Marivone em documentário sobre as presas políticas do Bom Pastor

Publicada no jornal Tribuna do Sertão em sua edição desta segunda-feira, 25/04, matéria dos jornalistas Vladimir Barros e Bernadino Souto Maior sobre as presas políticas no presídio feminino Bom Pastor em Recife, dentre elas a Secretária de Organização do PCdoB/AL, Marivone Loureiro. Transcrevemos a seguir a matéria publicada por aquele semanário.

Marivone

Por Vladimir Barros e Bernadino Souto Maior

Mais de 30 anos depois, 17 das 24 presas, entre elas, a alagoana Maria Yvone Loureiro Ribeiro, a Marivone, que pertenceu nos “anos de chumbo” ao PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário) e que ficou presa no período no Presidio Feminino Bom Pastor, voltaram a Recife para uma gravação de um documentário sobre a saga das presas políticas do Bom Pastor. O documentário – de aproximadamente 20 minutos, com lançamento previsto para o dia 17 de junho, colheu depoimento das presas políticas que vivenciaram momentos de terror, mas também compartilharam histórias de alegria.

O documentário é dirigido pela pernambucana Tuca Siqueira. O filme integra o projeto Marcas da Memória, capitaneado pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça que destinou R$150 mil à iniciativa.

Tal qual a Presidenta da República Dilma Roussef, essas bravas mulheres sofreram com a perseguição política na ditadura. Torturadas, delas foram retiradas as mínimas condições de existência. Ficaram à margem dos acontecimentos, numa dolorosa peregrinação de presídio em presídio.

Hoje o SBT tenta retratar com mais fidelidade em uma novela “Amor e revolução” aqueles tempos de horror e medo, em que viveram muitos brasileiros que não aceitavam o regime de exceção.

Regresso ao Bom Pastor

A alagoana Marivone e mais 16 daquelas mulheres, – voltaram ao Recife em março para a gravação das cenas e revisitaram o presídio onde permaneceram encarceradas por alguns anos.

Para algumas, o retorno significou o reencontro com as antigas companheiras de presídio que não se viam há mais de três décadas. E para outras, a oportunidade de conhecer, de fato, colegas que, em diferentes, períodos vivenciaram histórias semelhantes.

Do grupo de 24 mulheres, três já faleceram, entre elas a médica alagoana Selma Bandeira que chegou a ser deputada estadual na Assembleia Legislativa de Alagoas e faleceu num desastre automobilístico na ladeira de Satuba, quando estava em plena campanha para renovar o seu mandato. Marivone, hoje residente em Maceió, é servidora da Secretaria de Planejamento e Orçamento do Estado. Economista com pós-graduação em desenvolvimento social e urbano e planejamento governamental, tem uma trajetória de luta contra a ditadura e em prol dos direitos humanos. Empenhou-se no abrigo de foragidos e ativistas políticos e, depois que cumpriu sua pena de prisão, ajudou a fundar a Sociedade Alagoana de Defesa dos Direitos Humanos. Atua em prol da liberdade, da democracia e da igualdade e contra as injustiças e discriminações de gênero. Foi suplente de senadora de Heloísa Helena e atualmente é dirigente do PCdoB em Alagoas.

Do terror do DOPS ao Bom Pastor

A alagoana de Viçosa, Marivone Loureiro foi presa em sete de fevereiro de 1971 no Rio Grande do Norte. Passou os três primeiros dias de sua prisão no quartel do exército em Natal. Depois foi levada para o DOPS em Recife, onde passou um mês e meio trancada numa cela com condições subumanas. No DOPS foi torturada física e psicologicamente. Saiu de lá para outra cela no Quartel da Polícia Militar – o “quartel do Derby”, onde passou três meses numa cubículo com mais duas companheiras: Lylia e Rosa.

Após toda essa peregrinação, de presídio em presídio, sessões de tortura e sem qualquer comunicação com parentes ou amigos, Marivone Loureiro foi transferida para o Presídio Feminino Bom Pastor, no bairro do Engenho do Meio, onde cumpriu mais dois anos de pena.
Marivone havia sido acusada de “incitar a guerra revolucionária no país” e de organizar “partido clandestino, realizar panfletagens e pichações”. Pelo primeiro “crime” foi condenada a 10 anos de prisão. Pelo segundo delito foi condenada a sete anos. Total da pena: 17 anos de reclusão.
Entretanto em julgamento no Superior Tribunal Militar, Marivone teve a pena reduzida para dois anos, os quais foram cumpridos no DOPS, no Quartel do Derby e no Presídio Bom Pastor, todos no Recife. A alagoana saiu do presídio no dia 7 de fevereiro de 1973.

A morte do esposo

O marido de Marivone Loureiro, Odijas Carvalho de Souza, também alagoano, estudante de agronomia na Universidade Federal Rural de Pernambuco foi preso dia 30 de janeiro de 1971, no DOPS de Recife. Foi Barbaramente torturado durante dois dias pelo DOPS. Faleceu no dia 8 de fevereiro de 1971, após ter sido encontrado – ainda com vida na praia de Maria Farinha. Depois foi levado para o Hospital Militar do Derby, vindo a falecer em consequência das torturas que sofreu.

Marivone relata que só ficou sabendo da morte do marido no dia 28 de fevereiro – 20 dias após, quando noticiaram a prisão dela e do marido nos jornais de Pernambuco.

Arquivos abertos

Marivone tem esperança que os fatos acontecidos naqueles “anos de chumbo” sejam esclarecidos. “Hoje espero que a "Comissão da Verdade", consiga levantar tudo o que aconteceu nos porões da ditadura, onde foram torturadas e assassinadas pessoas indefesas, desarmadas, rendidas, sem qualquer possibilidade de reação, muitos jovens como Odijas, muitas mulheres, até mulheres grávidas (duas presas políticas tiveram seus filhos no presídio Bom Pastor). Espero que se esclareçam as circunstâncias das mortes e desaparecimentos, onde estão os corpos dos desaparecidos, nominar os responsáveis por todos os crimes, seus mandantes, torturadores, todos sem exceção. É o que espero”, desabafa Marivone.

Ela acredita que atualmente um fato importante – a novela da SBT "Amor e Revolução", mostra um pouco do que realmente aconteceu nos porões da ditadura.

“Sabemos que o que realmente aconteceu foi ainda muito mais violento do que a novela mostra. Mas já é muito importante, que pela primeira vez seja mostrado algo tão próximo da realidade que enfrentamos nos anos de chumbo. É importante que seja mostrado, para ajudar a formar opinião de que nunca mais se repita no nosso país momentos tão abomináveis e práticas tão desumanas”.

Histórias marcantes

Alguns acontecimentos de caráter extraordinário também ajudavam a transformar a rotina das mulheres do Bom Pastor em algo mais próximo da "normalidade", como o casamento da professora universitária da Ufal, Yara Falcon – da organização POLOP que ficou presa no Bom Pastor de 1970 a 1971 – com o seu noivo, que também era preso político, jornalista da editoria especial do jornal Gazeta de Alagoas, Stéfani Brito Lins. Com permissão da Junta Militar, a cerimônia entre os dois "subversivos" aconteceu na capela do presídio Bom Pastor e foi, inclusive noticiada em jornais de Pernambuco, em agosto de 1970. "Todas as mulheres "subversivas" presas no Bom Pastor ajudaram nos preparativos. Enquanto as meninas produziram meu cabelo e meu vestido, as freiras cuidaram dos doces e do bolo", recorda Yara.

Mas, nem tudo eram flores no Bom Pastor. Mesmo longe dos interrogatórios e das sessões de tortura, as presas políticas não estavam livres da atmosfera opressiva do regime. A solidariedade das freiras não era suficiente para ofuscar, por exemplo, o modo autoritário – e, por vezes, agressivo – com que os visitantes eram revistados pelos militares. Ou ainda quando duas delas foram soltas em troca da libertação do embaixador suíço.

-“Ali eu percebi que não tínhamos segurança de nada. Estávamos vulneráveis. Toda aquela tranquilidade era uma ilusão. As freirinhas eram maravilhosas, mas não poderiam fazer nada para nós. Presídio é presídio. Nossa liberdade estava cerceada", concluiu Yara.