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Pedro Corrêa do Lago: “Machado de Assis está a morrer”

Ainda que emanem de personagens menores, cartas escritas em momentos de tensão ou grande tristeza podem ser especialmente significativas, sobretudo quando se referem a grandes figuras. É o que ocorre com a carta escrita em setembro de 1908 – às vésperas da morte de Machado de Assis, aos 69 anos, – por Graça Aranha, diplomata e escritor de 40 anos que manteve-se ao lado do mestre em seus momentos finais.

Por Pedro Corrêa do Lago, no blog Questões Manuscritas

No ano de sua morte, Machado era já uma glória nacional. Reconhecido tanto por seus pares quanto pelo público como o maior escritor brasileiro, era presidente da Academia Brasileira de Letras, que ajudara a fundar dez anos mais cedo. Tornara-se amigo de todas as maiores figuras de seu tempo, como o Barão do Rio Branco, Pereira Passos ou Joaquim Nabuco, este último seu companheiro muito próximo por décadas.

Graça Aranha havia-se destacado como prosador em 1902, com a publicação de Canaã — romance hoje pouco lido, mas ao qual seus contemporâneos reservaram uma acolhida quase triunfal, alçando Graça Aranha a uma posição de destaque entre os jovens autores brasileiros. Mas seu nome é hoje lembrado sobretudo por seu hábil posicionamento a favor do Movimento Modernista e por sua participação na Semana de Arte Moderna de 1922 — à qual trouxe a respeitabilidade do endosso de um autor estabelecido.

A carta é dirigida a Felix Pacheco, futuro Ministro do Exterior e então diretor do Jornal do Comércio, naquela época o maior e mais antigo dos jornais brasileiros:

“Meu caro Felix

Machado de Assis está a morrer. Não há mais esperança de ser salvo, porém a morte poderá demorar alguns dias. O seu espírito é inteiramente lúcido.

Tem havido verdadeira romaria em sua casa. Está constantemente acompanhado de amigos íntimos e amigos literários. Peço-te uma notícia simpática sobre o próximo fim de nosso maior homem de letras.

É preciso que haja alguém encarregado de escrever o artigo do Jornal sobre ele. Felizmente no Jornal há imaginação para os grandes fatos e não deixarão de tratar o Machado (como disse o Nabuco) como a palmeira do oásis deste deserto.

Por que não incumbem desse artigo o José Veríssimo, que é talvez o melhor conhecedor de Machado e sua obra?

Entre os que vieram hoje estava o Calmon.

Até agora o Barão do Rio Branco não tentou ir.

É provável que vá ainda. Indaga.

teu,

Graça Aranha”. 

Esta carta ainda inédita foi guardada por Felix Pacheco por 27 anos até a sua morte, em 1935, em seguida por quase 70 anos por sua filha, e após a morte desta, foi adquirida pelo atual detentor. Ressurge agora — mais de cem anos depois de escrita — como evocação e testemunho valiosos dos últimos dias daquele que era, e permanece, o maior nome de nossa literatura.