O pacote é uma nova versão do Plano Brasil Maior, diz economista
“O pacote contém importantes medidas para o fortalecimento da indústria nacional, porém faltou atrelar tais ações aos interesses dos trabalhadores”. Esta é a opinião do assessor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), da Subseção da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos da Força Sindical (CNTM), Roberto Anacleto, ao analisar o conjunto de medidas lançado pelo governo na última terça-feira (3).
Da Redação do Vermelho, Joanne Mota
Publicado 09/04/2012 11:59
Em entrevista ao Vermelho, o economista explicou que as medidas podem ser entendidas como “uma segunda versão do programa Brasil Maior”. Segundo ele, muitos “países desenvolvidos já adotaram medidas similares para superar momentos de fragilidade econômica”.
Ele informou que o Dieese realizará um debate junto com o movimento sindical para adotar uma posição e avaliar o andamento das medidas.
Acompanhe a entrevista:
Vermelho: O governo acaba de lançar um pacote que visa a aquecer o setor industrial. Qual sua avaliação?
Roberto Anacleto: O pacote contém importantes medidas para o fortalecimento da indústria nacional, porém faltou atrelar tais ações aos interesses dos trabalhadores.
Ele aparenta ser uma segunda versão do Plano Brasil Maior com medidas de defesa comercial através da concessão de subsídios a indústria. Outros países desenvolvidos já adotaram medidas como esta em períodos de fragilidade econômica.
Estas medidas devem ser compreendidas como alternativas de curto prazo. É preciso debater e implantar medidas sistêmicas que contribuam com o desenvolvimento econômico sustentável de nosso país através da diversificação de investimentos em setores estratégicos da economia. O pacote também contribui para a construção de um ambiente otimista e poderá auxiliar o setor empresarial a decidir por investimentos produtivos.
Vermelho: Uma das medidas é a desoneração da folha de pagamento. O que isso realmente significa?
RA: A desoneração da folha de pagamento deverá contribuir para a eliminação da contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de pagamento. A cobrança será substituída por taxa de 1% a 2,5% sobre o faturamento. Como a medida só valerá a partir de junho, a desoneração em 2012 pode chegar a R$ 3,1 bilhões.
Os setores que serão desonerados são: têxtil, confecções, couro e calçados, móveis, plásticos, materiais elétricos, autopeças, ônibus, naval, bens de capital (máquinas e equipamentos), mecânica, hotéis, tecnologia da informação, call center e "design house".
Para desonerar a folha de pagamento de 15 setores o governo vai realizar uma renúncia fiscal (deixar de arrecadar) que pode chegar a R$ 7,2 bilhões por ano. Ou seja, de forma indireta o governo está injetando este valor nas empresas destes setores, com o objetivo de que estes setores possam no mínimo crescer o suficiente para ampliar o PIB do país, a oferta de emprego e a produção de bens e serviços de alto valor agregado.
Cabe reforçar que o trabalhador assalariado é altamente tributado e nada foi discutido ou proposto no sentido de reduzir a carga tributária para os trabalhadores. Segundo dados da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), os contribuintes brasileiros já pagaram, desde o início do ano de 2012, R$ 400 bilhões em impostos municipais, estaduais e federais. Em comparação com o mesmo período de 2011 o recolhimento de impostos cresceu 7% em 12 meses.
Vermelho: Quais as perspectivas para os próximos meses?
RA: É muito difícil estimar de forma mais precisa quais serão as perspectivas futuras a partir das ações anunciadas pela presidente nesta semana. O sucesso destas ações depende muito de um esforço coletivo e de condições ligadas à economia internacional.
Mas com certeza o fato de o governo demonstrar que está buscando alternativas e discutindo as mesmas com importantes atores econômicos é bem visto por todos e nos deixa um pouco mais confiantes diante de um cenário de crise internacional. Porém, ainda é muito cedo para se fazer uma análise, como as medidas foram lançadas recentemente faremos no Dieese um debate junto com o movimento sindical para este se posicione de forma mais qualitativa.
Vermelho: Muito se fala sobre o processo de desindustrialização em curso. Quando isso começou? Quais os principais fatores?
RA: Em estudo recente divulgado pelo Dieese podemos observar que a desindustrialização não significa, necessariamente, algo danoso e que eventualmente vá empobrecer determinada sociedade. Depende das circunstâncias em que ocorrem, países industrializados assistiram, nas três últimas décadas, uma enorme expansão do setor de serviços, que exigiu uso intensivo de mão de obra e alto grau de especialização (empregos de qualidade).
A desindustrialização torna-se um problema quando ocorre em circunstâncias que ameaçam o crescimento da economia e a diminuição da qualidade de vida da população.
A indústria de transformação apresenta uma participação média no PIB Nacional de cerca de 11%, entre 1947 e 1949, atinge um máximo de 27,2% em meados da década de 1980. A partir daí, a participação se reduz para um patamar compreendido entre 15,0% e 16,0%, de 1997 a 2010.
Algumas questões são apontadas como responsáveis pela desindustrialização, entre elas:
• Excessiva valorização cambial;
• Altas taxas de juros;
• Estrutura tributária ineficiente;
• Problemas de infraestrutura;
• Excesso de burocracia;
• Grande vantagem comparativa na produção de bens primários;
• Acumulação insuficiente de poupança;
• Educação formal insuficiente e baixa qualificação da mão de obra;
A discussão sobre um eventual processo de desindustrialização está sendo amplamente debatido por vários atores econômicos porem ainda é preciso debater melhor o assunto e analisar as possíveis causas e soluções para o combate ao processo de desindustrialização.
O tema é polêmico e divergente para muitos especialistas e acadêmicos, há posições ambíguas e diferentes interesses sobre o tema. É preciso compreender quais são os interesses de cada ator social sobre o discurso da desindustrialização.
Vermelho: O movimento sindical diz que as medidas propostas pelo governo são mais do mesmo. O que isso significa?
RA: Creio que as propostas apresentadas pelos trabalhadores não foram contempladas em sua grande parte. Espera-se que com a composição dos Conselhos de Competitividade as propostas dos trabalhadores possam ser debatidas e melhor aproveitadas pelo Governo durante a construção de políticas de fortalecimento do processo de crescimento econômico.
É preciso que o trabalhador também tenha direito a receber sua parte, pois contribui ora na produção e ora no consumo, para que o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresça.
Portal Vermelho: Sobre a política macroeconômica, esse pacote resolve esta questão?
RA: Não. É preciso atentar a outros problemas que afetam o crescimento econômico do país. Temos que ter a coragem de enfrentar problemas como a educação básica de baixa qualidade, melhorar nossa infraestrutura (de logística, energia, serviços, etc.), reduzir a corrupção e principalmente melhorar a distribuição de renda, que ainda continua muito desigual.
Outra importante bandeira a ser defendida é a criação de empresas inovadoras e de alta tecnologia, pois também precisamos ampliar nossas exportações de bens e serviços de alto valor agregado, chega de exportar apenas commodities.