Nágyla Drumond – As mulheres e a História

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Camaradas, ultimamente, ando com mania de escrever demais, quase um retrospecto aos diários da adolescência. Só que estes eu nunca conseguia prosseguir… Achava entediante, solitário, sem interlocução… Algo inconcebível para quem fala demais e se emociona demais como eu.

Olha só, a semana de comemorações do aniversário de 89 anos do PCdoB – rumo aos 90 anos – marcaram a todos nós. Mas, peço licença para dizer, como comunista, feminista e emancipacionista que sou, que fazia muito tempo que não via os olhos de nossas mulheres brilharem tanto, como durante toda esta semana.

A vinda da Gilse Cosenza (militante comunista, uma das responsáveis pela reconstrução do Partido no Ceará) foi um bálsamo. Um reencontro de mulheres, de homens e de gerações do povo. É muito bom constatar que ela não é apenas patrimônio dos (as) comunistas. Gilse é do conjunto das forças progressistas; Gilse das feministas; das juventudes; dos movimentos populares, comunitários, ambientais, LGBTTT´s. Gilse é de todos e todas que querem uma terra sem amos. Não faço culto à personalidade, mas, com o profundo respeito que tenho aos que se dedicaram e se dedicam diuturnamente à reorganização e construção permanente de nosso partido, acho que não corro o risco de me equivocar em dizer que mulheres e homens como Gilse (e sei que existem muitas – os) são síntese de um tempo atemporal, de uma história de muitas histórias, de trabalho produzido e repartido coletivamente.

Quando a escutei, durante sessão solene da Câmara de Fortaleza, no auditório do PCdoB, ouvi uma história tecida pelas mãos simples de uma mulher comumente extraordinária. Chorei (e sou chorona mesmo) por ouvi-la falar com singeleza, firmeza, simplicidade e profundidade do que representam as mulheres na organização do povo. Gilse não falou contra os homens, falou a favor de todos nós e nos disse com a inteligência política que lhe é peculiar que nosso inimigo é o Capitalismo e as classes e elites que o representam. Foi contundente quando afirmou que nossa radicalidade deve-se direcionar em destruirmos o Capital. Este sim: patriarcal, machista, homofóbico e racista. Ela nos disse mais, muito mais, nos disse que é preciso olhar nos olhos do povo, fazer alianças com o povo, florescer junto com o povo… Se misturar e se deliciar com as vitórias do povo.

Ela teceu uma grande colcha de memórias e lembranças, que embora possam parecer fragmentadas, esgassadas pelo tempo ou pelos novos tempos, é atual, fundamental para aquecer nossas almas, mentes e acalentar nossos corações. Ela fez o que fazem as rendeiras, as rezadeiras, as lavadeiras na beira de um rio. Ela fez o que fazem as militantes orgânicas, as estudiosas, as intelectuais, as mães, as operárias, as retirantes, as refugiadas políticas, as donas de casa… Ela me lembrou as personagens femininas de Rachel de Queiroz, de Graciliano Ramos, de Jorge Amado… Falando do Nordeste e do povo do Nordeste, tão distante e desafiador para quem vinha das terras do sul. E falou e narrou e nos encantou como se estivesse acabando de chegar numa terra de onde nunca tinha saído. Ela fez isso ao microfone, nas muitas tribunas da semana; mas, fez, também, nas conversas, nos telefonemas cheios de afago, nos abraços, no choro e no sorriso das saudades, das lembranças e das conquistas e das vitórias que celebraremos.

A mulher que nos disse que talvez não tivesse chegado viva ao fim da ditadura militar estava lá, está em nós, está mais viva do que nunca, e se emocionou quando ouviu os versos de Rita Lisboa (nossa eterna Rita do Dias Macedo) e de dona Ivete Barros (mulher do povo, carnavalesca, compositora e nossa grande amiga). Gilse faz parte de nós e nos levará com ela.

Estamos de parabéns por termos nos dado o melhor presente de aniversário que podíamos ter recebido este ano. Começamos, muito bem, as comemorações dos 90 anos do Partido e nos inspiremos para que as palavras de Gilse, que são dela e de uma geração inteira, possam se firmar num futuro do qual não seremos testemunhas presenciais; mas seremos lembradas (os) por quem interessa: o povo. Este vem sempre em primeiro lugar e é nossa razão de existir e de lutar!

Por fim, às minhas camaradas, um afago especial, sem modéstia alguma. Não esqueçamos do que ela disse sobre as mulheres-mães-comunistas e este recado não é só para as que têm filhas e filhos biológicos (as). E uma recado para nós que cuidamos do mundo e ainda não conseguimos dividir este cuidado, na mesma medida, com os homens e com nossos companheiros.

Lembrem-se: "As mesmas mulheres que seguram seus filhos e filhas nos braços são as que estão de punhos erguidos na luta." (Gilse Cosenza).

Um forte, emocionado e chorão abraço!

Nágyla.

Nágyla Drumond é comunista, feminista, mãe da Clarice e Secretária de Mulhares do PCdoB/CE

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