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Pedro Benedito Maciel Neto: Quem tem medo do CNJ?

A queda de braço entre o CNJ e algumas das associações de juízes segue e promete novos capítulos.

Por Pedro Benedito Maciel Neto*

"Diminuir a competência do CNJ é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga". (Ministra Eliana Calmon, Corregedora do CNJ).

O capítulo atual teve inicio a numa entrevista da Corregedora do CNJ à Associação Paulista de Jornais (APJ), na qual ela criticou a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela AMB, ação que questiona, e pretende esvaziar, os poderes do CNJ de punir juízes. À APJ a Ministra Eliana Calmon disse que a ADI é o "primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga".

O presidente da AMB, Nelson Calandra, em outra entrevista demonstrou o viés corporativista presente na magistratura brasileira, o conteúdo de suas palavras revelam ignorância, pois "a legitimação da democracia passa pela dinâmica do debate público e não pode ser substituída pelos tribunais", com ensina José Joaquim Gomes Canotilho e a sociedade aprova e quer o CNJ com amplos poderes.

E tem mais. Segundo o jornalista Fábio Santos “a guerra deflagrada entre associações de juízes e a corregedoria do Conselho Nacional de Justiça revela o quanto o Judiciário brasileiro está dividido sobre o papel a ser desempenhado pelo CNJ. O conflito reforça a idéia, corrente na imprensa e na opinião pública, de que o poder é tomado pelo corporativismo e refratário a qualquer controle.”, li isso no site da Reuters Brasil.

Mas porque parcela do Poder Judiciário, representado por algumas de suas associações, é refratária “a qualquer controle”?

A inspiração para o controle externo nacional, como instituído pela EC 45/04, vem dos modelos de países europeus, entre os quais mencionamos Portugal, país em que o órgão de controle existe desde 1976 e denomina-se Conselho Superior da Magistratura, e França, onde existiu o Conselho Nacional da Magistratura, composto não apenas de membros do Judiciário, extinto em 1994. Saliente-se que, em Portugal, a partir de 1997, o Conselho passou ser composto em sua maioria por não magistrados, provocando insatisfação entre os magistrados, o que, todavia, não impediu sua mantença nesses moldes.

O Judiciário, assim como os demais Poderes que compõem a estrutura estatal, sempre foi alvo de inúmeras críticas, que se tornaram ainda mais intensas nos últimos anos, por parte de uma sociedade cada vez mais descrente na sua eficiência, o que foi revelado por pesquisa da FGV recentemente.

Há muito tempo, a população clama por uma justiça mais célere e eficaz, tema constantemente debatido e estudado, o qual chega a ser tratado por doutrinadores e estudiosos do direito como “a crise do Judiciário”.

Essa realidade, aliada às denúncias de corrupção envolvendo membros do Poder Judiciário, tornou ainda mais intensa a reclamação por uma Justiça mais acessível, célere, transparente e próxima daqueles aos quais ela se destina, tornando, deste modo, a existência de um CNJ próximo do modelo que existe em Portugal é fundamental.

Assim foi publicada a Emenda Constitucional nº 45, em 31/12/2004, decorrente da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 96/92 e foram introduzidas diversas modificações na estrutura do Poder Judiciário Essas modificações tiveram como objetivo dar maior celeridade processual e efetividade jurisdicional, e introduziu o chamado controle externo representado pelo órgão denominado Conselho Nacional de Justiça.

Mas o controle externo, que deveria ser comemorado como um avanço no quadrante da cidadania tornou-se um dos temas mais polêmicos e discutidos da reforma. Mas por quê?
A constitucionalidade do CNJ chegou a ser objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por parte da Associação dos Magistrados Brasileiros. Ou seja, a AMB Judicializou um tema de natureza Política… Podemos afirmar que não é novidade o fato do CNJ causar significativa inquietação e indisfarçável incomodo a parcela dos magistrados e algumas de suas associações.

Há muito se trata do tema controle externo do Poder Judiciário. O Poder Judiciário, que por função compor conflitos de interesses em cada caso concreto, de modo que exerce a função jurisdicional, vital para o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito e nessa linha é impossível deixar de reconhecer a repercussão, sobre o interesse público, de decisões judiciais sobre os temas mais variados, que incluem o valor de tarifas públicas, a definição das hipóteses legítimas de interrupção da gestação ou a definição dos poderes do Ministério Público na investigação criminal.

Inegável a importância da prestação jurisdicional, exercida exclusivamente pelos integrantes do Poder Judiciário. Mas seus membros não são eleitos democraticamente…

A investidura na função jurisdicional decorre de concurso público de provas e títulos, sem qualquer interferência popular, o que merece ser objeto de reflexão à luz do principio da máxima efetividade da soberania popular e justifica ainda mais a existência de um órgão atuante de controle externo.

E, após aprovação e superação do estágio probatório, os componentes deste Poder passam a ocupar cargos vitalícios. Isso mesmo o cargo é vitalício, ao contrário do que se verifica com relação aos Poderes Executivo e Legislativo, cujos membros são eleitos diretamente pela população, para mandatos por prazo determinado. Naturalmente que o fato de serem seus integrantes escolhidos pela sociedade, para o exercício de sua função por um período determinado, representa uma forma de controle popular sobre o Legislativo e Executivo, vez que, se não exercerem adequadamente suas atividades, poderão não mais ser eleitos – caberá à sociedade decidir. Contudo, embora igualmente seja um Poder Estatal, cujas atividades, da mesma forma, destinam-se à coletividade, os membros do Poder Judiciário não estavam sujeitos a essa forma de controle externo até a EC 45/04.

A possibilidade de instalação de um órgão específico para este fim de exercer controle externo sobre o Poder Judiciário foi suscitada na época da Constituinte (1986-1988) pelo então deputado Nelson Jobim, com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, entidade que sempre se mostrou favorável ao controle. No entanto, sempre se discutiu a melhor forma de se efetivá-lo, especialmente se com a participação exclusiva de magistrados ou não, idéias que se tornaram mais acirradas em determinados contextos sociais, ou seja, o corporativismo das associações de magistrados mostra-se presente e refratário ao controle externo desde a constituinte.

Em virtude do assassinato do juiz titular da 2ª Vara de Família e Sucessões de Cuiabá, Dr. Leopoldino Marques do Amaral, autor de denúncias sobre o envolvimento de membros do Judiciário em corrupção, ocorrido em 05/09/1999 chegou-se a cogitar a edição de uma Emenda Constitucional, independentemente do projeto de Reforma do Judiciário então em trâmite, especificamente para o fim de ser instalado o então denominado Conselho Nacional da Magistratura. Contudo, o projeto, embora levado ao presidente do Senado na época, Antonio Carlos Magalhães, pelo presidente da OAB, Dr. Reginaldo de Castro, não foi adiante.

Considerando as reflexões expostas, pode-se concluir que o fortalecimento do CNJ como órgão encarregado de fiscalizar o Poder Judiciário, com a participação da sociedade e de membros de instituições indispensáveis à administração da justiça, revela-se imperioso, de forma a colaborar para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, do próprio Poder Judiciário e das instituições. O CNJ tem natureza moderna e nele hoje repousa a esperança de a nação poder voltar a confiar e orgulhar-se do Poder Judiciário.

Evidentemente a separação dos poderes foi preservada, na medida em que o CNJ é um órgão pertencente ao próprio Judiciário, cuja composição híbrida tem como objetivo combater o corporativismo, pelo que acaba sendo viciado o controle exclusivamente interno, o qual tem se mostrado cada vez mais ineficiente. Sublinhe-se que não se pode utilizar o conceito de autonomia e independência para manter aqueles que exercem a atividade jurisdicional isolados da sociedade, a quem cumpre servir de forma eficaz.

Da mesma forma, não há que se falar em quebra do pacto federativo, vez que a jurisdição é una e indivisível, existindo um único Poder Judiciário, do qual faz parte a totalidade dos magistrados e o próprio Conselho Nacional de Justiça. Gosto muito das posições da Ministra Carmem Lucia que uma vez teria dito que os ministros do STF deveriam ficar no máximo nove anos por lá e os juízes de carreira no máximo cinco anos em cada comarca, assim não seriam criados vínculos indesejados, esse seria um bom debate.

* Pedro Benedito Maciel Neto, 47, é advogado, sócio da Maciel Neto Advocacia, professor e autor de “Reflexão sobre o estudo do direito”, Ed. Komedi (2007).