Everaldo Augusto: Mobilidade urbana vai além de metrô e ônibus
Um projeto de mobilidade urbana para Salvador precisa ser plurimodal e sustentável. Que leve em conta não apenas a questão do metrô e do ônibus, mas que incorpore outras formas de transportes até hoje invisíveis, do ponto de vista das políticas públicas, como é o caso da bicicleta. A afirmação é do ex-vereador comunista Everaldo Augusto, que falou com o Vermelho Bahia, nesta sexta-feira (9/9), sobre os problemas de mobilidade na cidade, que será uma das sedes da Copa do Mundo da Fifa de 2014.
Publicado 11/09/2011 09:52 | Editado 04/03/2020 16:19
Vermelho: Como você vê a questão da mobilidade urbana em Salvador?
Everaldo Augusto: É uma questão decisiva para que a cidade consiga dar resposta ao rápido crescimento que ela experimentou nos últimos anos, com adensamento populacional, sem o correspondente planejamento do espaço urbano. A prefeitura liberou a construção de bairros inteiros, faculdades, supermercados, shoppings, sem levar em conta o impacto destas obras no trânsito urbano. Seria necessário incorporar ações de mobilidade urbana para que este crescimento causasse o menor impacto possível e preservasse a qualidade de vida das pessoas.
As saídas para o crescimento geográfico e o aumento de vertiginoso do número de automóveis passam por diversas questões. Desde a adoção de novos vetores de crescimento da cidade, como discutimos PDDU, até a implantação de um novo sistema público de transporte plurimodal.
Aliado a estas saídas, a sustentabilidade faz parte de qualquer solução de mobilidade urbana para a cidade, do ponto de vista de permitir o deslocamento de pessoas de maneira rápida, eficiente, não poluente e barata também. O objetivo permanente é fazer com que as pessoas possam se deslocar para o trabalho, casa, lazer, estudos e outras atividades cotidianas sem que isso seja um transtorno . A mobilidade urbana é uma questão estratégica para as grandes cidades. E para Salvador, sobretudo, se coloca como um grande desafio para o Poder Público.
V: Tudo isso que você falou passa pela adoção de um sistema de transporte público eficiente. Hoje existe a discussão sobre a adoção de metrô ou corredor de ônibus na Paralela. Esta seria mesmo a solução para os problemas de mobilidade em Salvador?
EA: O governo do estado tem uma proposta de sistema de mobilidade urbana multimodal e multiregional, que vai além de Salvador, incorpora a região metropolitana e se articula com um sistema de transporte estadual e interestadual, indo até Sergipe. Este seria o projeto do governo do estado, o qual incorpora Salvador. Assim como existe também um projeto da prefeitura de Salvador, que vem sendo constituído ao longo do tempo, sendo que este se restrinja a Salvador e tem como prioridade a utilização do ônibus.
O que se discute hoje, tanto na Câmara de Vereadores, quanto na Assembleia Legislativa e outras instituições como CREA e universidades, é a necessidade de Salvador ter um projeto de mobilidade urbana plurimodal, que consiga compatibilizar vários tipos de transportes. Desde o transporte marítimo, na Baía de Todos os Santos, ao de ônibus, de trem (que já existe no Subúrbio Ferroviário), o metrô (e que não seja apenas este metrozinho de 6km), e também o modo de transporte do BRT, o VLT e que tenha também o aspecto da sustentabilidade. Que se insira neste projeto de mobilidade urbana o uso da bicicleta, que é o meio de transporte mais saudável, barato e que faz parte da solução de mobilidade urbana em todo o mundo.
Outra necessidade é preparar o espaço urbano para o deslocamento das pessoas a pé, adotando o conceito de acessibilidade no seu sentido mais amplo. Ações devem ser desenvolvidas para preparar as calçadas para as pessoas andarem nos bairros, mas também para atender às pessoas com necessidades especiais, como cadeirantes, idosos, crianças, etc.
V: Quando você era vereador, você apresentou um projeto para a criação de ciclovias na cidade. Como anda esta discussão hoje?
EA: Nós apresentamos um projeto de um Sistema Cicloviário em Salvador. É um projeto de criação de ciclovias, no contexto de um planejamento maior de mobilidade urbana. O Sistema apresentado no projeto tem como objetivo fazer a bicicleta seja aceita como meio transporte na cidade e que ela se faça parte do sistema de transporte público.. O projeto prevê ciclovias, ciclofaixas, faixas exclusivas e bicicletários.
Defendemos também que o poder público leve em conta a presença da bicicleta na construção de espaços públicos. As estações de transbordo terão bicicletários. Os trens, ônibus e elevadores públicos como o Lacerda, permitirão o transporte de bicicletas. É um projeto abrangente e multidisciplinar. Nele consta a necessidade e a responsabilidade do poder público de desenvolver políticas de educação da população. Isto é essencial para a aceitação da bicicleta na cidade, já que este é um grande problema que se tem.
Este ano o projeto, foi reapresentado na Câmara de Vereadores, por outro vereador, , com os mesmos artigos, as mesmas medidas e para a felicidade geral da cidade ele foi aprovado. Este é um passo importante para que a cidade tenha um sistema que propicie o uso da bicicleta como meio de esporte lazer e transporte.
Existem fatores que favorecem a implantação do Sistema Cicloviário, como são os casos da Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, para as quais Salvador é sede dos jogos. A Fifa, inclusive, tem um conceito de Copa Verde, com medidas para incentivar o deslocamento das pessoas para os estádios a pé e de bicicletas. Por sua vez governo do estado tem um projeto da Conder, chamado Cidade Bicicleta, que prevê a construção de 217 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas em Salvador..
V: O seu projeto, agora aprovado por outro vereador, dialoga com os projetos do governo do estado e da Fifa?
EA: Este projeto, podemos dizer assim, é a parte que falta no projeto da Fifa e da Conder. É o arcabouço jurídico definindo a responsabilidade do poder público municipal perante esta questão da ciclovia, ciclofixas e das bicicletas. É um componente importante para articular as iniciativas do estado e do município.
V: Toda a discussão de mobilidade urbana leva em conta apenas os meios motorizados de locomoção ou no máximo a bicicleta. Existe alguma discussão para preparar a cidade para o pedestre andar a pé ou para as pessoas com necessidades especiais?
EA: A Comissão Municipal de Acessibilidade tem a participação do CREA, Câmara de Vereadores e muitas outras instituições, cujo foco principal é discutir a acessibilidade, como um elemento de construção de cidadania. Acessibilidade não é garantida apenas por ações pontuais, é muito mais do que isso. O CREA tem levantamento sobre os principais problemas de falta de acessibilidade nas ruas do centro da cidade, cujos dados são de conhecimento da área de planejamento da prefeitura municipal, mas falta vontade política, compromisso com a adoção de medidas que venham a beneficiar idosos, pessoas com deficiências físicas, visuais e outros segmentos da população que são interditados de se deslocar na cidade com autonomia.
Há também um projeto de macro acessibilidade do governo do Estado, sob responsabilidade da Secretaria de Cultura com o objetivo de interligar o Porto de Salvador ao estádio da Fonte Nova a partir de uma série intervenções para recuperar calçadas, instituir ruas sem o trânsito de carros, ciclovias, recuperação de equipamentos públicos e muitas outras medidas, como a recuperação do Mercado de Santa Luzia e a construção de uma passarela ligando o Terreiro de Jesus à avenida Joana Angélica, à altura do Convento do Desterro
V: Todo processo de discussão da mobilidade urbana em Salvador está pautado nas obras para a Copa de 2014. Como você encara isso, é mesmo o momento de aproveitar os investimentos que estão vindo para a Copa ou é preciso pensar a cidade para antes?
EA: A Copa do Mundo é um indutor de investimentos em áreas estratégicas, com o foco na construção de legados para a cidade e para a população.. No caso da cidade de Salvador , um desses legados são as soluções para a mobilidade urbana, dentre outros.
A partir de investimentos do governo federal para solucionar uma parte dos problemas de mobilidade, começa-se a discutir outras propostas estratégicas para a cidade. Porém, não se pode adotar uma visão imediatista. A construção destes legados devem ser planejados e com a intenção de perdurar ao longo do tempo, em todas as áreas.
V: Você então acha que a questão da mobilidade em Salvador vai muito além da escolha entre metrô ou BRT?
EA: Vai muito além disso. A polarização exclusiva entre os dois modais é equivocada e pode está levando em conta apenas interesses econômicos, que geralmente não coincidem com os interesses da maior parte da população da cidade,. É preciso soluções para o trânsito na cidade que incorpore todos os modais de transportes, da bicicleta ao trem urbano, metrô, ônibus, motos, transportes aquáticos etc.
De Salvador,
Eliane Costa
Editada em 13 de setembro de 2011.