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Jornal Movimento: Jornalismo não é feito com metáfora, mas fatos!

“Quando o Movimento foi lançado, o debate político estava sufocado e precisando de uma voz única que oferecesse oportunidade de expressão a diferentes forças políticas. A grande imprensa era omissa ou aliada da ditadura”, conta o jornalista Carlos Alberto de Azevedo, colaborador do jornal e autor do livro Jornal Movimento, uma reportagem, da Editora Manifesto.

Por Christiane Marcondes

Fazendo jus ao nome, o jornal chegou ao mercado em 1973 como um agitador de primeira e conseguiu mobilizar a opinião pública em torno de uma ampla frente democrática, que encampou diversos ideais de luta, o principal deles, o da defesa do trabalhador contra o capital estrangeiro.

“Chegamos a rodar 20 mil exemplares, que eram distribuídos em bancas ou vendidos de mão em mão por estudantes e operários. Também havia assinantes”, contabiliza o escritor.

Azevedo conta que não havia essa conversa de “driblar” censura como muita letra de música conseguiu. Diferentemente da arte, jornalismo não se faz com metáforas, mas com fatos e só passava mesmo o que a ditadura deixava.

“Apesar da censura, o jornal conseguiu emplacar muita matéria contundente”, recorda o colaborador. E muita coisa, inexplicavelmente, foi tirada de circulação, como um especial sobre as mulheres: “Não dá pra entender “, emenda Azevedo, em tom ainda surpreso com a falta de lógica da direita.

Chamado à luta

Depois de 1978, com o fim da censura, o Movimento sobreviveu mais três anos e meio, “muito prejudicado”, define o jornalista. Certamente o jornal foi abalado pela recorrente ameaça e realidade de bombas explodindo em bancas ou redações, artimanha da direita que sucedeu a censura.

Ataque a ataque, a verdade resistiu. No conjunto da obra do Movimento, 334 edições, ela está preservada: “Reli tudo para escrever o livro e constatei que a luta está toda ali, página a página”, relata Azevedo.

Não dá para dizer que o veículo era acanhado, de modo algum, tinha sede em São Paulo e sucursais em todo canto, de Brasília a Belém: “O seringueiro Chico Mendes era colaborador e ele declarou que quem despertou a consciência política dele foi o jornal”, diz o escritor, juntando mais uma pecinha ao audacioso quebra-cabeças que ilustra a façanha editorial de mídias alternativas: elas não só levam informação diferenciada como chamam para a luta.

Diferenças não sobem no mesmo palanque

Discriminar mesmo só preconceito ou postura conservadora, porque todo o resto cabia no projeto editorial progressista do jornal, até militar. O jornal Movimento apoiou a candidatura do general Euler Bentes Monteiro, do Movimento Democrático Brasileiro, contra o general João Batista Figueiredo, na campanha militar pela presidência do Brasil.

“Um jornal não é feito só pelo pessoal da redação”, reconhece Azevedo, ele mesmo um clandestino entre os que podiam colocar suas assinaturas nas matérias. Hoje, essa rede invisível do Movimento se apresenta, inclusive com suas discordâncias, muitas vezes em trincheiras diferentes: “Era um jornal democrático aberto ao debate, tinha um programa político que seguia, mas o programa não estava a salvo de diferentes interpretações”, explica.

Por conta dessa efervescência de ideias, em 1977, houve um racha e muito jornalista deixou o Movimento para integrar a equipe do Em Tempo, com Raul Pontes que, anos depois, se tornou membro do Partido dos Trabalhadores e, outra vez, alinhou-se aos ex-companheiros de redação sob a mesma bandeira na luta pelas Diretas Já.

Pelos brasis com a bênção de Deus

De Fernando Henrique Cardoso a Dom Pedro Casaldáliga, os colaboradores apresentavam os mais ecléticos perfis, em comum, fundamentalmente, o entusiasmo de fazer um jornalismo engajado. O ex-bispo e outros membros ilustres da igreja católica davam cobertura política aos repórteres. Muito enviado especial do jornal Movimento rodou o país hospedando-se em conventos.

A esse respeito, Azevedo cita a pastoral operária como grande aliada e também movimentos estudantis, grupos que brigavam pela anistia ou atuavam no campo. Como a repressão era violenta, a indignação mobilizava todos que lutavam pelos direitos humanos.

“A situação hoje é diferente”, compara o jornalista. “As ideias circulam livremente, no entanto os meios de comunicação estão nas mãos de grandes grupos empresariais. A corrupção está nas manchetes e é claro que se trata de uma briga fundamental, mas por trás dela está outra maior, a desigualdade social. Talvez falte mesmo uma mídia que mostre onde estão os problemas essenciais da sociedade”, avalia.

Jornalismo independente

Azevedo diz que o fôlego da resistência ainda está presente na mídia, mas fragmentado, aqui e ali, em veículos partidários ou ligado a movimentos sociopolíticos, por exemplo. O jornalista sente, no entanto, que falta algo “maior”, algo que ele chamou de jornalismo independente.

“Seria bom tratar um assunto sem a preocupação com os interesses de classe, talvez pudesse surgir um movimento unificador das experiências sociais”, arrisca um palpite, para em seguida deixar claro que não é analista de mídia: “Sou repórter, escrevi o livro sobre o jornal Movimento como um repórter”, expressa Azevedo.

Ainda na ativa, o escritor mostra na jornada profissional de 52 anos uma renovada fé em mudanças: “A sociedade avança, vão surgindo novas dificuldades, pode surgir também a necessidade de um veículo que articule as reivindicações de novos grupos. Mas não sei se estamos nesse momento”, observa.

Reconhece que a imprensa “monopolística” está em crise, por outro lado, há muitas alternativas de leitura. E cita: “Se eu, por exemplo, quero ter notícias da Libia entro no Al Jazira. Também leio Le Monde eventualmente, New York Times. Ninguém ainda deu noticia aqui de que a Arábia Saudita está questionando abertamente os Estados Unidos, emparedando. Um chanceler ameaçou, em entrevista ao NYT, uma ruptura política caso não haja apoio para a formação do Estado palestino. A gente tem que ir atrás da informação certa no veículo certo”, conclui.

Retrospectiva

No dia 7 de julho de 1975, uma guerra particular, no entanto estrondosa, teve início na redação de um jornal até então desconhecido, o Movimento. Legítimo representante da imprensa alternativa batizada de “nanica” – pelo formato tablóide, menor em relação às páginas dos jornais da grande imprensa –, o veículo colocou a primeira edição em banca naquela data e fechou o segundo número uma semana depois.

Nada de “ufa” nem comemoração porque a história estava apenas começando. Seguiram-se três anos de negociações pela continuidade, tanto com a censura prévia militar quanto com os 500 acionistas que bancaram financeiramente a empreitada, entre jornalistas, intelectuais, profissionais especializados, estudantes e trabalhadores.

O “Ulisses” desta odisséia verde e amarela foi o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, que dirigiu a redação até o último dia, em 1981.

Para não dizer que não falamos de flores, houve muita briga, sim, mas também conquista, como o retorno da democracia ao poder e a aprovação de uma nova Carta Constituinte. Nos dois casos, o jornal Movimento não só foi coadjuvante como também plateia “de camarote”.

Aqui, sim, aplausos!

Redação Vermelho