Documentário questiona mensagem política de nossa era

Inspirado no pensamento marxista, documentário francês pretende pesar nas eleições presidenciais. Qual espaço para os panfletos políticos nas novas mídias?

Por Bruno Carmelo, do Discurso-Imagem.

A França possui centenas de rádios, dezenas de jornais e de canais de televisão, todos defendendo sua independência e objetividade. Mas na verdade, por trás desta aparência profissional e democrática, existem relações ocultas com o poder, dando origem a uma informação homogênea, ultra liberalista, que defende o governo (de direita) no poder.

A “mensagem” do documentário francês Les Nouveaux Chiens de Garde (“Os novos cães de guarda”) poderia ser reduzida no parágrafo acima. Reivindicando o pensamento marxista, os escritores Gilles Balbastre e Yannick Kergoat transpõem às telas seu manifesto literário, intitulado igualmente “Os novos cães de guarda”. Dotado de uma didática simples e de um humor indispensável ao filme-denúncia moderno (vide Michael Moore), o filme pretende pesar nas consciências dos cidadãos apenas três meses antes das eleições presidenciais de 2012 no país.

Em termos de metodologia, encontra-se um raciocínio maniqueísta e de pouca complexidade, para não dizer simplório: através do acúmulo de exemplos, pretende-se convencer o espectador de que todas as relações semelhantes se passam da mesma maneira. Assim, uma narração clássica do próprio diretor conta que tal presidente de empresa é convidado em suas próprias redes de televisões para dar entrevista, enquanto outro economista é de fato o patrão da Fnac, e outro de uma empresa de telefonia celular…

As informações podem impressionar, mas o filme nunca consegue tomar distância em relação ao material mostrado e refletir, abstrair, a partir do conjunto de fragmentos. Se a situação mostrada pelos diretores é real, como chegamos aí? Qual estrutura sustenta este poder? De onde veio a relação, como ela se fortaleceu, como ela tem evoluído? Mistério. Os novos cães de guarda efetua a constatação do óbvio, a denúncia de uma certa forma de poder anônimo, sem rosto. Por falta de ter quem atacar, ataca-se os males invisíveis da “impunidade”, da “desonestidade”.

O risco de um panfleto destes, cinematograficamente precário (o som e a montagem são muito fracos), é o de pregar para convertidos. Dificilmente um cidadão francês que pretende reeleger Sarkozy vai pagar um ingresso para assistir a uma produção tão claramente injuriosa, e o público de esquerda já conhecia tais informações. No melhor dos casos, ele sai da sessão com um acervo enriquecido de anedotas sobre corrupção e manipulação.

Em seu aspecto cinematográfico, ou melhor, midiático, este projeto chega a ser irônico: ele reclama da dependência e falta de objetividade na comunicação, enquanto ele mesmo não passa de um discurso político o mais subjetivo possível, que utiliza o cinema não como arte, mas como meio massivo e popular de propagação de uma mensagem. O pior ainda é a conclusão, apresentada em grandes letras na tela, com a solene inscrição “epílogo”: a narração novamente aponta falhas na comunicação, derivas do poder, e termina por dizer que “Basta”, que a coisa precisa mudar.

De que maneira? Com quem? Boa pergunta. Quando não se sabe de onde veio um fenômeno, nem como ele funciona, é difícil propor alternativas de como contê-lo. Por isto, o discurso parte de uma premissa simplória (“Existe corrupção”) e chega a uma conclusão pueril (“A corrupção precisa acabar”). Para todos que já sabiam que a corrupção é algo ruim e que a transparência é melhor, essa aula de marxismo para tolos, diretamente inspirada da orelha do Capital, não traz absolutamente nada de novo, nem de interessante.

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Les Nouveaux Chiens de Garde (2011)
Filme francês dirigido por Gilles Balbastre e Yannick Kergoat.