Dez anos sem Cássia Eller
A cantora carioca deixou uma indelével marca na história da Música Popular Brasileira, com uma interpretação inconfundível. A música “Malandragem”, de Cazuza e Frejat, nunca mais foi a mesma depois que Cássia a gravou. Há dez anos, o Brasil chorava a sua morte, hoje dança e canta ao ritmo de suas eternas criações.
Por Marcos Aurélio Ruy*
Publicado 30/12/2011 20:43
A canção “Tempo Perdido”, de Renato Russo (um dos ídolos de Cássia), poderia bem ilustrar a vida dessa cantora que abrilhantou o país com sua voz vigorosa, eclética e vivaz pela cultura brasileira e em defesa “dessa mocidade que constrói a manhã desejada”, como disse o grande poeta e músico Gonzaguinha. Cássia Eller viveu o seu tempo e deixou a vida prematuramente aos 39 anos no dia 29 de dezembro de 2001, após sofre um infarto.
O que provocou sua morte, segundo os médicos, foi o excesso de shows associado à uma ansiedade e às drogas, pois a cantora teve uma doença na juventude que lhe deixou como seqüela uma arritmia cardíaca. Esses dados constam do livro “Apenas uma Garotinha – a História de Cássia Eller”, de Ana Claudia Landi e Eduardo Bento.
Cássia Rejane Eller nasceu no Rio de Janeiro em 10 de dezembro de 1962 e com pai era militar, teve uma vida em família muito rigorosa. Mudava muito e parte da adolescência passou em Brasília onde se interessou por música e passou na cantar em corais e participou do primeiro trio elétrico da capital federal o Massa Real. Despontou para o mundo da música em 1981, aos 19 anos, num espetáculo de Oswaldo Montenegro. Antes disso, porém, chegou até a trabalhar como servente de pedreiro em Belo Horizonte. Tipo de atitude que já mostrava sua tenacidade e a vontade de romper as limitações impostas pela família e pela sociedade.
Participou do Rock in Rio de 2001, entre maio e dezembro tinha feito 95 shows, suspeita-se que seu coração não tenha suportado tudo isso junto ao vício em cocaína e álcool. Ela deixou sua marca registrada em sua curta carreira e tornou-se ídolo de uma juventude com vontade de viver com liberdade. E continua a ter uma crescente legião de fás.
Boa cantora, ela conseguiu firmar-se na música popular brasileira, mesmo entre grandes cantoras como única, com sua voz rouca e repertório eclético. Cantava do rock pop de Nando Reis ao sambista baiano Riachão, passando por Chico Buarque e Caetano Veloso. Homossexual assumida teve um filho e lhe deu o nome de Francisco, provavelmente em homenagem ao seu ídolo Chico Buarque, como ela disse num disco ao vivo que Chico era seu verdadeiro pai, ou seja, o pai musical e artístico. Estava ela mal de pai… O pai do Chicão (apelido do filho de Cássia) era o baixista Tavinho Fialho, que faleceu pouco antes do menino vir ao mundo, em 1993. Mas Cássia já vivia com Maria Eugênia Vieira Martins, quando veio a falecer. E mesmo após sua morte sua arte e sua luta marcaram presença, quando numa decisão inédita da justiça, Maria Eugênia ganhou com a guarda de Chicão num processo movido pelos pais de Cássia Eller que requereram a guarda do neto e perderam.
Ela dedicou a maior parte de sua carreira a interpretar músicas de outros autores, chegando a gravar apenas três músicas de sua própria autoria: “Lullaby” (parceria com Mário Faraco, em 1990), “Eles” (com Luiz Pinheiro e Tavinho Fialho, em 1992 e “O Marginal” (com Hermelino Neder, Luiz Pinheiro e Zé Marcos, 1992). Investiu pesado, no entanto, na carreira de cantora e escolheu o repertório em diversificados autores. Ela gravou: Cazuza, Legião Urbana, Itamar Assunção, Arrigo Barnabé, Rita Lee, Caetano Veloso, Chico Buarque, Riachão, Beatles, Jimi Hendrix, Nirvana, John Lennon. E preferia álbuns gravados ao vivo para mostra mais fortemente sua irreverência comportamental e artística.
Deixou um legado insubstituível num modo muito próprio de interpretar as canções de grandes compositores e é impossível ouvir Cássia Eller sem ligar seu nome a algumas das canções gravadas por ela.
Alguns clipes de Cássia Eller:
Partido Alto (Chico Buarque)
Deus é um cara gozador
Adora brincadeira
Pois pra me jogar no mundo
Tinha o mundo inteiro
Mas achou muito engraçado
Me botar cabreiro
Na barriga da miséria
Eu nasci brasileiro
Eu sou do Rio de Janeiro
Diz que deu
Diz que dá
Diz que Deus dará
Não vou duvidar, oh nega
E se Deus não dar
Como é que vai ficar, oh nega?
"à Deus dará" , "à Deus dará"
Diz que deu
Diz que dá
Diz que Deus dará
Não vou duvidar, oh nega
E se Deus negar
eu vou me indignar e chega
Deus dará, Deus dará
Jesus Cristo ainda me paga
Um dia ainda me explica
Como é que pôs no mundo
Essa pobre coisica
Vou correr o mundo afora
Dar uma canjica
Que é pra ver se alguém se embala
Ao ronco da cuíca
Um abraço pra aquele que fica, meu irmão
Deus me deu mãos de veludo
Pra fazer carícia
Deus me deu muitas saudades
E muita preguiça
Deus me deu pernas compridas
E muita malícia
Pra correr atrás de bola
E fugir da polícia
Um dia ainda sou notícia
Deus me fez um cara fraco
desdentado e feio
Pele e osso, simplesmente
Quase sem recheio
Mas se alguém me desafia
E bota a mãe no meio
Eu dou porrada a três por quatro
E nem me despenteio
Porque eu já tô de saco cheio.
Malandragem (Cazuza e Frejat)
Quem sabe eu ainda sou uma garotinha
Esperando o ônibus da escola sozinha
Cansada com minhas meias três-quartos
Rezando baixo pelos cantos
Por ser uma menina má
Quem sabe o príncipe virou um chato
Que vive dando no meu saco
Quem sabe a vida é não sonhar
Eu só peço a Deus
Um pouco de malandragem
Pois sou criança e não conheço a verdade
Eu sou poeta e não aprendi a amar
Bobeira é não viver a realidade
E eu ainda tenho uma tarde inteira
Eu ando nas ruas, eu troco um cheque
Muda uma planta de lugar
Dirijo meu carro
Tomo o meu pileque
E ainda tenho tempo pra cantar
Vá Morar com o Diabo (Riachão)
Ai, meu Deus!
Ai, meu Deus!
O que é que há?
Ai, meu Deus!
Ai, meu Deus!
O que é que há?
A nega lá em casa
Não quer trabalhar
Se a panela tá suja
Ela não quer lavar
Quer comer engordurado
Não quer cozinhar
Se a roupa tá lavada
Não quer engomar
E se o lixo tá no canto
Não quer apanhar
E prá varrer o barracão
Eu tenho que pagar
Se ela deita de um lado
Não quer se virar
A esteira que ela dorme
Não quer enrolar
Quer agora um cadilac
Para passear…
Ela quer me ver bem mal
Vá morar com o diabo
Que é imortal
Ela quer me ver bem mal
Vá morar com o sete pele
Que é imortal…
Ai, meu Deus!
Ai, meu Deus!
O que é que há?
Ai, meu Deus!
Ai, meu Deus!
Ai, meu Deus!
O que é que há?
A nega lá em casa
Não quer trabalhar
Se a panela tá suja
Ela não quer lavar
Quer comer engordurado
Não quer cozinhar
E se a roupa tá lavada
Não quer engomar
Se o lixo tá no canto
Não quer apanhar
E prá varrer o barracão
Eu tenho que pagar
Se ela deita de um lado
Não quer se virar
A esteira que ela dorme
Não quer enrolar
Quer agora um cadilac
Para passear…
Ela quer me ver bem mal
Vá morar com o diabo
Que é imortal
Ela quer me ver bem mal
Vá morar com o sete pele
Que é imortal…
Ai, meu Deus!
Ai, meu Deus!
A nega lá em casa
Não quer trabalhar
Se a panela tá suja
Ela não quer lavar
Quer comer engordurado
Não quer cozinhar
Se o lixo tá no canto
Não quer apanhar
E se a roupa tá lavada
Não quer engomar
E prá varrer o barracão
Eu tenho que pagar
Se ela deita de um lado
Não quer se virar
Na esteira que ela dorme
Não quer enrolar
Quer agora um cadilac
Para passear…
Ela quer me ver bem mal
Vá morar com o diabo
Que é imortal
Ela quer me ver bem mal
Vá morar com o sete pele
Que é imortal
Ela quer me ver bem mal
Vá morar com o diabo
Que é imortal
Ela quer me ver bem mal
Vá morar com o sete pele
O sete pele, o sete pele
Que é imortal!
*Marcos Aurélio Ruy é colaborador do Vermelho