Sem categoria

Raul: o início, o fim e o meio

Novo documentário de Walter Carvalho, Raul: o início, o fim e o meio, já passou de 100 mil expectadores, desde a estreia no dia 23 de março.

Raul Seixas

“Existem artistas que vieram ao mundo com brevidade, predestinação. Raul Seixas viveu para sua obra, era um tipo de artista que não existe mais. A maioria do que surge hoje é fabricado. Agora se escolhe um modelo e coloca alguém lá”, diz o diretor.

A trajetória do músico baiano de Salvador, que morreu de pancreatite aguda, em 1989, aos 45 anos, e arrasta uma legião de fãs até hoje foi resgatada em 50 entrevistas presentes no longa-metragem. Os números brutos da pesquisa são ainda mais poderosos: 94 depoimentos e 400 horas de material coletados.

Em entrevista ao jornalista Lucas Salgado, do portal Adoro Cinema, Walter Carvalho tem o que dizer “o que me interessa na figura do Raul seria objeto de um seminário. Você tem um compositor, um artista de palco. Tem um tipo de artista que não existe mais. Na época do Raul, que é a mesma do Caetano Veloso e do Chico Buarque, o artista é que era o mercado. Hoje ele é criado pelo mercado. Você coloca um modelito e é vendido com um viés mercadológico”, destacou Walter, que completou: "Nem todos duram tanto." Ele lembrou também que Raul surgiu num momento único no Brasil, que coincide com o nascimento da Bossa Nova, do Cinema Novo e do teatro de Zé Celso.

E relacionou a arte de Raul Seixas com a contracultura americana, registrada logo no início do filme com imagens do clássico Sem Destino (Easy Rider, em inglês). Carvalho explicou um pouco a opção: “O Raul não vem só, ele vem com a contracultura, que é um movimento que surgiu com o beatnik nos Estados Unidos e que tem como primeiro pontapé, na área do cinema, o Easy Rider. Não é a toa que eu começo o filme com a cena dos motoqueiros no deserto da Califórnia.” Walter Carvalho deve ter sido uma das últimas pessoas a obterem autorização para usar imagens de Easy Rider antes da morte do ator e diretor americano Dennis Hopper.

Walter Carvalho contou que 30% do orçamento do filme – o que dá cerca de R$ 750 mil – foram gastos na aquisição de direitos de imagens. Ele lamentou não ter encontrado registro da apresentação de Raul no Festival da Canção de 1972, quando surgiu com o hit “Let me Sing”. “Se eu encontrar, vendo meu carro, compro os direitos e insiro a música no filme”, brincou.

Walter afirmou que o trabalho de colher os depoimentos é uma luta corporal feita pela produção, consistindo em inúmeros contatos via carta, e-mail e telefone. Ele disse que levaram meses para convencer Paulo Coelho a dar uma entrevista para o longa. A produção teve muito problemas para se adequar à movimentada agenda do escritor.

A sorte dos realizadores foi que Coelho viu um programa especial da Globonews sobre Raul, em que Sylvio Passos (presidente do Raul Rock Club) elogiava a produção de Raul – O Início, o Fim e o Meio. Após isso, o próprio autor procurou o produtor Denis Feijão para agendar uma entrevista.

Morte de Raul

O cineasta surpreendeu ao dizer que, para ele, Raul teria morrido de amor. "O Raul morreu por amor. O Raul morreu de uma paixão louca pela Edith", destacou Walter, fazendo menção à primeira esposa do músico. O longa mostra várias mulheres da vida de Seixas e Edith é a única que se recusou a dar depoimento. Por isso, a afirmação soou surpreendente. Mas o diretor fez questão de frisar que a diferença de Edith para as outras foi que ela se encantou pelo Raul da Bahia, enquanto que as demais já conheceram o astro do rock.

Um capítulo controverso com relação ao falecimento do ícone da música brasileira foi a série de 50 shows que Raul fez com Marcelo Nova. Muitos apontam que as apresentações ajudaram a apressar a morte dele, mas outros – como mostra o filme – também defendem que estas, na verdade, colaboraram para mantê-lo vivo por mais tempo.

“Ele fez 50 shows sem faltar a nenhum e morreu no primeiro final de semana sem show, o que é bem simbólico. Não posso afirmar categoricamente que, se ele tivesse continuado, ele não teria morrido. Como também não posso dizer que ele teria morrido antes. Ninguém sabe”, afirmou.

Walter Carvalho lembrou ainda de outros ícones que faleceram cedo. “O processo do Raul foi como o de Glauber Rocha, Torquato Neto, Jimi Hendrix, Janis Joplin. São pessoas, artistas, que vieram ao mundo com brevidade. São pessoas que vieram ao mundo para ter uma passagem meteórica e deixar uma obra. É uma predestinação, não sei. São características de alguns artistas que abreviam as suas vidas. O Raul é uma pessoa viveu para sua obra e morreu por ela.”

Walter Carvalho: 88 filmes em 41 anos

O diretor Walter Carvalho é um veterano no cinema brasileiro, onde começou muito jovem, em 1971, como assistente de direção no filme dirigido por seu irmão Wladimir Carvalho, O País de São Saruê, um clássico que ficou inacessível durante anos devido à censura imposta pela ditadura militar.
Além de Raul – O Início, o Fim e o Meio, agora lançado, ele dirigiu ou participou da direção ou da produção de 88 filmes entre 1971 e 2012, entre eles Budapest (diretor, 2009); Chega de saudade (diretor de fotografia, 2007), Entreatos — Lula a 30 dias do poder (diretor de fotografia, 2004 ), Cazuza – O tempo não para (codiretor 2004), Glauber o Filme, Labirinto do Brasil (diretor de fotografia, 2003), Carandiru (diretor de fotografia, 2003), Amarelo Manga (diretor de fotografia, 2003), Abril Despedaçado (diretor de fotografia, 2001), Madame Satã (diretor de fotografia, 2001), Lavoura Arcaica (diretor de fotografia, 2001),Villa-Lobos – Uma Vida de Paixão (cineasta, 2000), Central do Brasil (cineasta, 1998), João Cândido, um Almirante Negro (cineasta, 1987), Quilombo (operador de câmera, 1984), Sargento Getúlio (cineasta, 1983), Antônio Conselheiro e a Guerra dos Pelados (cineasta, 1977), O País de São Saruê (assistente de direção1971).

Com Adoro Cinema e Direto da Redação