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Dia mundial de combate ao racismo: movimento aponta desafios

Para lembrar a morte de 69 jovens no dia 21 de março de 1960, em Joanesburgo, capital da África do Sul, que ficou conhecido como o Massacre de Shaperville, e marcar a luta contra o preconceito racial no mundo, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu este como Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.

Cerca de 20 mil pessoas saíram às ruas para protestar contra a Lei do Passe, que obrigava a população negra a portar um cartão com os locais por onde era permitida sua circulação. Apesar de tratar-se de uma manifestação pacífica, a polícia do regime de apartheid abriu fogo contra a multidão, resultando em 69 mortos e 186 feridos.

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Passados 52 anos do massacre na África do Sul, antigos exilados e presos políticos que se tornaram heróis da pátria já assumiram o comando do país. Atualmente, o país africano trabalha pela reconciliação e para existência de uma nação multirracial.

“Agora, o desafio é promover o desenvolvimento econômico dos países africanos, a luta contra desigualdade e contra a pobreza. Sob a inspiração da luta contra o apartheid, nenhum estado nacional na atualidade tem leis oficialmente racistas ou segregacionistas”, ressaltou Edson França, presidente da União de Negros pela Igualdade (Unegro).

No Brasil, o historiador e militante do movimento negro lembra que as conquistas de negros e negras são fruto da mobilização da sociedade civil desde a década de 1970, quando ganharam as ruas e integraram organizações partidárias para denunciar o racismo e a opressão sofrida.

“O movimento negro é o principal protagonista da luta pela emancipação da população negra. Há alguns anos, durante o governo Lula, os movimentos conquistaram uma secretaria nacional de políticas de promoção da igualdade racial, a Seppir. Daqui pra frente, é preciso organizar as demandas, apresentar propostas que se constituam em reais soluções aos problemas apresentados, acompanhar a implantação e avaliar os impactos das políticas”, avaliou Edson, que lamenta a baixa representação negra nas casas legislativas.

A entidade fez um levantamento sobre a representação negra no legislativo brasileiro, que constatou a existência de apenas 43 deputados federais auto-declarados negros. Ou seja, 8,4% do total de 513 parlamentares, num país onde o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou mais de 50% da população auto-declarada negra ou parda.

Segundo a Unegro, existem sete Estados sem negros em suas Assembleias Legislativas. São eles: Paraíba, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Amazonas e Mato Grosso do Sul.

Em um comunicado divulgado nesta quarta-feira (21), para lembrar os 9 anos da Seppir, a ministra Luiza Bairros ressaltou a importância do engajamento político.

"Daí a importância do engajamento partidário que, no processo eleitoral, poderá fazer avançar o cumprimento do Estatuto, essencial à democracia e à superação das desigualdades raciais – o núcleo mais resistente das nossas desigualdades”, declarou Luiza Barros, referindo-se ao fato de que a eleição deste ano será a primeira depois da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei 12.288, em julho de 2010.

Para comemorar os nove anos da secretaria, um debate aconteceu durante a tarde, que abordou o tema "O Estatuto da Igualdade Racial e as Eleições Municipais". Um show também está programado para o início da noite.

Exemplos contemporâneos

Um exemplo de mobilização recente contra o preconceito é o Núcleo de Consciência Negra, que há 25 anos atua em um barracão dentro da Universidade de São Paulo (USP) promovendo atividades sobre o tema como cursos, palestras, oficinas e debates, além de atrações culturais.

Há alguns meses, o local vem sendo alvo de pressões da reitoria da Cidade Universitária que iniciou uma campanha para a retirada da entidade do local. A reitoria nega na grande mídia que seja preconceito e afirma que a decisão é parte de uma reorganização do campus, no Butantã. O Vermelho já entrou em contato com a reitoria em diversas ocasiões e nunca obteve retorno.

Para permanecer dentro do campus, a instituição fez uma série de exigências ao Núcleo, que anteriormente utilizava o nome da USP em sua razão social e precisou retirar para cumprir com as exigências.

“Depois de muito tempo insistindo com a reitoria, conseguimos realizar uma reunião hoje (21). A comissão que representa a reitoria disse que vai avaliar as modificações realizadas. Esperamos dar um fim a essa questão o quanto antes e avançar nas conversas para firmar um convênio entre o núcleo e a USP para a realização de nossas atividades”, explicou ao Vermelho Leandro Salvático, coordenador do Núcleo de Consciência Negra.

Na sexta-feira (23), acontece a Festa-ato de Resistência Contra a Demolição do Barracão. A partir das 16h, serão realizadas oficinas de expressão visual, com o cartunista Latuff e fanzineiros Stefano e Daniel, e oficina de grafite.

A partir das 18h, está marcado o seminário A Resistência Negra no Brasil com a participação de Milton Barbosa, um dos protagonistas do Movimento Negro Unificado; de Wilson Honório, do Pinheirinho (São José dos Campos), de Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, do movimento de moradia; dos professores da USP Maria José Menezes, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), e Dennis de Oliveira, da Escola de Comunicação e Arte.

Leandro reconhece os avanços do movimento negro, mas reforça que para continuar avançando é preciso manter as mobilizações e estar sempre atento para os acontecimentos.

“A luta está avançando. Mas ainda é preciso empenho e muita luta para garantir condições iguais de acesso às universidades, aos cargos públicos, na sociedade de maneira geral. Aqui dentro (da universidade) o preconceito existente fora dos muros se reflete”, completou Leandro.

Discriminação é notícia constante

Muitos casos recentes podem ilustrar a presença da discriminação racial no Brasil. Sábado (17), o ajudante de caminhoneiro Ivan Romano, 43 anos, foi espancado por dois rapazes em uma praça no município paulista de Embu das Artes. “Disseram que iam me matar. Eles falavam: 'Agora nós vamos te matar, seu negro, macaco’. Pisavam na minha cabeça e falavam: ‘Agora, macaco, você vai morrer'”, lembrou Romano, que só foi salvo porque sua namorada, Natália Gonçalves, 46, chamou a polícia, que chegou a tempo. Câmeras instaladas no local registraram o crime.

Outro exemplo, de 2011, aconteceu com a estudante Ester Elisa da Silva Cesário, 19 anos, que foi forçada por superiores a alisar o cabelo para manter “boa aparência” quando trabalhava no Colégio Internacional Anhembi Morumbi, em São Paulo. Ela registrou boletim de ocorrência (BO) em 24 de novembro, na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) e recentemente declarou que está tendo difiiculdade para encontrar trabalho.

De São Paulo
Deborah Moreira, com agências