Um debate pelo bem viver: marxismo e meio ambiente

Uma aula de desenvolvimento e sustentabilidade. Assim foi o “Debate Marxismo, Meio Ambiente e Amazônia", promovido pela Fundação Maurício Grabois na Cúpula dos Povos, neste domingo (17). O encontro dos movimentos sociais acontece até o dia 23 no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, e atraiu neste dia milhares de pessoas ao local. Os lançamentos editoriais foram feitos momentos antes do debate.

Especialistas sobre o assunto deram uma base para as discussões que tomaram boa parte da atividade. Pelo menos 10 pessoas se inscreveram e contribuíram com o debate sobre o futuro do bem viver que queremos.

A vice-presidenta do PCdoB, a deputada Luciana Santos, abriu o encontro saudando os presentes na Tenda Milton Santos. Em sua fala, ressaltou a importância da discussão sobre as responsabilidades das cidades, que concentram 21% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e são responsáveis por grande parte dos impactos negativos sobre o meio ambiente por conta do agravamento das emissões de gás carbônico a partir da falta de uma política de mobilidade urbana, priorizando transporte individual (carro), somado à falta de controle e regulamentação sobre os meios de produção do capital. Com isso, emitem 12% de gases de efeito estufa no planeta.

“O problema das cidades precisa ser tratado com ênfase. Este, de fato, é sem dúvida um dos maiores desafios com relação ao meio ambiente”, afirmou a vice-presidenta do Partido, que foi secretária de Meio Ambiente em Pernambuco.

Ela lembrou a condição singular do Brasil que detém 12% da reserva de água doce do planeta e 75% da biodiversidade restante no mundo. “Temos a maior diversidade de biomas e com isso diferentes matrizes energéticas. E aí está um ponto de interesse. Em qualquer modelo de produção capitalista, nas cadeias produtivas locais, é a matriz energética que vai impactar em nossos biomas. E a maior vítima é a caatinga do semiárido brasileiro”, lembrou a deputada comunista, reforçando que 45% da matriz energética brasileira é de fonte renovável.

Luciana Santos também lembrou da posição de comprometimento do governo brasileiro, em Copenhague (COP15), em 2009, em contribuir com o fundo para o meio ambiente (para reduzir o efeito estufa, a pobreza e preservar o meio ambiente), passando a ser um sujeito atuante no cenário internacional, deixando, portanto, de ser subjugado pelos países desenvolvidos que impuseram a lógica do “eu (países desenvolvidos) poluo e vocês (países em desenvolvimento) limpam”.

“Mas há uma disputa histórica que não é revelada pelos meios de comunicação hegemônicos. São as disputas comerciais de interesses econômicos que estão por trás dessa sendeira. Precisamos ter mecanismos arrojados ambientais porque temos condições para isso, mas também não entrar nessa tentativa de colocar o Brasil numa posição de defensiva ou de não estarmos cumprindo nossas obrigações ambientais”, finalizou a vice-presidenta do PCdoB, apontando o novo Código Florestal Brasileiro e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) como exemplos da capacidade do país nesse tema.

Marxismo

Para a formação da plateia de cerca de 200 pessoas, José Carlos Ruy, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas e Defesa do Meio Ambiente (INMA) do PCdoB e jornalista da redação do Vermelho, fez uma explanação sobre a raiz do debate que, para ele, é fundamental por ter uma dimensão a mais para os comunistas. Ruy lembrou que há uma grande resistência por parte dos ambientalistas ao pensamento marxista, que é visto como produtivista.

“Tal pensamento não é correto. Quando temos uma aproximação inicial do pensamento de Marx, vemos que tem uma profunda avaliação crítica do sistema capitalista. Mas também tem uma profunda condenação fundamentada às agressões ao meio ambiente causadas pelo modo de produção capitalista.

“A forma como a produção social está organizada, como a distribuição do produto é feita e beneficia de forma diferente cada parte da sociedade, essa forma condiciona as relações do ser humano com o meio ambiente. A forma de conduzir e distribuir a produção condiciona nossa relação com o meio ambiente”, esclareceu o dirigente comunista.

Para a teoria marxista, o homem é um ser que faz parte da natureza e isso pode ser constatado nos registros históricos das sociedades tribais, anteriores às sociedades capitalistas, quando as relações eram mais diretas com a natureza – o homem caçava ou pescava seu alimento, produzia suas ferramentas, etc.

“O capitalismo transforma a força de trabalho em mercadoria. Ao transformar a força de trabalho em mercadoria permite a mercantilização do trabalho. Esse é o primeiro passo para entender a situação atual da humanidade”, ponderou o especialista em meio ambiente.

Ruy completou que ao transformar a força de trabalho do homem em mercadoria, abre um precedente para que os bens naturais também sejam transformados em mercadoria. E tal mercantilização não se dá em benefício coletivo, mas sim para quem detém o capital. Para ele, é o capitalismo o maior vilão e principal responsável pela separação do homem e da natureza, dando uma falsa impressão de que o homem vive fora da natureza e, portanto, é o principal poluidor. Esse rompimento está no modo de produção capitalista.

“Para compreender melhor, é preciso ter em mente dois pontos fundamentais: a alienação do trabalhador em relação a seu produto, que não passa a ser mais uma produção dele, mas do capital e a transformação da terra, das águas, ou seja, dos bens naturais em mercadoria que permite a apropriação privada dos bens naturais. Ao contrário de outras formas de organização, o capitalismo é o que mais separa o homem da natureza”, afirmou José Carlos Ruy, que aposta que se conseguir superar o capitalismo e implantar uma sociedade nova, é possível superar essas questões.

Durante a atividade, ficou explicitado que não é possível pensar em saúde ambiental de um lugar onde a economia está organizada para gerar lucros. Portanto, é imprescindível colocar as necessidades humanas no centro para, então, refletir o que está em seu entorno: poluição causada pela indústria, pelo trânsito, também na destinação dos lixos, etc.

Debate é ideológico

O secretário de Produção Rural do Amazonas, o engenheiro agrônomo Eron Bezerra, acrescentou ao debate a premissa de que o debate em torno das questões ambientais tem fundo ideológico.“É preciso entender esse pano de fundo”.

“Quero começar fazendo uma provocação, se esse debate ambiental tivesse uma preocupação de natureza ecológica não haveria uma regra diferente para tratar a Mata Atlântica, que pode desmatar 80% da área, e outra para a Amazônia, que pode desmatar 20%. Além disso, organizações como o Greenpeace queriam propagar a ideia de que as queimadas da floresta amazônica eram a principal responsável pela emissão de gás carbônico. Só que a verdade é que a floresta é responsável pelo sequestro de 200 milhões de gás carbônico. Ou seja, em qualquer cálculo que possa ser feito, o resultado é que ela colabora para o equilibro do planeta”, detalhou Bezerra.

Autor do livro “Amazônia esse mundo à parte”, Eron citou sua ideia sobre as teorias que se apresentam, sendo três grupos que polemizam essa questão: os produtivistas, que afirmam que os recursos são infinitos, o que não é verdade já que se sabe que tudo que nasce, morre; os chamados santuaristas, que defendem que os recursos são finitos, e que não se pode mais explorá-los. Um dos grandes defensores dessa teoria foi o demógrafo inglês Thomas Malthus, que defendia, no século 19, o controle rigoroso da natalidade, principalmente para pobres que não poderiam consumir os recursos dos ricos.

“Em reação a isso, surge a teoria que sustentamos que é o sustentabilismo. Quer dizer, vamos acabar com o delírio, tudo provoca impacto. Vamos usar os materiais de maneira racional para que possamos continuar crescendo, preservando para ter amanhã e depois”, afirmou Eron Bezerra.

A luta política

Para lembrar os porquês do debate ambiental presente na vida das pessoas, o secretário nacional do PCdoB de Meio Ambiente, Aldo Arantes, frisou as consequências na saúde, na economia, na educação, entre outros pontos. No entanto, a busca dos países imperialistas pelos recursos naturais, com objetivo de fortalecer o capital, transformam essa disputa em uma luta acirrada.

Arantes observou o papel de algumas organizações não governamentais que acabam incorporando o discurso santuarista em defesa dos países desenvolvidos. Essa visão ganhou muito terreno principalmente em grupos mais sensíveis como jovens e algumas categorias de trabalhadores, em um período em que a esquerda se manteve afastada do tema.

A luta pela preservação da natureza passou a ganhar peso nos partidos de esquerda quando percebeu-se a importância em contrapor os ideais capitalistas principalmente no campo ambiental.

“Por conta disso, decidimos aprofundar a questão e chegamos a um consenso de que não é possível absolutizá-las. A teoria marxista afirma que é preciso dar tratamento diferenciado para as questões”, explicou Aldo Arantes.

O secretário de Meio Ambiente lembrou, ainda, que a concepção de desenvolvimento sustentável na sua origem está relacionada com o tripé: sustentabilidade econômica, social e ambiental.

“Estamos em um momento de transição que se traduz no projeto nacional de desenvolvimento ou reformas estruturais como a reforma agrária, a urbana, enfim, um conjunto que incorpore o meio ambiente como fator estruturante para o desenvolvimento”, completou Arantes.

O secretário de Meio Ambiente participou dos Diálogos Sociais da Rio+20, no sábado (16), juntamente com um grupo de organizações e ambientalistas de diversos países.

Deborah Moreira, para o Vermelho, do Rio de Janeiro