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Neusa Jordem Possatti: A filha de meu pai

O pensamento de que é possível guardar dentro de nós aquilo que perdemos no espaço veio em meu socorro para me consolar da perda, irreparável, de meu pai.

Por Neusa Jordem Possatti

Só uma certeza se tem depois da morte de alguém tão querido: também morremos um pouco. Jamais somos os mesmos depois de encarar a morte de tão perto.

O remorso do que deixei de fazer quando podia ter feito invadiu meu coração. Contudo, não julgo que tenha sido omissa e esse “podia-ter-sido-diferente” soou mais como uma saudade daquilo que poderia ter vivido.

Deixei na minha terra natal, além das recordações que ficaram em toda parte, pessoas, que contribuíram para que eu me tornasse o que hoje sou. Prometi voltar com freqüência, mas mil motivos, mil afazeres, me afastaram dessa promessa.

A solidão, eterna companheira que há à minha volta e dentro de mim, faz a cidade parecer deserta. As ruas que antes pareciam familiares agora parecem mudar de tamanho, de forma e até seu cheiro se modificou. As paredes das casas já não têm a mesma cor e seus moradores não são mais os mesmos. Há uma geração nova, os filhos dos filhos. E a ausência dos amigos que me viram crescer.

O desejo de ver meu pai só mais uma vez faz doer meu peito. Lembrar da maneira como me ensinou a andar pela estrada do mundo é comovente. Agora percebo como ele foi paciente e tolerante mostrando-me o sentimento de responsabilidade, de cuidado, de respeito por qualquer outro ser humano que eu deveria ter. O esforço ativo pelo meu crescimento e felicidade, enraizada na sua própria capacidade de amar.

Caminho pelas ruas esperando ver antigos conhecidos e não mais os encontro, eles se foram. Não desanimo, caminho um pouco mais estimulando minha esperança.

Dobro a esquina e dou de frente, afinal, com um conhecido, amigo dele. Sendo reconhecida como filha de meu pai, através das linhas do meu rosto, senti-me existir novamente. A alegria veio à flor da pele afogueada pelo contentamento de transcender sua existência. Um breve abraço, um sorriso mais que amigo.

Volto para casa com a alma mais leve. A chuva fina que cai propicia uma preguiça física e mental. Não havendo nada a fazer, a não ser deixar chover e ouvir o silêncio que ocupa um espaço mais que especial, enquanto os pingos caem sobre a terra promovendo uma sensação de tranqüilidade.