Debate: A controvérsia de Jorge Amado e Hermínio Sacchetta
No texto que escreveu sobre a controvérsia entre Jorge Amado e seu avô Hermínio, Paula Sacchetta emprega expressões inadequadas como “desígnios de Moscou” e “máquina partidária cruel”, por meio das quais acaba involuntariamente incorrendo em injustiças.
Por José Carlos Ruy
Publicado 09/11/2011 14:05
A jornalista Paula Sacchetta publicou o texto “De heróis e vilões”, sobre seu avô Hermínio Sacchetta, na edição de domingo (6/11) de O Estado de S. Paulo, que merece ser lido e precisa ser comentado. Sugeri sua reprodução no portal Vermelho (onde saiu com o título “Jorge Amado e o retrato falso de um comunista”) pois é um episódio controverso da história dos comunistas no Brasil, escrito com brilhantismo pela neta que demonstra ter herdado do avô jornalista (e do pai, o historiador e também jornalista Vladimir) a mesma verve e disposição para encarar temas difíceis.
A narrativa de Paula Sacchetta traz mais dados para uma história pouco conhecida, e este é outro atrativo de seu texto. O cenário são as divergências entre os comunistas na década de 1930 em torno da ação política e da eleição presidencial de 1938 (que foi cancelada pelo golpe de Estado de 1937 que criou a ditadura do Estado Novo), num quadro de forte instabilidade da direção partidária (praticamente dizimada pela repressão) onde o Comitê Regional de São Paulo, dirigido por Sacchetta, se opôs ao Secretariado Nacional onde a figura principal era Lauro Reginaldo Rocha.
Sacchetta, que liderava os paulistas, foi expulso do Partido, acusado de “trotskismo”. E os ataques contra ele se multiplicaram, figurando no romance Os subterrâneos da liberdade, da década de 1950, onde Jorge Amado o retratou na figura do renegado e traidor Abelardo Saquila.
Os relatos históricos, particularmente quando elaborados com a razão e o coração, como é o caso da neta contando a história do avô, merecem considerações e comentários.
Neste caso, ao lado das qualidades do artigo, há uma inegável reprodução de expressão que penso serem inadequadas para avaliar a história dos comunistas. Duas se destacam: ela se refere ao relato de Jorge Amado como subordinado a “diretrizes traçadas por Moscou”; o outro pede que conste, na edição recém-relançada do livro de Jorge Amado, alguma informação “sobre os bastidores da máquina partidária cruel”.
A jornalista empregou estas expressões de acordo com a maneira como analisa a história. Mas elas se referem às condições da luta política na época (a primeira edição do livro de Jorge Amado é de 1951, há 60 anos!). A luta era rude, frequentemente injusta e os adversários eram quase sempre qualificados como renegados desprezíveis. E o Partido cometeu muitos erros de avaliação nessa luta.
Não penso que seja correto, entretanto, acusar Jorge Amado de seguir linearmente as “diretrizes traçadas por Moscou”, acusação que a direita e os conservadores usualmente faziam aos comunistas. Aquela era uma época em que vigorava a consigna de “unidade de ação e de pensamento” que gerava atitudes comuns e inquestionadas, amplamente aceitas entre os comunistas – e mesmo entre seus adversários trotskistas! As diretrizes não vinham de “Moscou”, mas da atmosfera intelectual e militante que vigorava na época, por questionável que seja vista de hoje, e partilhada pelos militantes da luta operária. A segunda observação, que decorre desta, é a que se refere à “máquina partidária cruel”, outra alegação dos adversários dos revolucionários. Jorge Amado se dispôs a escrever panegíricos para a propaganda partidária que, mais tarde atribuiu a seu “stalinismo” da época; outros escritores comunistas de então, a maioria aliás, não seguiram esse receituário, embora fossem sujeitos à mesma disciplina partidária e a tarefas intelectuais semelhantes. Seria mais correto, neste sentido, atribuir a lamentável caracterização feita por Jorge Amado da figura de Hermínio Sacchetta, às próprias convicções pessoais do autor.
Faço estas reparações no esforço de clarificar aquele episódio histórico e relativizar comentários que ecoam, hoje, uma linguagem que não corresponde mais à maneira com que os comunistas tratam as divergências. Aquele foi um episódio de uma história longa e heroica, às vésperas de completar 90 anos, e que foi construída por homens e mulheres, revolucionários que acertaram muito e também cometeram erros. A história do comunismo no Brasil não prescinde de nenhum deles, mas reivindica a todos e a todos homenageia. Uma história não de heróis ou vilões, mas revolucionários.