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Lilian Milena: Lula e o modelo de atuação do CDES

O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) é considerado uma inovação institucional do poder executivo, capaz de viabilizar a aproximação de setores antagônicos da sociedade (como sindicalistas e industriários) pela consolidação de uma agenda de desenvolvimento do país. A análise consta no trabalho Diálogos para o Desenvolvimento, formulado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Por Lilian Milena, do brasilianas.org

O órgão foi criado em junho de 2003, durante o governo Lula, para assessorar a Presidência da República. Foi formado, na época, por 90 representantes da sociedade civil e 14 ministros de Estado, totalizando 104 conselheiros, todos nomeados pelo presidente da república. Hoje, na gestão da presidente Dilma, o CDES é formado por 87 representantes da sociedade civil e 17 ministros, totalizando, ainda, 104 conselheiros.

Em artigo escrito para o trabalho do IPEA, Ronaldo Coutinho Garcia, da secretaria-executiva do CDES, aponta que o conselho formulado por Lula possui uma composição que privilegia nitidamente o seguimento empresarial e a região sudeste/sul do país, “exatamente aquela onde se localiza o centro dinâmico da economia brasileira e onde se concentram os segmentos sociais mais organizados”, justifica.

Na distribuição regional e social dos 90 conselheiros, 61% concentram-se na região Sudeste e 18% são das regiões Norte e Nordeste. O setor sindical representa 35% do total de conselheiros, e os representantes dos setores empresariais 50%.

O fim do estranhamento

Em dezembro de 2003, integrantes do conselho estavam insatisfeitos, porque não viam suas recomendações efetivamente aplicadas pelo governo, com “a forte sensação de que haviam sido convocados apenas para dar legitimidade às ações de natureza polêmica, como as referidas reformas”, conta Garcia.

Entretanto, no final do mesmo ano todos perceberam que a convivência obrigatória no CDES resultou no fim do estranhamento entre eles. A conselheira Sônia Fleury, em 2005, explica que o exercício da convivência entre diferentes permitiu a circulação de propostas, em igualdade de condições. “O fato é que, à altura da apresentação da proposta para elaborar uma Agenda de Desenvolvimento, os conselheiros trabalhavam com uma carga de preconceitos bastante reduzida se comparada com a inicial. Progressivamente, o clima de estranhamento entre diferentes atores vai sendo superado por relações de maior confiança, geradas a partir do trabalho comum em grupos temáticos”.

Em maio de 2004, os conselheiros começam a estudar a construção da Agenda Nacional de Desenvolvimento (AND), com o objetivo de reverter o desempenho econômico ruim do país – em 2003, a economia brasileira havia crescido apenas 0,5%, enquanto os países em desenvolvimento cresceram em torno de 5%.

Pacto social

Para viabilizar a AND a saída comum defendida pelos conselheiros foi a realização de um pacto social baseado em políticas indutoras de criação de emprego e amplos pactos sociais entre sindicatos de trabalhadores, entidades governamentais e governo. A redistribuição de renda, nesse sentido, seria fundamental.

Em entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo (21.06.2004), o líder empresarial Oded Grajew reafirma a proposta: “Governo e sociedade precisam tomar a decisão política de transferir recursos para a população mais pobre. (…) Dinheiro e educação para os mais pobres fariam nosso mercado consumidor passar de 30 milhões para 60, 80 ou 100 milhões”.

A redistribuição de renda foi defendida como a porta de saída para o país crescer e gerar trabalho a partir do seguinte lógica: o aumento do consumo nas massas gera mais emprego, consequentemente aumenta o mercado. O aumento do mercado atrai investidores; resulta, então, em arrecadação maior de impostos, e, por fim, na maior capacidade do governo investir, tanto na promoção da justiça social, quanto no combate a dívidas públicas.

Resultados

As discussões para a AND geraram, por exemplo, as políticas para Agricultura Familiar e Bolsa Família. A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior incorporou sugestões discutidas no CDES, e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial nasceu de uma das demandas do conselho.

Em 2003, o país tinha 50 milhões de miseráveis, passando para 20 milhões, no final do governo Lula (em 2010). No mesmo período foram incorporados 32 milhões de pessoas à classe média.

Os conselheiros entrevistados pelo IPEA explicam que no primeiro período de trabalhos do CDES (2003-2007) a conjuntura econômica externa foi favorável às mudanças sugeridas pelo conselho. No período, o PIB brasileiro cresceu a uma taxa média de 4,6% ao ano, e o volume de comércio mundial crescia a uma média de 8%.

Logo, foi importante o país aproveitar essa fase para estabelecer as premissas do pacto social se fortalecendo contra a crise econômica mundial, que estourou em setembro de 2008. Já naquele momento, completa Garcia, “no Brasil havia uma nova realidade econômica e social e a situação macroeconômica era bastante confortável – economia em expansão (PIB crescia a taxa superior a 6% em relação ao ano anterior); situação do setor externo relativamente sólido – reservas internacionais superiores a US$ 204 bilhões, entradas vultosas de investimentos externos, consecutivos superávits no balanço de pagamentos em conta corrente, condição de credor líquido externo – sistema bancário sólido, inflação anual até setembro de 2008 de 4,76%, portanto bem abaixo da meta de 6,5% para 2008, recorde histórico da safra agrícola (145,8 milhões de toneladas de grãos) e melhoras significativas no processo de inclusão social com milhares de famílias, finalmente, ultrapassando a linha da pobreza”.

A especialista em desenvolvimento regional e também conselheira do CDES, Tânia Bacelar de Araújo, destaca que a melhora de renda das classes B, C e D, foi fundamental para que a econômica brasileira atingisse 5% de crescimento nos anos seguintes ao AND.

A professora da Universidade Federal de Pernambuco, que continua no CDES do governo de Dilma, afirma que o país deve seguir com o desafio de manter o Bolsa Família às populações excluídas por décadas e sem condições de se auto-sustentar. Ao mesmo tempo, o governo deve pensar na educação dos filhos dos beneficiados pelo programa, para que, gradualmente, os mecanismos de distribuição de renda para populações mais pobres deixem de ser necessários ao desenvolvimento do país.

Para acessar o trabalho do IPEA, "Diálogos para o Desenvolvimento: A experiência do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social sob o governo Lula", clique aqui.