Garota de Ipanema completa 50 anos: ouça versão apenas com vozes
O “doce balanço a caminho do mar” está completando 50 anos. Passadas cinco décadas, Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, ainda é a canção brasileira mais conhecida no exterior e a segunda música mais executada no mundo em todo o século 20, atrás apenas de Yesterday, dos Beatles.
Publicado 08/02/2012 17:58
Composta em 1962, ela já ganhou pelo menos 170 versões, que foram registradas por gente como Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Madonna, Cher, Sepultura e, mais recentemente, por Amy Winehouse, que a gravou em seu último trabalho, lançado após sua morte, o álbum Amy Winehouse Lioness: hidden treasures.
Veja está incrível versão onde as vozes fazem as vezes de todos os instrumentos ouvidos. Atenção especial para a "percussão" feita pelo rapaz de camisa azul na ponta direita. Ele é o "baterista".
Era começo dos anos 1960 e Tom Jobim e Vinicius de Moraes passavam as tardes naquele que eles batizaram de “nosso posto de observação”, o então Bar Veloso, no cruzamento da Rua Montenegro com Prudente de Morais, em Ipanema. Até que um dia repararam no balanço de uma menina que vinha e passava em direção ao mar. Era Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto, a Helô, que morava no número 22 da Rua Montenegro, próximo ao bar. Nascia ali a canção. O lugar acabou mudando de nome e hoje se chama Bar e Restaurante Garota de Ipanema e a Rua Montenegro agora é Rua Vinicius de Moraes.
“A recente divulgação da gravação da Amy mostra o quanto a música e a bossa nova são atuais. Recentemente, também tivemos o Stevie Wonder cantando para uma multidão no Rock in Rio e a juventude acompanhando. Foi mais um exemplo de como este gênero musical e a canção projetaram o Brasil e influenciaram gerações”, opina o produtor Leonardo Conde, idealizador do projeto "A caminho do mar", que pretende comemorar o cinquentenário do clássico de Tom e Vinicius.
A iniciativa, que já teve parte dos recursos aprovada pela Lei Rouanet e agora está em busca de patrocínio, prevê uma série de shows, que serão realizados ao longo do ano, passando por cidades como Belo Horizonte, Rio, São Paulo e Brasília. “Independentemente de ser o idealizador desse projeto, ele tem importância fundamental para nossa cultura e história. Temos que valorizar este momento, as coisas bacanas que o Brasil tem. O significado e a importância que Garota de Ipanema alcançaram impressionam. Ela abriu as portas da música brasileira para o mundo conhecer a nossa língua, a nossa cultura”, reforça Conde.
A ideia é convidar precursores da bossa nova para as apresentações, que estão previstas para começar em setembro. Entre os artistas que devem participar estão Roberto Menescal, Wanda Sá, Carlos Lyra, Leny Andrade e Pery Ribeiro – o primeiro a gravar Garota de Ipanema. O filho de Dalva de Oliveira e Herivelto Martins lembra que Tom, Vinicius, João Gilberto, Os Cariocas, Milton Banana (bateria) e Otávio Bailly (baixo) faziam uma temporada numa casa no Rio de Janeiro, chamada Au Bon Gourmet.
O primeiro dia da garota
Tom, em começo de carreira, comentou que ia cantar uma música que tinha acabado de compor e brincou: “Cadê o papel com a letra, Vinicius?”. Era Garota de Ipanema. “Na hora fiquei alucinado com aquela melodia, a letra. Me impactou de imediato. Era maravilhoso. No dia seguinte voltei lá com o Carlinhos Lyra e levei um gravador, porque eu queria muito registrar aquilo”, recorda Pery.
O cantor finalizava seu disco Pery é todo bossa, que estava praticamente pronto. Mostrou a canção para o maestro Lírio Panicalli, que também se encantou com a composição, e a gravaram. Quando o disco foi para a rua, foi um estrondoso sucesso.
“A música era completamente diferente de tudo o que já tinha ouvido na vida. Essa coisa inusitada e harmônica que o Tom construiu. Mas fiquei sabendo que fui o primeiro a gravá-la há pouco tempo. É uma honra e uma glória para mim. Poderia ter sido qualquer um, mas fui eu. Quando Deus determina, não tem jeito”, comenta Pery Ribeiro, que costuma ser chamado pela imprensa norte-americana de “The guy from Ipanema”.
Ao vivo
Quem também deve fazer parte do projeto "A caminho do mar", que celebra os 50 anos da canção Garota de Ipanema, é o grupo vocal Os Cariocas, que está na estrada há quase 70 anos. Se Pery foi o primeiro a gravar a música em estúdio, o conjunto liderado por Severino Filho foi o primeiro a cantá-la ao vivo, justamente durante as apresentações de Tom Jobim e Vinicius de Moraes no Au Bon Gourmet, em 1962.
“Essa temporada foi ótima. Foram 45 dias em cartaz, algo que nem existe mais hoje. Gostei de cara da música, assim como 99% das coisas que o Tom fez. Ele e o Vinicius davam os acordes e a gente entrava cantando. É uma composição que faz parte do nosso repertório desde o começo, assim como Ela é carioca e Samba do avião. E é impressionante como essa batida da bossa ficou tão característica e tão brasileira”, comenta o cantor e pianista, prestes a completar 84 anos.
Musa surpreendida
Considerada a musa inspiradora da canção, Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto, então uma adolescente de 17 anos, que diariamente passava a caminho do mar de Ipanema, ficou conhecida mundialmente assim como a música que a projetou.
Hoje, aos 66 anos, e ainda esbanjando a beleza que encantou a dupla Tom e Vinicius, Helô Pinheiro acredita que o segredo do sucesso da composição é que ela só pode ter sido abençoada por Deus. “O Tom acabou se tornando meu padrinho de casamento junto com a primeira esposa dele, a Teresa. Ele costumava dizer que era minha galinha de ovos de ouro. Fiquei lisonjeada com a música, mas nunca me subiu à cabeça, pois na vida o que importa é o respeito ao próximo. E nesta escola me formei e sei o quanto é importante”, filosofa a “famosa garota”.
Helô só foi saber que tinha inspirado a canção três anos depois de ela ter ficado pronta, em 1965. A musa foi revelada durante uma reportagem da revista Manchete, com texto de Vinicius de Moraes contando quem era a verdadeira Garota de Ipanema. “Foi nessa época que o conheci e fiquei surpresa e lisonjeada”, lembra Helô Pinheiro.
A musa conta que já está participando de eventos celebrando os 50 anos da música, inclusive fora do país, como ocorreu recentemente em Miami, onde foi realizado um jantar. “Semana passada dei entrevista para a TV coreana e para a BBC. Tem que comemorar mesmo. Bodas de ouro de uma época de ouro”, festeja.
Existe até mesmo um Dia da Garota de Ipanema, que é comemorado em 11 de maio, em Miami, nos EUA. Em 2003, durante um show do cantor Pery Ribeiro na cidade, o cantor convidou Helô Pinheiro para subir ao palco para que o público a conhecesse. “Quando ela entrou as pessoas ficaram loucas de tão empolgadas com sua beleza. Ficaram imaginando que a Garota de Ipanema seria uma velha, decadente, já que tinham se passado muitos anos. Ficaram embasbacados com a Helô, que estava deslumbrante. O prefeito de Miami nos deu a chave da cidade e instituiu o Dia da Garota de Ipanema.”
Casamento perfeito
O que fez de Garota de Ipanema um fenômeno ao longo de 50 anos e a transformou em uma espécie de cartão de visitas do Brasil no exterior? O professor titular do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), o músico e compositor Luiz Tatit, defende que é complicado definir objetivamente as razões que levam alguma obra de arte a ter sucesso, mas analisa a maneira como Garota de Ipanema foi criada para tentar decifrar a chave desse triunfo. “Há uma compatibilidade entre letra e música muito grande”, propõe, para em seguida esquadrinhar a canção.
“Na primeira parte há uma conjunção entre o sujeito e o objeto do desejo, no caso a garota. Já na segunda, que a gente tem o alongamento das vogais (“ahhhhhh por que estou tão sozinho…”) é o contrário. Há uma distância entre o sujeito e o objeto. Por isso que as canções românticas costumam ser mais lentas, o sujeito falando de alguém que foi embora. Então há uma coisa na primeira parte, de proximidade, e a solidão entra na segunda”, teoriza.
Tatit, no entanto, lembra que não significa que outras composições que utilizam o mesmo recurso também vão fazer um sucesso retumbante, já que diversas questões devem ser levadas em consideração. “Os fatores extramusicais, a época em que ela foi feita, quem a gravou e a projetou, tudo isso também tem que ser levado em conta. Mas é sem dúvida uma música muito benfeita: é curta, fala do que tem que falar, é simples e a letra casou muito bem com a melodia. Foi um achado”, ressalta o professor e compositor, que foi um dos fundadores do grupo Rumo.
Histórias da Garota
» Quando foi composta, a música tinha outra letra e os seguintes versos: “Vinha cansado de tudo/ De tantos caminhos/ Tão sem poesia/ Tão sem passarinhos/ Com medo da vida/ Com medo de amar/Quando na tarde vazia/ Tão linda no espaço/Eu vi a menina/Que vinha num passo/Cheio de balanço/ Caminho do mar”. Mas os compositores não gostaram da primeira versão e ela acabou ganhando a letra com a qual é conhecida mundialmente.
» O Arpoador ganhou, em 1978, o Parque Garota de Ipanema, que tem 25 mil metros quadrados e localização privilegiada. Durante um bom tempo, o espaço que foi palco de shows de bossa nova ficou abandonado pelo poder público. Porém, recentemente foi adotado pelo Instituto E, do empresário Oscar Metsavath, e é um dos roteiros da bossa nova no Rio de Janeiro, como lembra o escritor Ruy Castro, no seu livro Rio Bossa Nova: um roteiro lítero-musical.
» Garota de Ipanema é o nome do antigo Bar Veloso, onde a canção foi composta, e da loja de biquínis, cangas e moda verão de Helô Pinheiro. Botequim e butique ficam na Rua Vinicius de Moraes. Poucos metros à frente, fica a Toca de Vinícius, paraíso de livros e discos ligados à bossa nova.
Com informações do Divirta-se.