Jô Moraes: Mulheres brasileiras querem mais

 Ao fazer um balanço das conquistas das mulheres brasileiras, em especial nas últimas décadas, a deputada federal Jô Moraes (PCdoB/MG) reivindicou mais espaços na política, equidade no trabalho, autonomia na família e inclusão no desenvolvimento econômico do País, mas de forma emancipatória.

“Nós queremos também o acesso às linhas de créditos diferenciado e apoio às cooperativas, como bem indicou a ministra Iriny Lopes. É necessário mais investimentos em equipamentos sociais como creches, restaurantes comunitários, lavanderias coletivas”, disse. As afirmações foram feitas durante discurso de mais de 20 minutos na tribuna da Câmara dos Deputados, na última sexta-feira (2).

Entre as distorções enumeradas pela parlamentar em relação à realidade masculina e feminina, Jô apontou que “das 40 milhões de trabalhadoras que integram o mercado de trabalho têm uma renda mensal que corresponde a apenas 71% da renda masculina”. Mas registrou que “dia a dia reduz-se o hiato salarial entre homens e mulheres. De 2004 a 2008 os rendimentos reais femininos cresceram em 14,45% e os masculinos em 12,4%. Mas essa diferença é um acinte à equidade de gênero”, disse.

Brasil feminino

É este o conteúdo do pronunciamento da deputada federal Jô Moraes:

“O desafio humano é construir sociedades onde o desenvolvimento, a justiça e a paz social sejam o ideal e a prática cotidiana de todos. E, ao se falar de todos estamos incluindo o todas, porque a começar pela gramática há sempre uma tendência ainda forte de se excluir desse ideário 51,3% da população – 97 milhões dos que partilham da construção deste País, as mulheres, sendo 48,3 milhões delas, negras.

Quando se fala na mulher brasileira estamos falando de seu heroísmo cotidiano, de suas permanentes conquistas e de suas invisíveis dores. Dos avanços em sua autonomia, em sua cidadania e da continuidade da chaga da violência. Falamos da presidente da República, Dilma Roussef, a terceira mulher mais poderosa do mundo segundo a revista Forbes. Falamos das nove ministras, em 34 órgãos com esse status, uma situação inusitada na história de nossa patriarcal República.

Mas ao comemorarmos essa simbólica conquista, reafirmando que a grande maioria dos eleitores brasileiros votaram em duas mulheres para Presidente da República, não nos esqueçamos do doloroso processo que foi o rebaixamento da disputa eleitoral. Quando os conservadores perceberam que era inevitável a eleição de uma mulher, passaram a exigir compromissos em relação a nossas bandeiras históricas. É como se eles dissessem: uma mulher chega ao poder, mas chegará algemada, porque não poderá ter iniciativas que avancem em sua emancipação”.

Subrepresentação política

“Falamos dessa ampliação dos espaços de poder, mas não nos esqueçamos da sub-representação no Congresso Nacional com 8,7% de deputadas na Câmara e 14,8% de senadoras na Alta Casa. Por isso, para nós é tão importante o debate sobre a reforma política. A inclusão da mulher na política não pode ser vista apenas como direito. É parte essencial da construção democrática e dever do Estado e da sociedade. Nesse sentido, combatemos a mercantilização e o descrédito da política; queremos reduzir os impactos do financiamento privado para por fim ao “mercado” como grande eleitor.

Defendemos o caráter democrático (pluralidade) garantido pelo voto proporcional; a diminuição da força do poder econômico com o financiamento público e o reforço dos partidos com lista pré-ordenada e alternância de gêneros.

Falamos das 40 milhões de trabalhadoras que integram o mercado de trabalho e que hoje têm uma renda mensal que corresponde a apenas 71% da renda masculina. É importante registrar que dia a dia reduz-se o hiato salarial entre homens e mulheres. De 2004 a 2008 os rendimentos reais femininos cresceram em 14,45% e os masculinos em 12,4%. Mas essa diferença é um acinte à equidade de gênero.

Falamos das 20,9 horas semanais que as mulheres passam ocupadas com afazeres domésticos e cujo esforço, se remunerado, representaria 12% do PIB. Os homens declaram que gastam 9,2 horas com essas atividades. Falamos das famílias chefiadas por mulheres que pularam de 25,9% em 1998 para 34,9% em 2008. E é por isso que assume uma importância fundamental a implementação de equipamentos sociais, como creches, restaurantes comunitários, lavanderias coletivas. Essas medidas demonstrariam que a sociedade assume como de todos e todas o cuidado com a perpetuação da espécie.

Fazer filhos, gerar filhos, gerar a continuidade da espécie humana não pode ser uma responsabilidade apenas das mulheres, tem que ser uma responsabilidade de todos, coletiva, uma responsabilidade de homens, de mulheres e das instituições públicas como um todo”.

Lei Maria da Penha contra a violência cotidiana

“Falamos do tráfico e dos incontáveis e incontroláveis números de assassinatos, estupros cometidos contra as mães e as filhas deste País.

Se, neste momento, eu ousasse dizer um número qualquer em relação à atividade e à prática da violência cotidiano que se realiza neste País, ele estaria defasado porque a cada segundo a história se repete. É só lembrar que, após a Lei Maria da Penha, há cinco anos foram abertos mais de 300 mil processos, promulgadas mais de 100 mil sentenças e pelo menos, 1.500 prisões em flagrante.

É diante desse desafio humano que se realiza a III Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres e para a qual devem se voltar todas as instituições e entidades da sociedade civil de nosso País. Os avanços são inúmeros, particularmente nesses últimos anos de governo democrático. Duas Conferências Nacionais, envolvendo 320 mil mulheres se realizaram. Dois Planos Nacionais de políticas públicas para as mulheres, o último deles contendo 388 Ações, executadas por 22 órgãos do Governo Federal.

Nove estados têm planos de políticas para as mulheres, 21 estados assinaram o Pacto de Enfrentamento à Violência contra a mulher. Segundo dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres, temos hoje 475 delegacias ou postos especializados, 68 casas-abrigos, 147 juizados especializados ou varas adaptadas de violência doméstica, 19 núcleos de Ministérios Públicos estaduais especializados em violência. Apesar de tudo isso a cada dia, repete-se o gesto violento da execução de mulheres.

Quarenta e seis novos instrumentos normativos em benefício das mulheres brasileiras foram promulgados desde 2003, em especial a Lei Maria da Penha. Esta, nós poderíamos dizer que foi uma lei que pegou, que é discutida em cada rua, em cada escola deste País. Mas é uma lei que apesar de ter pegado, no sentido popular da palavra, ainda enfrenta incompreensões de setores do Poder Judiciário, de setores do Poder que têm a responsabilidade em realizar inquéritos, das estruturas policiais e, sobretudo, em especial, da sociedade brasileira, que muitas vezes não impede que os crimes, os estupros e os assassinatos aconteçam ou possam ser punidos por se omitirem na sua expressão.

Nós temos também — e atentem que o debate e as políticas de combate à discriminação de gêneros assumem dimensões as mais diferenciadas – hoje, 136 empresas e organizações que aderiram ao Programa Pró-Equidade”.

Desenvolvimento econômico com emancipação

“Mas ainda há um fosso imenso, sobretudo no que diz respeito à participação em espaços de poder, às condições para sua autonomia econômica e política; medidas para ampliação do trabalho formal, com mais espaços para a incorporação de mulheres nas obras de infraestrutura na formação e qualificação profissional. Vejam os senhores e as senhoras como o desenvolvimento econômico é uma alavanca fundamental para a incorporação das mulheres. Nós temos hoje na construção civil 186 mil mulheres com carteira assinada participando efetivamente de um espaço que aparentemente seria apenas um espaço masculino.

Diz o setor empresarial da construção civil que as mulheres são mais cuidadosas e, por isso, elas se dedicam na construção civil fundamentalmente ao aperfeiçoamento dos acabamentos. Mas, recentemente, tivemos um depoimento de uma dona de casa que, ao participar desse processo de debate preparatório das conferências municipais, fez a declaração de que os engenheiros, ao projetarem uma casa, deveriam compreender um declive para que nós pudéssemos nos libertar do rodo. O fim do rodo é simbolicamente um gesto de emancipação das mulheres da atividade doméstica, e isso poderia ser reduzido com a incorporação no planejamento das habitações de medidas que pudessem facilitar a sua atividade.
Nós queremos também o acesso às linhas de créditos diferenciado e apoio às cooperativas como bem indicou a ministra Iriny Lopes. É necessário mais investimentos em equipamentos sociais como creches, restaurantes comunitários, lavanderias coletivas.

Quanto a esse aspecto, quero fazer uma observação: Esses investimentos só podem se realizar se compreendermos que o projeto de desenvolvimento econômico com soberania e distribuição que defendemos para o nosso País e que teve um grande impulso desde o Governo do presidente Lula e continua tendo com a presidenta Dilma, ainda tem uma pedra no seu caminho. Trata-se a política econômica que levou este País a gastar quase a metade da sua riqueza com o pagamento aos credores e ao mercado.

Por isso, também considero que essa atitude do Banco Central, evidentemente num clima em que o Governo da presidenta Dilma e do ministro da Fazenda Guido Mantega impulsiona a compreensão da necessidade de baixar os juros. E reduzi-lo em 0,5 pontos percentuais, conforme a decisão do COPOM nesta última semana, é um alento para aqueles que produzem as riquezas, tanto para o setor produtivo como para os trabalhadores”.

Mudanças na política macroeconômica

“Imaginem os senhores e as senhoras que apenas com essa flexão economizamos de pagamento da dívida de 8 bilhões a 10 bilhões de reais, exatamente aquilo que a Presidenta Dilma acabou de anunciar como a necessidade de elevar o superávit primário a um patamar de mais de 10%.

Por isso, às mulheres e às estudantes que foram às ruas em Brasília neste último dia 31, interessa a alteração fundamental da política macroeconômica deste País com redução do superávit e das taxas de juros. Porque essa decisão liberará maiores investimentos sociais, em ciência e tecnologia, na recuperação dos salários, das aposentadorias pagas pela Previdência – um aporte de recursos fundamental.

Nesse sentido, as mulheres na III Conferência Nacional de Políticas Públicas, com certeza, levantarão a bandeira de juros baixos e, consequentemente, da elevação da qualidade de vida, da aquisição de equipamentos sociais e domésticos, que, na vida cotidiana, nos liberam de enormes trabalhos, proporcionando menores esforços.

Por isso eu digo à nossa sociedade, aos homens e mulheres que a compõem, que, nesta III Conferência, a luta pela superação das desigualdades, dos preconceitos e a implantação da justiça e da paz nas ruas e nos lares é um compromisso de todos e de todas. Neste momento, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, aos que nos ouvem, devemos assumir o compromisso de fazer uma sociedade mais humana, sem violência cotidiana, sem crimes bárbaros, sem drogas que assaltam e contaminam nossa juventude.

Temos de assumir o compromisso com uma sociedade da esperança, da equidade de gênero, da convivência fraterna, da solidariedade. Só assim poderemos entregar às novas gerações o Brasil dos nossos sonhos, que, para mim, adotará o sistema socialista com igualdade e justiça social.

Era isso, Senhor Presidente.

De Belo Horizonte,
Graça Borges