Para cientista politico, Manuela deve ser a candidata da esquerda

Em entrevista ao Jornal do Comercial, o cientista político André Marenco avalia que a deputada Manuela é a candidata de oposição com maior potencial para derrotar Fortunati. Marenco afirma ainda que o o PT terá que se renovar para ter chances na eleição de 2012 em Porto Alegre. Ele observa que os quadros do partido cogitados estão na política há décadas e que a sigla não deu mostras de que pode apresentar um discurso com propostas novas.

andre marenco - MARCELO G. RIBEIRO/JC

Jornal do Comércio – A um ano das eleições, qual é a sua avaliação sobre Porto Alegre?
André Marenco – As pesquisas têm demonstrado que há duas candidaturas equilibradas: Fortunati e Manuela. E num segundo plano, mas com seu potencial de votos cativo, uma candidatura do PT. A um ano da eleição, diria que Fortunati é favorito. Prefeitos com avaliação boa ou razoável são muito fortes. As últimas três eleições municipais têm apresentado tendências governistas, prefeitos têm mostrado vantagem quando bem avaliados. O eleitor tem mostrado, sobretudo nas últimas eleições municipais, que escolhe pela lógica daquele ditado: “Mais vale um pássaro na mão do que dois voando”. Ou seja, se avalia positivamente uma gestão, tende a votar na sua continuidade, em vez de arriscar numa coisa que a seu ver possa parecer incerta. Essa foi a chave da última eleição.

JC – Qual a sua interpretação sobre a eleição de 2008?
Marenco – Fogaça ganhou por WO. Maria do Rosário (PT) e Manuela d’Ávila abriram mão de discutir a administração Fogaça, que não era bem avaliada. Por uma estratégia de marketing – medo de parecer demasiadamente agressivas -, não entraram na discussão. Fogaça faz um balanço de sua gestão, que ele apresenta como positivo. E, ao longo do primeiro turno e em grande parte do segundo turno, ele fala sozinho. A imagem da administração quem constrói é o próprio Fogaça. E ele chega no final do primeiro turno com uma avaliação positiva. Fortunati tem uma vantagem: já parte de um patamar superior. Fogaça tinha algo como 20%, 22% de avaliação ótima e boa. Fortunati tem quase o dobro disso, 43%.

JC – O que pesa é a avaliação “bom” e “ótimo”.
Marenco – Claro. Isso dá uma condição positiva a Fortunati. E, em relação a Fogaça, tem outra vantagem: até por já ter sido do PT, ser hoje do PDT, Fortunati tem uma entrada maior à esquerda. Diferente de Fogaça, que tinha uma história no PMDB, no PPS. Então, diria que ele é o candidato mais forte a um ano das eleições. Isso não significa que vai vencer, vai depender das estratégias que Manuela e eventualmente o PT venham a fazer.

JC – Qual é a influência do “fator PT” na disputa entre Fortunati e Manuela?
Marenco – Se avaliarmos o PT nas últimas eleições – não acho que ele venha a mudar muito – Maria do Rosário fez 22% dos votos. É quase a mesma votação que o PT fez para a Câmara (Municipal). Se a gente olha a série de votos do PT, mesmo quando perdeu em 2004, sempre consegue mais votos para a prefeitura do que para a Câmara. Isso revela que as quatro vitórias consecutivas não foram baseadas num eleitor exclusivamente petista. O partido consegue atrair um eleitor propenso àquelas mudanças que o PT propõe, mas não necessariamente o eleitor petista. E é esse eleitor que o PT perde. Quando Maria do Rosário chega em 2008 com a mesma votação (do PT) para a Câmara, isso pode ser interpretado da seguinte forma: o PT fez os seus votos fechados, restringiu-se ao seu eleitor mais fiel. Em 2008, não conseguiu ampliar além dos seus eleitores cativos. Já tinha perdido em 2004, perde com mais vantagem para Fogaça em 2008. Não sei se mudou muito nesse período.

JC – Por quê?
Marenco – Nas pesquisas, os índices de Maria do Rosário são parecidos com os que o PT tinha obtido. E diria que o PT tem um problema: é um partido que envelheceu muito em Porto Alegre, suas lideranças são as mesmas de 30 anos atrás. Se formos observar os nomes que estão sendo propostos – Raul Pont, Henrique Fontana e a própria Maria do Rosário, que, aliás, já disputou duas eleições, uma como vice e a outra como cabeça de chapa. Em 2004, o PT perde para Fogaça depois de quatro gestões. O que o PT pode ainda acrescentar? O PT não disse nada, ficou no “vamos fazer o que já estamos fazendo, o Orçamento Participativo…”

JC – Teve o slogan “Fica o que está bom, muda o que está ruim”.
Marenco – Fogaça captou isso em 2004: o eleitor não estava descontente, havia uma fadiga, mas não era rejeição. Ele queria mais. Esse dado pode ser importante para Manuela e para o próprio PT. Não era uma gestão mal avaliada, mas eram quatro gestões. Na última o PT já perde fôlego, existe um problema financeiro, não se consegue mais dar fluxo às obras, à agenda do OP. E o eleitor está perguntando: “Para onde vocês vão?” O PT não consegue dizer nada novo em 2004 nem em 2008. E chega a 2012 com a hipótese de sair com uma candidatura própria, rejeitando uma aliança. Vai ter esse negócio de “vocês só fazem aliança quando estão na cabeça”. E, provavelmente, se diga: “O que vocês têm para propor de novo?” Aquilo que o PT conseguiu no plano federal ainda não conseguiu dizer em Porto Alegre.

JC – O quê?
Marenco – É um partido que administrou quatro vezes a prefeitura, mas não consigo ver uma proposição de futuro. Basicamente, o que diz é o seguinte: “Entre 1989 e 2004, administramos bem e vamos fazer a mesma coisa”. Lembra um pouco o trabalhismo em Porto Alegre, lá nos anos 1980, que depois perde espaço para o PT. Velhas lideranças que não conseguem se renovar, sempre falando do passado. E aí o PT surge, dá respostas, tem proposições, consegue colocar Porto Alegre no mundo. Isso é inegável, sempre que se convida um professor de fora para vir a Porto Alegre, a gente diz: “Olha, Porto Alegre fica no Sul do Brasil.” Aí, as pessoas falam: “Ah, tá, Orçamento Participativo, Fórum Social Mundial”. Teve esse grande mérito. Só que, e agora? Para onde vai?

JC – O ex-presidente Lula (PT) quer abrir mão da cabeça de chapa em Porto Alegre em troca de reciprocidade e apoio em São Paulo à candidatura de Fernando Haddad (PT), que ele considera prioridade no País.

Marenco – Lula é um político de capacidade intuitiva, provavelmente ele esteja certo. Se o PT não tem lideranças, se não tem um grande projeto capaz de emular a cidade, o que justifica que num ano ele peça apoio aos seus aliados no âmbito federal e estadual e dois anos depois se recuse à reciprocidade de apoiar os mesmos aliados melhor posicionados? É uma das contradições do PT, que produz um estigma de que é um partido sectário, que não consegue fazer alianças, que não é confiável aos seus aliados mais próximos mesmo em alianças. Então, a análise de Lula é correta. Quer dizer, será que o PT não está criando as condições para um nova derrota frente a um candidato como Fortunati, que tem uma certa robustez baseada na avaliação positiva da sua administração. E como o PT vai propor alianças aos seus aliados se, quando se trata do contrário, de ele apoiar, se recusa a essas alianças? Provavelmente, por essas razões, o governador Tarso Genro (PT) tenha insistido na aliança com Manuela d’Ávila.

JC – Qual é a sua avaliação da candidatura da Manuela?
Marenco – Manuela é a candidata de oposição com maior potencial para derrotar Fortunati. Em 2008, no início da campanha, Manuela era tida como uma candidata com potencial enorme para ganhar. Mas ela cometeu um erro estratégico brutal, que foi a sua aliança com o PPS, tendo de vice Berfran (Rosado). É o mesmo problema de 1986, quando o PDT aliou-se ao PDS.

JC – Aldo Pinto (PDT) a governador com Silvérius Kist (PDS)…
Marenco – Isso, uma aliança que se neutraliza reciprocamente, os eleitores tendem a não tolerar. Ao fazer essa aliança, Manuela se autobloqueou para dialogar com os eleitores do PT, que estavam propensos a não votar no PT (em 2008) e que migrariam para Manuela. Mas à medida em que ela se alia a um partido que tem posições fortemente liberais e de críticas aos governos de esquerda anteriores… E à medida que a campanha começa – e sobretudo que Luciana Genro (P-Sol) começa a bater na tecla de que a Manuela estava aliada ao PPS de Paulo Odone, Berfran, este grupo -, Manuela vai caindo e chega nos 15%, seu resultado final. Talvez, se não tivesse essa aliança, pudesse ter atraído uma parte dos eleitores do PT e ido para o segundo turno. Então, a primeira coisa que ela tem que resolver é isso.

JC – E qual seria a segunda?
Marenco – Ela insistiu muito numa imagem de candidata que é amiga de todo mundo, que não se opõe a ninguém, insistiu em não ampliar a sua rejeição. Ao fazer isso, não debateu a administração municipal. Então, acabou ficando num espaço vazio. Não conseguiu dialogar com os eleitores do PT nem atrair os eleitores de Fogaça. Agora, se o PT sair com candidatura própria, ela vai ter o PSB e não sei se vai ter alguma outra força política significativa. Então, uma questão crucial será o programa. No sentido de estabelecer uma crítica que não seja estridente ou vista como raivosa, mas um contraponto forte à administração. E associar isso a programas, a uma imagem de inovação, traduzida em projetos.

JC – Discurso programático…
Marenco – Foi um dos problemas da Manuela em 2008. Por opção de não se expor, ela não consegue apresentar um programa sobre as questões principais da cidade. Ela terá, nessa eleição, que reunir técnicos, elaboradores de políticas no âmbito municipal, urbanistas… E tem vantagem em relação ao PT.

JC – Qual?
Marenco – O PT vai passar seis meses, internamente, para decidir quem vai ser o candidato – Raul Pont, Henrique Fontana, Maria do Rosário… E aí está a maior chance da Manuela. É o tempo crucial que ela tem – para uma candidatura que parte de um patamar razoável, as pesquisas dão de 27% a 30% – para atrair apoiadores e formular um programa. Se chegarmos no ano que vem, mais ainda, na campanha eleitoral, e ela não conseguir reforçar o conteúdo das suas proposições, é uma candidatura que pode se esvaziar.

JC – Prevalece a tese de que o PT tem que lançar candidato para não ficar mal com aliados no governo Tarso, PCdoB e PDT.
Marenco – Tem essa situação. O problema é que, à medida que Fortunati fez a opção de não abrir mão dos seus aliados que fazem oposição ao PT, ele dá um álibi para o PT não apoiá-lo. Isto tornaria mais cômodo um eventual apoio do PT a Manuela.

JC – E o convite de Fortunati para o PT ingressar no governo?

Marenco – Foi uma iniciativa hábil, no sentido de criar uma situação difícil para o PT, neutralizar a possibilidade de apoio a Manuela. O melhor cenário para Fortunati seria o PT com candidatura própria, porque freia Manuela. Num cenário de polarização, é natural que ao longo da campanha os votos do PT migrem para a Manuela. Fortunati, com isso, também faz um aceno ao eleitor do PT, num segundo turno. Não interessa a ele que Manuela o desloque do centro para a direita. Então, é um gesto que provavelmente ele vai lembrar. E certamente vai usar na campanha que ele já foi do PT.

JC – O PMDB apoia Fortunati ou lança candidatura própria?
Marenco – Até pelas declarações das lideranças do PMDB, a única hipótese para romper seria Fortunati contar com a participação do PT na chapa.

Perfil

O cientista político André Marenco, 48 anos, é natural de Tupanciretã (RS). Cursou a faculdade de Ciências Sociais e fez mestrado e doutorado em Ciência Política, todos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Hoje, ele trabalha na universidade que o formou como professor no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. Também atua no Centro de Estudos sobre Governo. É coordenador da área de Ciência Política e Relações Internacionais da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). E ainda assumiu uma cadeira no Conselho Técnico Científico da Educação Superior. Já publicou artigos em periódicos científicos nacionais e internacionais sobre instituições políticas, campanhas eleitorais e reforma política.