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Sem-tetos resistem há uma semana no centro de São Paulo

As duzentas e trinta famílias aguardam atendimento da Prefeitura de São Paulo na calçada do cruzamento da Ipiranga com São João. Em nota, a Secretaria Municipal de Habitação disse que a “Justiça entendeu que a prefeitura tem obrigação de conceder abrigo às famílias e incluí-las nos programas habitacionais, mas que é preciso respeitar a ordem de atendimento habitacional”.

Taciane Galvão da Silva está grávida de cinco meses e há 4 dias não tem se sentido bem por causa de uma bomba de efeito moral que explodiu perto de onde estava deitada no acampamento formado por sem teto na calçada da Avenida São João, no centro da capital paulista. Para piorar a situação, no meio da confusão um Guarda Civil a atingiu com spray de pimenta. “Depois disso, comecei a ter febre, diarréia, fraqueza e nada do que eu comia parava no meu estômago. Senti muita dor, não conseguia nem me mexer”, conta a jovem.

As agressões contra Taciane aconteceram no último domingo (5) durante uma tentativa da Guarda Civil Metropolitana (GCM) de desmontar um acampamento formado pelas 230 famílias despejadas na quinta-feira (2) do prédio 628 da avenida São João.

De acordo com o coordenador da Frente de Luta por Moradia (FLM), Osmar Borges, cerca de 300 homens da GCM fecharam o quarteirão “e, de forma muito truculenta, iniciaram um processo de agressão às famílias com spray de pimenta e bombas de efeito moral”.

“Não deixaram a gente tirar as nossas crianças. Machuquei a mão tentando defender a minha filha, para não baterem nela com cacetete”, conta Iolanda Nascimento Ferreira. Segundo ela, os guardas agrediram os sem teto que impediam a aproximação às crianças no momento do confronto. “A intenção deles era o Conselho [Tutelar] pegar as crianças para forçar os pais a tomar uma decisão”, alega.

Essa foi a terceira tentativa da administração pública de retirar as famílias acampadas desde a reintegração de posse do prédio. Antes, na sexta-feira (3), pela manhã os Guardas Civis recolheram as madeiras usadas pelos sem teto para formar barracos e, à noite, tentaram negociar o fim do acampamento.

Condições precárias

Sob lonas e enfrentando dias de muito calor e fortes tempestades as famílias aguardam há uma semana o atendimento da Prefeitura de São Paulo. “Nós temos muitos problemas com as crianças e com as mulheres que passam mal por causa da exposição ao tempo”, conta Borges.

O coordenador da FLM relata que os sem teto não tem para onde ir e pedem que a prefeitura providencie, primeiramente, um alojamento provisório para que todos possam aguardar juntos uma solução definitiva. Outra saída, conforme Borges, seria a concessão do bolsa aluguel até que fossem providenciadas moradias para as famílias. “Seria uma forma de amenizar o impacto no bolso das pessoas que estão aqui, porque o salário que ganham é insuficiente para pagar o aluguel”, enfatiza.

Taciane afirma que se juntou ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) justamente porque não tinha condições de pagar o aluguel e alimentar seus filhos. “Não adianta eu pagar um aluguel e não ter o dinheiro para comprar o leite e nem a comida dos meus filhos e eles passarem fome”, pondera.

A mesma situação é vivida por Iolanda, que veio de Pernambuco com três filhos em busca de melhores condições de vida e acabou se deparando com a falta de moradia. “Eu vim em busca de uma vida melhor, cheguei aqui e me encontrei nessa situação”, descreve.

As duas contam que na ocupação do prédio da Avenida São João havia uma organização que garantia condições mínimas de sobrevivência. Agora, com a desocupação promovida pela prefeitura, todos passam por dificuldades na rua.

Logo após a reintegração de posse, assistentes sociais da administração municipal estiveram no local e ofereceram às famílias o encaminhamento para abrigos e albergues públicos. No entanto, os sem teto não aceitaram, pois, segundo eles, isto resultaria na separação das famílias. “As condições aqui estão precárias, mas é melhor do que a gente ir para um abrigo e separarem os nossos filhos da gente”, afirma Iolanda.

O Ministério Público havia conseguido uma liminar que obrigava a prefeitura a prestar assistência às famílias e providenciar moradias definitivas. No entanto, a administração municipal recorreu e conseguiu a autorização do desembargador José Maria Câmara Junior, da 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, para alojar as famílias em abrigos e albergues municipais.

De acordo com o coordenador da FLM, os sem teto somente aceitarão o encaminhamento para um local onde possam aguardar juntos pelas moradias definitivas. “Não vamos aceitar o albergue, porque vai separar as famílias”, ressalta.

Direito à moradia

A administração de Gilberto Kassab (PSD) alegou, logo após a reintegração de posse, que não poderia privilegiar os sem teto que ocuparam há três meses o prédio abandonado, sendo que há um milhão de pessoas cadastradas para programas habitacionais, “mas nem por isso ocuparam imóveis particulares”.

Borges explica que a reinvindicação dos sem teto é que lhes seja garantido o direito à moradia digna pelo poder público. “Há recursos do Minha Casa Minha Vida e dos governos estadual e municipal que podem podem transformar os prédios abandonados em moradia popular para as famílias de baixa renda”, defende o coordenador da FLM.

Segundo o promotor Maurício Antonio Ribeiro Lopes, do Ministério Público de São Paulo, a prefeitura se comprometeu, nesta quinta-feira (9), a dar uma solução para o impasse “em brevíssimo tempo”. “Recebi essa informação da prefeitura de São Paulo e estou aguardando. Eles mostraram boa vontade em resolver esse problema com urgência”, disse.

Borges, no entanto, se mostra cético quanto às promessas da prefeitura. “A gente imagina que pensam que as pessoas que estão aqui tem para onde ir, e talvez queiram vencer a gente pelo cansaço”, avalia.

Segundo ele, na terça-feira (07), um representante da prefeitura esteve no local e se comprometeu a agendar uma reunião entre os sem-teto e membros das Secretarias Municipais que deveriam prestar assistência às famílias. “Ele falou que iria marcar uma reunião com uma comissão para discutir o impasse do acampamento. Mas ainda não houve ninguém que viesse para informar o horário da reunião ou se eles têm alguma proposta”, conta.

Ocupações

O prédio da Avenida São João estava abandonado há cinco anos e foi ocupado no dia 6 de novembro. De acordo com Borges, a maior parte das famílias veio de outras ocupações despejadas pela prefeitura de São Paulo. “A saída que encontraram foi ocupar o prédio da esquina da Avenida São João para poder viver, nem que fosse temporariamente, até encontrar uma solução”, relata.

A ocupação do imóvel se deu em conjunto com mais 9 ações do MTST. O coordenador da FLM afirma que ainda há seis prédios ocupados por sem teto no centro de São Paulo. Nesta quinta-feira (9), mais um imóvel sofreu reintegração de posse. Das 128 famílias que viviam no prédio da Rua Conselheiro Nébias e foram despejadas pela administração municipal, 75 se juntaram ao acampamento da Avenida São João.

Conforme o promotor Maurício Antonio Ribeiro Lopes, a solução prometida pela prefeitura inclui também as famílias que ocupavam o imóvel da Conselheiro Nébias. O promotor disse esperar que todos recebam atendimento até, no máximo, a próxima segunda-feira (13).

Fonte: Brasil de Fato