Argentina: Renacionalização da YPF, dor e desafio

A ponto de se converter em lei, a iniciativa do Executivo argentino para renacionalizar a empresa de petróleo YPF marca o início do caminho – acertado, ainda que difícil – para a recuperação da soberania nacional.

Por Moisés Pérez Mok*, na Prensa Latina

Trata-se de um caminho "difícil e cheio de obstáculos, mas que há que ser assumido e percorrido com muita força e esperança", avaliou o Prêmio Nobel da Paz e presidente do Serviço Paz e Justiça da Argentina, Adolfo Pérez Esquivel.

A YPF teve sua etapa de esplendor e orgulho nacional, e que hoje é apenas uma lembrança, e o governo atual deve ultrapassar o pesado fardo que deixa a irresponsabilidade da Repsol, acrescentou Pérez Esquivel em um comunicado difundido aqui sob o título de "YPF: A dor do que foi e o desafio do que é".

O texto pede apoio nesta decisão da presidenta Cristina Fernández, que – sustenta – teve a coragem e a decisão política de assumir esta reivindicação popular de anos e cujo governo enfrentará uma situação similar à originada pela nacionalização, anos atrás, das Aerolinhas Argentinas.

A falta de investimentos; o desabastecimento; os custos e as dívidas; os ativos e passivos que a Repsol deixa são enormes e é necessário ter muita serenidade para tornar a empresa rentável novamente, sublinha o Prêmio Nobel.

Adverte, no entanto, que o petróleo "não é a única matéria pendente na recuperação da soberania nacional".

"Não estou falando dos nacionalismos anacrônicos. O governo deve atuar, antes que seja tarde, sobre as empresas mineiras, que ficam com 97% do extraído, com uma simples declaração juramentada, e a venda do território nacional".

Similar percepção foi também exposta em meados da semana passada, quando em uma extensa sessão especial de mais de 15 horas de duração o Senado argentino concedeu, por abrumadora maioria de 63 votos a favor, três contrários e quatro abstenções, meia sanção ao projeto de lei do Executivo.

A expropriação de 51% das ações da espanhola Repsol na YPF Argentina é só o início e não a solução do problema energético no país, sustentou então o senador Gerardo Morais, da oposicionista União Cívica Radical.

Na sua opinião, o governo carece de uma política a médio e longo prazo para o setor, como consequência da qual decresceram não apenas a produção, em 18%, senão também as reservas de petróleo (6%) e gás (41%) entre os anos 2003 e 2011.

O tema energético na Argentina supera amplamente a YPF, que maneja apenas 30% do mercado de gás e combustível, manifestou por sua vez o deputado Jaime Linares, da Frente Ampla Progressista.

Nestes anos, considerou, faltou planejamento de médio e longo prazo e todas as ações empreendidas foram apenas para acompanhar o importante crescimento econômico registrado. Não se construiu uma só refinaria e isso nos obrigará a continuar importando gasolina, acrescentou.

Segundo Linares, a recuperação de YPF e do rumo "do qual nunca poderíamos ter nos perdido" é só uma das ferramentas para tratar de resolver o problema energético; algo que – na sua opinião – demanda a aprovação de uma nova Lei de Petróleo e um marco jurídico para o setor que corrija o vigente.

Estas duas últimas reivindicações foram compartilhadas por vários dos mais de 60 oradores que participaram da discussão e alguns dos quais pediram também que dos 49% das ações estatais que se distribuirão entre as províncias participem todas e não só as petroleiras, como prevê o projeto de lei.

Por sua parte, o senador Aníbal Fernández, da Frente Para a Vitória, respondeu às críticas formuladas com relação ao desempenho do setor energético e afirmou que o que foi feito pelo governo neste âmbito é "monumental".

De 2003 até hoje se investiram mais de US$ 20 bilhões para incorporar mais de sete mil megawatts ao sistema elétrico nacional e atualmente executam-se investimentos de mais de US$ 15 bilhões que permitirão somar outros 3.130 mw, pontuou.

Também foram completados 2.353 quilômetros de gasodutos e há outros 2 mil em execução, tudo isso permitiu acompanhar o crescimento médio anual de 7,7% registrado pela economia do país, disse.

Fernández antecipou também sua convicção de que em 2013 a Argentina não precisará importar combustível e agregou que para 2015 a dependência do petróleo na matriz energética do país será de 69,8%, quando em 2003 era de 91%.

Deputados: última palavra

A iniciativa enviada no último dia 16 de abril ao Congresso pela presidente Cristina Fernández, declarando de interesse público e como objetivo prioritário do Estado o lucro do autoabastecimento de petróleo, será discutida a partir da próxima quarta-feira na Câmera de Deputados, que deverá convertê-la em lei.

Meios de comunicação locais consideram que mais de 200 dos 257 legisladores da Câmera Baixa votarão a favor do projeto, que também declara de interesse público a exploração, industrialização e comercialização destes recursos, a fim de garantir o desenvolvimento econômico com igualdade social.

No entanto, além da proposta de maioria aprovada por um plenário de comissões, chegarão a esse parlamento outras três iniciativas da minoria apresentados pela Frente Peronista (respaldado por sete assinaturas), o PRO (5) e a Coalizão Cívica, subscrito unicamente por sua líder, Elisa Carrió.

De qualquer modo, é de esperar uma intensa discussão de cada um dos capítulos, em particular os referidos à participação das províncias, a fim de garantir plenamente seu caráter federal.

Nesse sentido, a principal referência do Movimento Projeto Sur, Fernando "Pino" Solanas, afirmou que apenas as dez que têm o domínio do recurso devem ser acionistas.

Durante mais de 70 anos, argumentou, as 14 províncias que não têm petróleo financiaram o desenvolvimento de YPF e a exploração, descoberta e exploração de todos suas jazidas.

Além disso, em seu território moram 85% dos consumidores do país e estão instaladas as principais refinarias e indústrias de petróleo, acrescentou.

Solanas defendeu também que se exproprie a totalidade das ações de YPF e não apenas 51% de Repsol, para desse modo evitar o ulterior "desembarque de grupos privados e capitais estrangeiros no interior da companhia".

O Projeto Sur defende também a proibição das exportações de petróleo e combustíveis para reduzir as importações, até que se reconstruam as reservas, e por um estrito controle público da produção.

Nós – definiu – exigimos uma YPF 100% pública, com controle social e que seja administrada com ética e transparência, porque "é um erro grosseiro não passar a foice em todos em que podemos passar".

A decisão do Executivo argentino de voltar a tomar o controle estatal sobre YPF responde à necessidade de recuperar o domínio de recursos que, segundo a própria presidente, não só são estratégicos, senão vitais.

Como consequência do mau desempenho da Repsol, entre 2001 e 2011 as reservas de combustível no país se reduziram em 50%, enquanto a baixa produção obrigou a Argentina a se converter em 2011, pela primeira vez, em importador líquido de gás e petróleo.

Prosseguindo esta política de esvaziamento, de não produção nem exploração, nos tornaríamos em um país inviável, não por falta de recursos, senão como resultado de más políticas empresariais, advertiu Cristina Fernández.

Fonte: Prensa Latina