Peru: Conflito mineiro se torna questão de política nacional
Já faz várias semanas que os agricultores dos altos planaltos da província de Celendín, no norte dos Andes peruanos, estão protestando veementemente contra o “projeto Conga”, uma mina de ouro e de cobre que, segundo eles, coloca em risco os recursos hídricos de toda a região.
Publicado 11/11/2011 09:01
Até então, o conflito estava restrito a essa região isolada de Cajamarca. Mas há alguns dias, o movimento se ampliou e poderá rapidamente se tornar um verdadeiro problema para o governo peruano do presidente de esquerda Ollanta Humala.
Na quarta-feira (9), mais de 15 mil pessoas protestaram para exigir a suspensão do projeto minerador. “Água, sim! Mina, não!”, repetiram os manifestantes, enquanto o comércio todo fechava. “Não concordamos que as águas da região continuem a ser poluídas ou colocadas em risco”, explica o presidente regional de Cajamarca, Gregorio Santos, que convocou a greve.
Situado na fonte de três bacias hídricas, o projeto minerador Conga prevê, em seu estudo de impacto ambiental (EIA), drenar quatro lagoas e transferir suas águas para um reservatório que abasteceria os vilarejos. “Um reservatório que será maior que a capacidade atual das lagoas”, diz o EIA. Essa ideia não convence os camponeses, que admitem não acreditar mais na Yanacocha, a empresa que será encarregada de explorar a futura mina.
Moradores não veem benefícios
“Fora tirar nossa água, a Yanacocha não fez nada para nós desde que chegou, 18 anos atrás”, suspira um farmacêutico de Cajamarca. Mas a Yanacocha, que pertence às companhias Newmont (norte-americana) e Buenaventura (peruana), garante ter pagado mais de US$ 800 milhões (R$ 1,41 bilhão) em impostos de mineração desde que chegou, em 1993, até 2009.
A mina emprega milhares de pessoas, mas isso não foi o suficiente para conquistar os habitantes, cada vez mais críticos. “Através do Conga, as pessoas estão jogando vinte anos de más práticas de Yanacocha na região”, constata o padre Marco Arana, que coordena o partido ecologista Terra e Liberdade.
“A questão da manifestação não se resume simplesmente às lagoas que vão desaparecer, mas à busca de um novo modelo de desenvolvimento”, argumenta Gregorio Santos, que gostaria de ver os empreendedores investindo nas florestas ou nas barragens hidrelétricas. O líder local pede para que o governo suspenda o projeto Conga. “Tenho certeza de que o presidente Humala, que sempre disse não ter ligações com as multinacionais, vai defender o povo de Cajamarca”, diz.
Questão política
No domingo (6), Ollanta Humala despertou várias dúvidas junto a seus aliados políticos de esquerda, dando a entender que o projeto minerador aprovado em 2010 pelo governo anterior iria continuar. “O Conga passou por várias etapas e devemos respeitá-las”, ressaltou o presidente. “Se há um mal-entendido, é preciso resolvê-lo através do diálogo, mas respeitaremos os contratos que foram assinados pelo Estado, agradem eles ou não”, disse.
Desde que tomou posse, no dia 28 de julho, o chefe de Estado procurou continuamente tranquilizar os setores financeiros, preocupados por verem chegar ao poder um ex-militar nacionalista. O conflito relacionado ao Conga é visto pelos empreendedores como “a prova de fogo” para o presidente de esquerda. “É lá que veremos que tipo de Estado teremos no futuro”, disse Humberto Speziani, presidente da Confiep, o patronato peruano, para quem é importante que o Conga e seu investimento de US$ 4,8 bilhões em 19 anos – o maior da história do Peru – sejam mantidos. “Passamos de um problema sócio-ambiental para um conflito político”, acredita Marco Arana, que prevê um futuro complicado para o governo, uma vez que diversos conflitos similares ao de Conga estouraram nos últimos dias no país. “Ollanta Humala tem uma dívida eleitoral para com o povo que votou nele pensando que ele iria proteger sua água e mudar as coisas”, lembra Arana, que acredita que o presidente deverá escolher entre o povo que o elegeu e os setores financeiros conservadores com quem ele negocia desde que chegou ao poder.
Fonte: Le Monde
Tradução: Lana Lim