Câmara de SP debate origens e enfrentamento da dependência do crack

Um importante debate sobre o enfrentamento ao crack aconteceu no último dia 9 durante a 4ª Conferência Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, promovida pela Comissão de Direitos Humanos, Cidadania, Segurança Pública e Relações Internacionais da Câmara, presidida pelo vereador Jamil Murad.

jamil crack

O objetivo do debate foi trazer a experiências de especialistas ligados à área para discutir as melhores maneiras para lidar com a dependência do crack.

Para Jamil Murad, a Comissão tem papel fundamental “na defesa dos direitos básicos da população numa sociedade ainda muito desigual. E um dos pontos que devem ser defendidos é o direito dos dependentes de terem um tratamento digno, bem como sua reinserção social”.

Ele ressaltou a necessidade de haver interlocução entre os três níveis de governo, bem como entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. “O programa recém-lançado pelo governo federal para enfrentar o crack, destinando 4 bilhões de reais, é um exemplo da necessidade dessa articulação”, colocou.

Segundo Mauro Alcântara, presidente do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas e membro da direção do Cremesp, deve haver maior integração entre a área da saúde e de direitos humanos. Ele ressaltou ainda que “situações como a da cracolândia são a via final de uma sociedade degradada”. Alcântara lembrou que a desintegração social e familiar leva ao consumo nocivo de drogas, em especial o crack.

Segundo ele, há um conjunto de proposições, já apresentadas à Secretaria de Justiça de São Paulo, que devem ser consideradas quando se aborda a questão. A primeira delas é a criação de uma coordenadoria estadual de enfrentamento às drogas. A segunda é garantir a presença efetiva do Estado na cracolândia.

“Simplesmente retirar o indivíduo para uma internação ou usar de repressão não resolve. O Estado tem que conhecer e conviver com essas pessoas e conhecer suas necessidades. Depois, é preciso fazer um mapeamento para que seja possível traçar um plano terapêutico individualizado”.

Ainda de acordo com Alcântara, “no caso de pessoas que corram risco de vida, havendo necessidade de internação involuntária, isso precisa ser instruído por uma equipe e por um juiz competentes”. Além disso, é preciso que haja uma estrutura que garanta, depois do tratamento, a reinserção dessas pessoas na sociedade.

Para Alcântara, solucionar a questão da cracolândia por si só “não resolve o cenário injusto em que essas pessoas estão inseridas, mas obriga o Estado a se equipar para lidar com os problemas sociais emergentes e estar pronto para agir no presente e no futuro”.

Como nascem as cracolândias

Samuel Karasin, juiz da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, disse que ao longo dos anos, “a sociedade foi deixando espaços negativos, resultando em desagregação familiar e falta de solidariedade; é assim que nasce uma cracolândia”.

Karasin argumentou que são necessárias “soluções mais profundas do que a mera repressão policial, que surge como uma saída cosmética”. Por isso, o Tribunal de Justiça propôs a presença de juízes na cracolândia a fim de conhecer aquela realidade e ajudar os dependentes. “A ideia é oferecer um olhar mais próximo e intenso sobre aquelas crianças e adolescentes. Isso vai aperfeiçoar nossa capacidade de compreensão do fenômeno”.

Segundo ele, “a internação pode ser necessária quando houver risco para a pessoa”, desde que “dentro dos parâmetros legais”.

Combate ao tráfico

O padre Julio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua, por sua vez, denunciou os interesses imobiliários envolvidos na região. “A cracolândia é planejada justamente para baratear o preço dos imóveis locais”. Além disso, destacou que “enquanto não enfrentarmos a rede de corrupção relacionada ao tráfico, estaremos enxugando gelo”. Mas, colocou, “também temos que fazer a nossa parte do ponto de vista do convencimento dessas pessoas e de seu resgate do ponto de vista humano. Ainda se joga sobre o dependente um rigor que deveria ser aplicado ao tráfico”.

Leila Rocha Sponton, defensora pública do Núcleo da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, enfatizou ser contrária à internação compulsória. “É preciso investir em outras maneiras de tratar a dependência”. Além disso, destacou que “já existem muitas leis relacionadas ao assunto; o problema é que temos uma crise na efetivação dessas leis”.

Leonardo Pinho, da Frente Estadual Antimanicomial, “é preciso haver um combate firme às estruturas que sustentem o tráfico porque muitos setores vêm as mazelas sociais, as mazelas causadas pelas drogas, como uma indústria lucrativa”.

Para ele, também é preciso “fortalecer as estruturas de tratamento no SUS, nos Caps-AD, na ampliação dos leitos hospitalares e integrar as diversas políticas do SUS e SUAS”. Robson Mendonça, do Movimento Estadual dos Moradores de Rua, também enfatizou o problema do tráfico e da corrupção policial como um dos principais problemas para se acabar com as cracolândias.

De São Paulo, Priscila Lobregatte