Marina Valente – A dura vida de um peão de raiz

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Os ônibus que levam os operários para casa depois de uma manhã inteira de manifestação estavam saindo. “Deixa eles irem, eu pago um ônibus para casa, o que eu quero é poder contar sobre minha realidade para as pessoas, sou um peão de raiz, vocês sabem o que é isso?”, declarou o jovem operário Gean Silva* (27).

Logo ele se adianta em explicar a função que ocupa em uma obra. O peão de raiz, que é conhecido pelos antigos operários como “tatu”, trabalha nas escavações da fundação de uma obra, “uma maquina pode cavar até 25 metros, depois disso se precisar afundar mais, a gente entra no buraco com picaretas e cava, às vezes até 6 metros”, explica Gean que trabalha na construção de um viaduto.

“O que eu faço é muito importante, sem o meu trabalho, a obra não fica de pé, é a base de tudo”, continua o peão. Porém os olhos orgulhosos de quem sabe a importância de seu papel dentro do canteiro de obra logo se transforma, “mas somos muito discriminados, por que ficamos cheios de lama até acima do joelho e sujeira que se funde ao suor do trabalho duro, quando entramos nos ônibus, as pessoas não pensam que ali tem um trabalhador”, desabafa o operário.

Na obra de Gean, o banheiro não comporta todos os trabalhadores e não há tempo para um banho. Na verdade, o operário conta que como não existe banheiro suficiente, os trabalhadores urinam em garrafas.

Alimentação é outro problema na obra de Gean, com jornada de até as 8 horas da noite, a obra não fornece janta, e para almoço “só depois que começou a greve é que a empresa improvisou um self-service”.

Segundo o trabalhador, a jornada da obra é de manhã à noite e o valor da diária é de R$ 18,50 com R$ 5,00 de hora-extra. “Não compensa, porque sou pai de família e a situação em casa fica difícil, tem conta para pagar, aluguel, cesta-básica para a gente comprar e não ficar com fome”, reclama o operário.

O pequeno salário, não permite ao trabalhador ter ao menos à possibilidade de ter um dia de lazer “com o que a gente ganha não dá nem para comer uma pizza com a família, por que o preço é o de 2 quilos de arroz que você não pode deixar de comprar, o lazer que a gente tem é uma cachaça e em casa, é por isso que a imprensa vê e não entende”, desabafa Gean.

A vida que o peão narra aos poucos em pleno coração da aldeota, parece mesmo estar sendo enterrada naquele mesmo buraco enlamaçado que ele cava, e seria assim se não fosse um detalhe, alma forte do operário da construção civil, “eu vim participar da greve, tem peão que fica com medo, por que ameaçam a gente, dizem que não vão pagar e que vão demitir se a gente participar, mas eu estou aqui e quero que o sindicato fale para quem tem medo, que não é assim, que temos que lutar por todo mundo”, finaliza o gigante que saiu do buraco.

*Sobrenome alterado a pedido do trabalhador

Marina Valente é jornalista

Fonte: Blog Voz do Peão

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