Ubiracy Matildes: "Não somos mais coitadinhas"

Há exatos 20 anos, cerca de setenta mulheres negras de diferentes países do mundo se reuniram na República Dominicana e realizaram o I Encontro das Mulheres Negras da América Latina e do Caribe. De lá, surgiu a ideia de instituir um dia específico para a mulher negra, com o objetivo de dar mais visibilidade a ela. Assim, o 25 de julho foi escolhido como data em que se lembra dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha.

Em se tratando do Brasil, no entanto, não há muitos motivos para comemoração. Números fornecidos pelo IBGE (Instituto de Geografia e Estatística) revelam que 28,19% das mulheres negras de 15 anos ou mais não sabem ler ou escrever (entre as brancas o índice é de 9,9%); metade das mulheres pretas (54,1%) e pardas (60%) trabalha sem carteira assinada, logo, sem direito a benefícios (entre as brancas o percentual é de 44%).

Nesta quarta-feira (25/7), o Vermelho Bahia entrevistou a coordenadora nacional do Fórum de Mulheres Negras e coordenadora da UNEGRO (União de Negros pela Igualdade), Ubiraci Matildes, a Bira, que fala da situação e do papel da mulher negra na sociedade, além de defender formas de enfrentamento do racismo. Confira:

O 25 de julho

É um dia de grande celebração e de visibilidade das mulheres negras afro-latino-caribenhas por entender aquela conjuntura onde se deu aquela discussão [que instituiu o dia]. Nós também tivemos a oportunidade de estar dando visibilidade, em toda a América Latina, da problemática que passa a mulher negra, no que diz respeito à ocupação de espaço e de poder. Nesse sentido, a fundação desse dia se deu a partir de uma discussão e uma grande rebelião das próprias mulheres negras por entender que o dia 8 de março, apenas, não dá conta dessa visibilidade.

O 8 de março

As mulheres negras são preteridas do dia 8 de março porque o movimento feminista, tradicionalmente, foi freqüentado, elaborado e contemplado pelas mulheres brancas. Desde o seu primórdio, na década de 70, as mulheres brancas sempre foram as protagonistas da luta das mulheres; as mulheres negras foram preteridas desse processo. Nós precisamos, enquanto comunistas, fazer a sociedade entender a importância do dia 25 de julho, como ela entende o 8 de março, que é comemorado por homens, mulheres, brancos e negros e toda a sociedade, no mundo todo.


Trabalho

Para a mulher [do Movimento Feminista] ir ao mercado de trabalho e também ocupar instância de poder, ela tinha que deixar em sua casa uma outra mulher, que sempre foram as mulheres negras, empregadas domésticas que, até hoje, correspondem a 70% da mão-de-obra feminina no mercado informal de trabalho. Há uma desqualificação da mão-de-obra negra, o que não é diferente após a escravidão. O Estado brasileiro, último a terminar com a escravidão, manteve a mão-de-obra negra ainda subjugada no mercado de trabalho. Nós enfrentamos o século XXI com as mulheres negras ganhando menos do que o salário mínimo nacional (R$ 622,00).

Poder

Estamos no momento de eleição, temos que votar em mulheres negras para valorizar a mão-de-obra feminina a partir da política, campo que define a vida das pessoas. É no parlamento, é ocupando cargo executivo no município, que a gente define a questão da creche, a questão do aumento de salário dos professores, da saúde. Então, nós precisamos ocupar. É esse apelo que a gente faz. A estética é importante, mas mais importante é cuidar do conteúdo teórico e também ideológico de cada pessoa.


Racismo

O racismo não é só um problema das mulheres negras e dos jovens negros, é um problema da sociedade. É um dos sustentáculos do capitalismo, por isso que eu penso que essa responsabilidade é de todos nós. Eu quero chamar as mulheres brancas e as mulheres negras para que a gente possa enveredar por uma fileira de fortalecimento e de visibilidade do dia 25 de julho.

Mensagem

Nós precisamos valorizar a nossa imagem, fazer de nós uma imagem positiva para a sociedade. Não considerando o significado da subjetividade que é feita com as mulheres negras no mercado de trabalho, por exemplo, quando exige boa aparência e a gente tem que superar isso. Essa é a mensagem de otimismo. Nós não somos mais coitadinhas, nós temos informação. Agora, nós temos que buscar essa informação e ocupar o espaço do poder.

Em Salvador, várias atividades marcam o Dia da Mulher Negra Latino-anericana e Caribenha. Às 14h, a Semur (Secretaria Municipal de Reparação) homenageia personalidades negras femininas, na Câmara de Vereadores. Às 17h, acontece o I Encontro de Mulheres Negras de Salvador, no SESC Aquidabã.

De Salvador,
Erikson Walla