de Trânsito afirma que este é um projeto intermediário, que foi escolhido por ser mais barato, mas que precisará ser revisto em médio prazo. “Temos que somar os gastos com os dois projetos e ver qual a viabilidade de fazer agora sobre rodas e depois partir para os trilhos ou o metrô de superfície. Não podemos comparar com o metrô que está em construção, que deixou de ser de superfície para ser elevado e com isso ficou muito caro”, acrescenta Pimentel.

Para ele, a solução dos problemas do trânsito de Salvador passa também por outras questões. “Tanto o BRT, quanto o metrô de superfície ajudariam na diminuição do caos do trânsito, pois têm o objetivo de tirar o passageiro do transporte individual para o coletivo.“ Tem que oferecer um transporte coletivo de qualidade para atrair a população para o transporte público. Salvador tem que pensar em uma alternativa para restringir o veículo particular, que não pode continuar se sobrepondo ao transporte público nas vias da cidade. Três veículos com uma pessoa cada tomam o espaço de um ônibus com 60 passageiros. Tem que se ter um transporte de qualidade primeiro, pois qualquer cidade do mundo, que chegue ao nível de esgotamento que as cidades brasileiras vêm chegando, precisa priorizar o transporte público e restringir o transporte particular”, diz Marcos Pimentel.

Enquanto o sistema integrado de transporte não entra em operação e o metrô de superfície não sai do papel, a população de Salvador continua sofrendo no trânsito. E neste caso todo mundo sai perdendo: os motoristas dos veículos particulares que ficam presos nos congestionamentos e os passageiros do transporte coletivo que perdem um tempo precioso parados nos pontos ou em ônibus superlotados.

De Salvador,
Eliane Costa