Ato relembra 40 anos da Guerrilha do Araguaia
Com a presença de cerca de 200 pessoas foi realizado no sábado, dia 14 de abril, ato politico relembrando a Guerrilha do Araguaia que, em 2012, completou 40 anos. Participaram da solenidade representantes do Governo Federal, militantes de entidades de direitos humanos, parlamentares e familiares das vitimas. Na ocasião, foi lançada a segunda edição do livro "Guerrilha do Araguaia – A esquerda em Armas"
Publicado 17/04/2012 15:13 | Editado 04/03/2020 17:17
Sábado, 14 de abril de 2012. A data que lembrou os 40 anos da Guerrilha do Araguaia ficou marcada por uma emocionante homenagem aos que tombaram, mas principalmente por um importante ato em defesa da busca pelos mortos e desaparecidos da ditadura militar e da justiça contra os que cometeram os assassinatos e ocultações. No mesmo evento, foi feito o lançamento da segunda edição do livro "Guerrilha do Araguaia – a esquerda em armas", do historiador Romualdo Pessoa Campos Filho.
Realizada no Memorial da Resistência – sediado no antigo Deops, no centro da capital paulista – a atividade reuniu mais de 200 pessoas. As exposições foram feitas pelo secretário nacional de Justiça e presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão Pires Jr., pelo procurador da República em Ribeirão Preto e membro do Grupo Direito à Memória e à Verdade do MPF, Andrey Borges Mendonça, e pelo professor Campos Filho.
“Temos muito orgulho de sermos de esquerda, de termos nos insurgido. O que a esquerda fez naqueles tempos não é motivo de vergonha, mas de muito orgulho”, disse Ivan Seixas, do Núcleo de Preservação da Memória Política, na abertura dos trabalhos. “Aquelas pessoas que estiveram presas, que foram torturadas, como Dilma Rousseff e tantos outros, estão aí, contribuindo para melhorar o Brasil. E que contribuição deram aqueles que prenderam, que mataram?”, questionou.
Logo após a exibição de um breve vídeo em que todos os mais de 60 guerrilheiros foram lembrados, Romualdo Pessoa Campos Filho falou sobre o seu livro. Emocionado, dedicou a obra – cuja primeira edição foi lançada em 1997 – à sua filha Ana Carolina, vítima de leucemia em 2007 aos dez anos.
Ao relatar a trajetória que o levou a escrever o livro, lembrou que o impulso principal era a necessidade de contribuir para que a Guerrilha do Araguaia fosse inserida na história brasileira. “E este episódio ainda é uma história inacabada”, disse, em referência às muitas informações ainda não tornadas públicas sobre o ataque das Forças Armadas e o paradeiro dos corpos. Até hoje, apenas dois militantes, Maria Lúcia Petit e Bergson Gurjão Farias, tiveram seus restos mortais encontrados, identificados e sepultados.
Campos Filho recordou que o movimento de resistência “foi dizimado devido à grande truculência usada pelos agentes”. E lamentou que “muitas pessoas que viveram aquele período ignorem a Guerrilha ou desqualifiquem aqueles que deram sua vida pela democracia partindo de uma análise anacrônica dos fatos”.
Baseado especialmente na narrativa dos camponeses que testemunharam as ações da ditadura, o livro de Campos Filho é um importante documento de resgate histórico sob a óptica do povo mais simples da região do Araguaia, condenado ao sofrimento e à miséria por ter ajudado os comunistas. “Muita gente desinformada diz que os camponeses contam histórias para poderem receber indenização. Mas, vou à região desde 1992, quando iniciei minha pesquisa, e já naquele momento eles contavam o que viram, mesmo sem nenhuma perspectiva de reparação”.
Por fim, disse que contar essa história era um compromisso “com os camponeses, com os familiares que lutam até hoje para descobrir a verdade e com a nossa história. A história se constrói com fatos concretos. Pode-se esconder a verdade por um tempo, mas não para sempre”.
Resquícios autoritários em tempos democráticos
O procurador Andrey Mendonça abriu sua exposição dizendo que “a democracia brasileira tem muito mais enclaves do autoritarismo do que podemos imaginar. Um exemplo é o desinteresse de boa parte da população pelas lutas políticas e sociais. Isso foi construído na ditadura porque quem tem acesso à informação, quem sabe, não se deixa enganar”. Segundo ele, “não se imputa às Forças Armadas a responsabilidade que tiveram [nos crimes cometidos]. A cultura da impunidade ainda é muito forte”. Como herança do período, citou também o alto grau de militarização das políticas de segurança pública e as constantes violações aos direitos humanos.
De acordo com o procurador, superar essa herança depende de uma depuração, que deve ser feita a partir da justiça de transição. Ele citou como principais alicerces desse processo a busca da verdade; a reparação não apenas econômica, mas também simbólica; a reforma da justiça e do Código Penal e a justiça. “Por mais de 30 anos, o MP não fez nada, o judiciário não fez nada”, denunciou.
Mendonça explicou que a decisão do STF sobre a validade da Lei da Anistia não é incompatível com a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil pelas mortes no Araguaia. “O país deve cumprir a sentença”, declarou. “Enquanto os corpos não forem encontrados, continua sendo cometido o crime de sequestro. Os parentes das vítimas têm o direito de enterrar seus corpos. Ninguém pode privá-los disso”.
O Estado pedindo perdão
Ao longo de sua gestão à frente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Júnior teve uma difícil, porém nobre missão: pedir perdão, em nome do Estado brasileiro, aos que foram perseguidos, presos e torturados pelos agentes da ditadura. Depois de tantas sessões da Caravana da Anistia, ele avalia que o julgamento que concedeu reparação aos camponeses do Araguaia – cuja audiência foi realizada em praça pública na cidade de São Domingos do Araguaia (PA) em 18 de junho de 2009, diante de dezenas de pessoas – foi o mais emblemático de todos. “A Guerrilha do Araguaia é um patrimônio da sociedade brasileira”, enfatizou.
Pires Júnior lembrou que em muitos momentos o pagamento das indenizações foi menosprezado. “A reparação é um dos pilares da justiça de transição; não é nenhum demérito, mas tentaram transformá-lo numa espécie de ‘cala-boca’. Pelos processos de reparação, as vítimas tiveram visibilidade e a sociedade pôde conhecer melhor sua própria história”. De acordo com Pires Júnior, esta é uma ferramenta importante para “se enfrentar o negacionismo, o esquecimento”.
Ele salientou que assim foi possível desmascarar “a falácia da ‘ditabranda’, como se uma ditadura fosse medida pelo tamanho da pilha de corpos que faz e não pelos traumas que causa por anos e anos na sociedade”.
O secretário de Justiça lembrou ainda que é preciso reformular o conceito do brasileiro como homem cordial. “Há uma tarefa histórica nova: lutar para que os antropólogos descrevam os brasileiros como homem resistente”.
Segundo ele, nesse processo de resgate histórico, é necessário ainda “superar a falsa concepção de que é preciso abrir mão da justiça para se alcançar a verdade. Ambas são faces de uma mesma moeda”. Ele também aposta no que chamou de circularidade dos mecanismos, em que a reparação leva à verdade e a descoberta da verdade também leva a um maior número de reparações.
Para Paulo Abrão Pires Júnior, depois de a sociedade ter conquistado e efetivado a democracia, está na hora de buscar a concretização de um terceiro momento: o aprofundamento das relações democráticas, o que não pode ser feito sem que se conheça de fato o passado. “Ainda há muita exclusão, nossa elite ainda é colonizada. Mas, surgem novos atores sociais: a juventude está indo às ruas em nome dessa bandeira”. Portanto, concluiu, “a luta dos guerrilheiros ainda está viva”.
Homenagens
O ato foi finalizado com uma homenagem aos que lutam e lutaram pela democracia: José Moraes Silva (o Zé da Onça), presidente da Associação dos Torturados do Araguaia, representando a resistência dos camponeses; José Dalmo Ribeiro Ribas, irmão do guerrilheiro Antonio Guilherme Ribeiro Ribas, representando a luta dos familiares pela verdade e a justiça e Andrey Mendonça, por denunciar na Justiça Federal de Marabá o coronel da reserva do Exército, Sebastião Curió Rodrigues de Moura pelo crime de sequestro qualificado de cinco pessoas na Guerrilha do Araguaia.
Durante a entrega das placas de homenagem, o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, lembrou que a exemplo da Comuna de Paris, que Karl Marx classificou como “assalto aos céus”, a Guerrilha foi “um ato de audácia na busca por um novo mundo. Agora, temos de aprofundar a conquista democrática, ir além, como nossa juventude está fazendo”.
Presente ao ato, o vereador Jamil Murad – que se tornou militante comunista em 1968 através de Dalmo Ribas – disse que “o futuro da nação depende da sua juventude. E os guerrilheiros, a maioria jovens, deu exemplos inesquecíveis de luta abnegada por uma pátria livre, soberana, justa e democrática. Mais dia, menos dia, esse novo país será conquistado”.
Segundo o historiador Augusto Buonicore, da direção da Fundação Maurício Grabois, uma das promotoras do ato, “eventos como este contribuem para levar, especialmente para a juventude, a importância de se resgatar a nossa história de resistência, de luta, contra a ditadura. Depois de quase 40 anos da Guerrilha e 48 anos do golpe, a juventude retoma as ruas para pedir justiça e o direito à verdade”.
Estiveram também presentes ao ato Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois, uma das promotoras do evento; Zezinho do Araguaia, um dos guerrilheiros; o assessor do Ministério da Defesa, José Genoíno; Clara Charf, viúva de Carlos Marighela; os presidentes estadual e municipal do PCdoB, Nádia Campeão e Wander Geraldo; o secretário sindical do PCdoB, Nivaldo Santana; o secretário especial de Articulação da Copa em São Paulo, Gilmar Tadeu Ribeiro Alves e o membro da Comissão de Anistia, Egmar José de Oliveira, entre outros.
Fonte:
www.fmauriciograbois.org.br