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Partido Comunista Português: "Podemos ter uma greve histórica"

Em entrevista ao site português Avante!, Paulo Raimundo, membro da Comissão Política do Partido Comunista de Portugal, analisa quais são as expectativas e o papel do PCP na greve geral deflagrada nesta quinta-feira (24) em Portugal.

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Avante!: Olhando para o que se passou nas últimas semanas, quais as expectativas para esta greve geral?
Paulo Raimundo: Temos visto diferentes setores em permanente ação de contestação contra medidas que são injustas. Todos os dias temos tido uma multiplicação intensa de lutas de trabalhadores e de populações, de usuários, de agricultores, de pescadores, de estudantes, de militares, de profissionais das forças de segurança. Houve expressões maiores dessas lutas e importantes momentos de convergência, como a manifestação da Administração Pública, em 12 de novembro, ou a jornada dos militares, nesse mesmo dia. Estas associam-se a outras lutas que, embora de dimensão menor, têm uma grande importância política.

Pouco mais atrás, deve salientar-se a importância da semana de luta que a CGTP-IN realizou no final de outubro e que revelou grandes potencialidades. Face à brutalidade da ofensiva contra os trabalhadores e o povo, a greve geral surge quase como inevitável e é um ponto alto desta convergência.

Ao mesmo tempo que a preparação da greve geral se faz numa componente mais organizativa e de mobilização dos trabalhadores, através de plenários e de milhares de contatos, ela faz-se simultaneamente com luta, com iniciativa, com reivindicação. Esta talvez seja a grande riqueza deste período mais recente.

Setores que não são de trabalhadores estão acompanhando os objetivos da greve e estão  associando-se à luta com a afirmação própria das suas reivindicações. Refiro-me, por exemplo, aos usuários da Saúde ou dos transportes públicos.

Avante!: Pelos motivos concretos de todas essas lutas e pela sua convergência, conclui-se que fazer greve não é uma opção abstrata…
Paulo Raimundo: Esta não é uma greve em abstrato. A greve geral cava fundo na situação atual do país. Os objetivos que a CGTP-IN coloca ao convocar a greve geral são, em primeiro lugar, agarrados por quem trabalha, já que os trabalhadores são os principais alvos da atual ofensiva. Mas são simultaneamente passíveis de serem absorvidos e desenvolvidos a partir de setores muito amplos.

A dúvida hoje só pode estar em saber se vamos ter uma grande greve geral ou uma greve geral histórica, pela sua dimensão e participação. Todos os trabalhadores têm razões fortes para fazerem greve. Além das razões gerais, muitos têm as suas próprias razões.

E há um milhão e duzentos mil trabalhadores em situação precária que têm razões mais que acrescidas para aderirem à greve de forma massiva. Muitas vezes, são estes os mais pressionados para não lutarem. Ora, chegou o dia de demonstrarem que estão unidos em torno dos objetivos da greve geral, contra o rumo por onde o país tem sido conduzido, mas também para demonstrarem a sua indignação e a sua disposição de luta, face à situação injusta que vivem. Não ir trabalhar é a melhor forma de demonstrarem que fazem falta todos os dias e que o seu vínculo trabalhista deve ser permanente.


Avante!: Apesar dos fortes motivos para fazer greve, os trabalhadores vão confrontar-se certamente com graves impedimentos. Até que ponto isto poderá prejudicar os índices de adesão?
Paulo Raimundo: Não menosprezamos as dificuldades, nem as pressões, nem as chantagens. Os trabalhadores vão enfrentar certamente muitas manobras, não será novidade. Isto vai exigir de cada trabalhador coragem e determinação, para afirmar "basta" pela sua adesão à greve. Vai haver chantagens, pressões, ofertas de prêmios, vamos ouvir que a luta é prejudicial para a empresa e para o país… Sabemos que vai haver tudo isto, como houve noutras greves gerais e como surge sempre que os trabalhadores decidem entrar em luta. É por isso que dizemos que é necessária coragem, é necessária confiança, é necessária determinação para aderir à greve.

Coloca-se outro problema. Se todos os trabalhadores têm razões para aderir à greve e marcar uma posição firme, aqueles que não o fizerem devem ter presente que, mesmo que não queiram, vão ser contabilizados pelo capital e pelo governo como apoiantes desta política. Quem decidir não fazer greve vai ter que se confrontar com este problema.

Vai ser decisivo o papel dos piquetes de greve. São constituídos a partir de cada empresa ou serviço, de cada setor, e têm uma grande importância para vencer as muitas dificuldades que se vão colocar e que não devemos menosprezar.

Avante!: O sucesso da greve geral significa paralisar o país, como repetidamente tentam fazer crer?
Paulo Raimundo: Não é esse o objetivo de uma greve geral. A adesão dos trabalhadores deve fazer-se sentir em cada local de trabalho. Vai haver "guerra de números" e contabilização geral da adesão, mas a greve geral deve ser entendida nos reflexos que tem em cada uma das empresas e em cada local de trabalho. Aqui é que é preciso dar o sinal.

Vamos ter empresas com adesão a 100%, outras a 90%, outras com índices menores mas onde vai parar a produção, haverá serviços encerrados, outros estarão a meio gás. Haverá também lugares onde a greve não vai ter a adesão que seria necessária. É assim numa greve e é esta também a realidade da greve geral.

Mas o que vai contar é concluirmos que, desta exigente e elevada resposta, em cada empresa, em cada um dos setores, os trabalhadores vão sair em melhores condições para prosseguir uma luta, que vai ser necessariamente prolongada, mas que vai ter que se intensificar e agudizar. O que vai contar é que os trabalhadores e as populações vão dar uma grande resposta e o poder político não vai poder ficar indiferente.

Avante!: Vamos ter mais greves gerais…
Paulo Raimundo: A greve geral vem procurar dar resposta a uma ofensiva que não fica derrotada hoje. A resposta do trabalho tem que corresponder à intensificação da ofensiva do capital. A luta terá expressões muito diversas e vai haver momentos de convergência. Mas terá que viver pela sua multiplicação e por se desenvolver o mais possível na base.

A greve geral tem que dar um sinal para a luta que desenvolvemos contra o roubo dos salários e que será ganha nos locais de trabalho. É aqui que a batalha contra as alterações ao Código do Trabalho está a ser ganha todos os dias. É em cada uma das empresas, e não na Concertação Social, que vamos contrariar o trabalho gratuito ao sábado. A luta dos trabalhadores e das populações vai ter que continuar e intensificar-se, e a greve geral será um impulso para esta intensificação.

Teremos que ir tão longe quanto possível na intensificação da luta, dado o grau da ofensiva. Exige-se a multiplicação da luta, ao nível mais abaixo possível, e outros momentos de convergência. Estes, caso o movimento sindical assim entenda, poderão passar por convocação de novas greves gerais.

Avante!: Uma greve geral assume objetivos mais avançados, claramente políticos. Como se enquadra esta greve geral na luta pela alternativa que o Partido propõe para Portugal?
Paulo Raimundo: Contra a exploração e o empobrecimento são os objetivos que a CGTP-IN coloca para a greve geral. Uma greve e uma luta que se assume, assim, contra o rumo que o país vem seguindo, contra o empobrecimento, contra as injustiças e contra medidas que vão levar ao agravamento da situação. A par desta contestação, a greve geral é pela exigência de um rumo novo, rompendo com o caminho das últimas três décadas, que nos trouxe à atual situação. Aqui a greve geral assume um significado político de grande dimensão.

Nesta exigência de uma nova política, a greve geral cruza-se com os grandes objetivos e desígnios nacionais que o Partido hoje aponta. Por um lado, não será possível criar outra saída para o país, enquanto não derrotarmos o pacto de agressão, a política a que ele dá seguimento e os instrumentos dessa política, como são o Orçamento do Estado e as mudanças nas leis trabalhistas. É preciso rejeitar este pacto, responsabilizando o PS, o PSD e o CDS por o terem assinado com o FMI, a União Europeia e o Banco Central Europeu – duas troikas, associadas aos grandes interesses do capital nacional e internacional.

Esta nossa palavra de ordem de rejeição do pacto associa-se à contestação da atual política, nos objetivos da greve geral.

Na ideia de construção de um Portugal com futuro, encontramos a luta pela alternativa política que propomos e para a qual é indispensável ter a mobilização dos trabalhadores e do povo.

Assim, temos uma greve geral de dimensão política (não se confunda com partidária) que se insere no desígnio nacional que o PCP propõe aos trabalhadores e ao povo, com cada vez mais gente a rejeitar a atual política e o pacto de agressão e, simultaneamente, a abrir caminhos novos para um Portugal que achamos que tem futuro, desde que para tal haja força bastante.

Avante!: A par da intervenção unitária, tem havido iniciativas próprias do Partido, temos as posições e as propostas dos comunistas. Como é avaliada a resposta das pessoas, face à necessidade de dar força ao PCP para construir a alternativa de que o país precisa?
Paulo Raimundo: Há um reconhecimento, por parte de vários setores, do papel central do Partido na resistência e também na confiança em que é preciso outro rumo. Mas, seja através da ação dos militantes comunistas no movimento sindical e nas estruturas unitárias, seja pela ação própria do Partido, notamos um grande reconhecimento do papel do PCP na resistência a esta ofensiva e uma grande confiança em que o Partido está em condições de ser o polo central desta mudança necessária.

Ficamos satisfeitos com este reconhecimento. Mas a muitos falta dar um passo, falta cada um perceber que lhe cabe um papel ativo nesta resistência. Os comunistas cumprirão o seu papel, mas é preciso que outros também o façam, nomeadamente neste momento, com a adesão à greve geral.

Por outro lado, é preciso que, reconhecendo nas propostas do PCP a saída para os problemas, cada um dê mais força a essas propostas. E vamos ganhando mais apoios.

Avante!: Por exemplo?…
Paulo Raimundo: Recordo alguns casos em que começámos praticamente sozinhos, e hoje o que propomos já é olhado de outra forma, ainda que por vezes com motivações contraditórias.

Em 5 de abril, na véspera de ser anunciado o "pedido de ajuda", defendemos a renegociação da dívida. Atravessámos a campanha eleitoral isolados, nesta matéria, e fizeram-nos muitas críticas por defendermos tal ideia. Mas hoje é já bem mais ampla a compreensão da necessidade de renegociar os prazos, os juros e os montantes da dívida.

Também ganha apoios, designadamente entre os pequenos empresários, outra ideia por que nos batemos há anos: a grande fatia dos custos de produção não tem a ver com salários, mas com a energia, os transportes e comunicações, o crédito, e é preciso que o Estado tenha nas suas mãos os instrumentos necessários para diminuir estes custos.

Hoje é mais aceito, como há anos nós dizemos, que o Estado tomou uma opção política errada, quando perdeu capacidade de intervenção no setor estratégico da banca, e irá perder mais com a privatização de uma parte da Caixa Geral de Depósitos. Hoje é mais evidente que todos os sacrifícios e esforços que são exigidos à generalidade dos portugueses acabam por reverter em benefícios para a banca, que tem contribuição zero para esses sacrifícios e que neste período de crise exibe uma vergonhosa acumulação de riqueza.

Também notamos que se alarga a compreensão de que a ideia de baixar mais os salários, para salvar a economia, representa caminhar para o abismo. A saída do atual momento exige, a par de outras medidas, um investimento muito grande no setor público, na produção nacional. Os cortes salariais constituem uma injustiça brutal, do ponto de vista social, e um erro estratégico, do ponto de vista econômico, porque retiram à maioria dos trabalhadores e ao povo a capacidade de consumo. O que é necessário é o aumento dos salários e, nomeadamente, do salário mínimo nacional.

Avante!: Mas quem apoia tais propostas não está necessariamente ao lado do PCP…
Paulo Raimundo: Todos os que venham para esta batalha são benvindos. Mas há coisas que são de mais. O presidente da República vem defender agora a produção nacional e a virada do país para o mar, quando é ele um dos principais responsáveis pela destruição de parte considerável da nossa marinha mercante, da nossa indústria naval, da nossa frota pesqueira. Não é um caso para dizer que mais vale tarde do que nunca. Ele sabe bem as opções que tomou e que toma.

Avante!: Portanto, para o Partido, a greve geral marca o caminho para a alternativa política…
Paulo Raimundo: O Partido está atuando, de forma muito intensa, na preparação da greve geral e em toda esta luta, com a sua iniciativa própria e a sua ação político-partidária; os comunistas têm papel ativo no movimento sindical, noutras estruturas unitárias, nas comissões de usuários, estimulando o desenvolvimento das lutas; e, numa terceira vertente, as propostas e a ação própria do Partido contribuem para a confiança dos portugueses em que é possível construir um país melhor, na base de outra política, e para a confiança em que há forças para construir essa alternativa.

A greve geral, sendo um momento alto de convergência, não é só um ponto de chegada desta dinâmica, é sobretudo um ponto de partida para uma luta que vai ter que continuar.

Fonte: Avante!