Adeus, Pinheirinho: restam só ruínas e um cemitério de lembranças

"Acabou o Pinheirinho, entendeu? Isso aqui é propriedade privada, entendeu?" O segurança dirige-se a três homens que saíam do terreno de 1,3 milhão de metros quadrados, que já foi um bairro pobre de São José dos Campos, com casas, bares, igrejas, jardins e ruas, hoje desfeito em escombros.

Revistados, os três levavam abacates, abundantes ali. "Isso é furto, entendeu?", discursa o segurança, mão direita sobre o cinto da calça, onde prendia o spray de pimenta. "Na próxima, levo vocês para o DP, entendeu?"

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Acabou mesmo o Pinheirinho. Famílias foram expulsas de suas casas no dia 22 de janeiro, em uma ação de reintegração de posse. Na sexta-feira, homens instalavam mourões para cercar a área. "A partir de amanhã, ninguém entra aqui sem autorização", disse um dos seguranças.

Resgate dos bichos

Veriane Araújo, 26, veterinária, entrou pela última vez no Pinheirinho. Estava com cinco mulheres, que trabalhavam no resgate de animais deixados para trás.

"Dezoito dias depois daquela guerra, os gatos e cachorros estão esfomeados, assustados, desidratados, mas ainda esperam por seus donos, em cima dos escombros das casas em que viviam", afirma Veriane.

O grupo de voluntárias andou por todo o terreno e encontrou dezenas de animais mortos. "Os donos saíram corridos, muitos deixaram seus animais trancados em casa, para evitar que se perdessem. Quando as retroescavadeiras entraram, derrubando tudo, três dias depois, soterraram os bichos".

Um dos 150 animais resgatados foi um cãozinho recém-nascido, localizado enquanto tentava mamar na mãe morta. "Ele não resistiu", lamenta Veriane.

Garimpo no terrreno

Soterrados também foram livros, roupas, bonecas, brinquedos, camas, documentos, discos, geladeiras, fotos, bordados. Anda-se pelo terreno tropeçando em lembranças.

Como as do menino Ricardo Rodrigues Susine Junior, que em 2011 era aluno da professora Geni, da 4ª série A. Num envelope plástico, Ricardo guardava o presente de aniversário que sua classe lhe deu ao completar 10 anos.

Era um caderno preenchido com desenhos de seus colegas e um poema da professora, "sua amiga para sempre". Estava jogado no chão.

Toda a contabilidade da Igreja Pentecostal de Jesus, com suas paredes coloridas, aparecia junto a discos em vinil de Angela Maria, Ray Charles e de obras do compositor russo M. Mussorgsky. A vitrola também estava lá. O braço, no entanto, se perdeu.

Cortina de crochê

No abrigo providenciado pela prefeitura no Centro Esportivo do Jardim Morumbi, a cearense Josefa Gonçalves Diniz, 75, borda uma flor no pano de prato. Segundo a amiga, deitada no colchão ao lado, a casa dela no Pinheirinho "era linda". "Tudo ali era caprichado. Tinha geladeira, máquina de lavar, jardim, pomar e horta."

Josefa perdeu tudo Ðas retroescavadeiras chegaram antes que ela juntasse dinheiro para contratar um caminhão de mudança (os fornecidos pela prefeitura atenderam a poucas famílias).

"Sonho todos os dias com as minhas coisinhas. A cortina de crochê, as toalhas bordadas, a máquina de costura, os dois cachorros, os três gatos, os patos, as galinhas. Cada detalhe eu vejo no meu sonho", diz, chorando.

Piquenique

"Está ótimo aqui", surpreende Tiago, 6. Desde o último dia 25, o garoto inquieto e que não para de chutar o pé da repórter enquanto dá entrevista, é um dos ex-moradores do Pinheirinho abrigado em um alojamento da prefeitura.

Na última quinta-feira à tarde, contavam-se 38 crianças no local. "Para elas, é tudo uma farra", diz a avó de Tiago, Maria Idalina Mendes, 48. "Tem de dormir no chão da quadra de bocha? Vira acampamento. A comida distribuída é sem gosto? Eles fazem piquenique com biscoitos que o pessoal traz."

E tem circo. Zaquiel, 2, Guilherme, 3, e Breno, 5, correm atrás de uma palhaça que, desde o dia da reintegração, passa os dias ali, como voluntária, divertindo as crianças.
Milena, 9, está em um grupo com outras quatro meninas, fazendo pinturas.

Parquinho já havia no Centro Esportivo. Os moradores improvisaram uma sala de brinquedos e até um Playstation apareceu, doado.

Fonte: Folha de S.Paulo