Líbano está na boca do vulcão; Síria, em situação delicada

O jornalista, membro do Partido Comunista Libanês e candidato a vereador pelo PCdoB em São Paulo, Kháled Mahassen, deu uma entrevista exclusiva ao Vermelho com base em informações que recebe diretamente da zona de conflito na Síria e Líbano.

Por Christiane Marcondes

Conheça aqui suas avaliações políticas e pessoais sobre o desdobramento da grave situação, que envolve genocídio de civis e ameaças terroristas de ataque nuclear por parte de Israel.

Vermelho: Em declarações neste domingo (5), Israel ameaçou atacar preventivamente a Síria e o Irã. Como você vê essa atitude: quais as motivações que ela tem e quais as repercussões possíveis? Uma guerra mundial?

Kháled Mahassen: Não acredito numa guerra mundial. O mundo não suportaria, tendo em vista as armas nucleares espalhadas em vários pontos do mundo. Quanto às ameaças israelenses, este país não tem moral para atacar alguém, especialmente após a derrota sofrida em 2006 numa guerra contra o Partido de Deus (Hezbolá, em árabe) no sul do Líbano. Além disso, se Israel tivesse certeza da vitória, já teria atacado. O Imame Ali disse que há três tipos de homens: um fala e faz, um fala e não faz e um faz e não fala. Um ataque de Israel ao Irã é pouco provável, o país está longe para deslocar seus aviões, só se usar as bases estadunidenses em Bahrein, Qatar ou outro país do Golfo, isso causaria uma guerra na região e não somente entre Israel e Irã. E quem paga para ver o resultado?

Vermelho: Há notícias de soldados infiltrados ingleses, via Jordânia, na zona dos enfrentamentos. Quantas outras nações estão diretamente envolvidas nos enfrentamentos em solo e/ou envolvidos no desenvolvimento de uma estratégia que aniquile a soberania do país? Contra quem, em outras palavras, a Síria está lutando?

KM: A Síria é um país na mira dos Estados Unidos e seus aliados. É o único país árabe que vem atrapalhando o plano estadunidense de novo oriente médio, e o único país árabe que incomoda Israel, portanto, no ponto de visto dos Estados Unidos, este governo deveria cair e ser substituído por um governo aliado a eles. A Síria está lutando (indiretamente) contra os Estados Unidos e Otan, e contra os governos árabes como Arábia Saudita e Qatar. Por quê? Podemos dizer que o conflito transformou-se em conflito regional ou até internacional; por um lado, existem milhares de combatentes salafistas vindos de vários países árabes e islâmicos, e por outro lado, a posição iraniana está clara e não permitirá a queda do regime. (Isso significa a participação dos seus aliados do Líbano na batalha, e isso já está claro para todos).

Vermelho: Os EUA alegam que é uma guerra “humanitária”, a favor dos cidadãos, em declarações como essa: “A administração Obama, em ligação com Londres, Paris, Telavive e o quartel-general da Otan em Bruxelas, está contemplando várias "opções de intervenções" militares contra a Síria, incluindo a realização de operações navais e aéreas em apoio às forças rebeldes de “oposição” sobre o terreno”. Que nome você dá a essa guerra e como ela ameaça ou não a própria humanidade?

KM: É engraçado como a questão humanitária tem dois pesos e duas medidas. No Bahrein, por exemplo, onde o escudo do golfo aniquilou (e, claro, com a ajuda das bases americanas no Bahrein) o levante popular contra o regime totalitário e repressor o peso é um. Então temos o povo xiita de Bahrein, que representa 70% ou mais da população sem nem um direito, por que os Estados Unidos não questionam os direitos humanos neste país? No Iêmen há direitos humanos? Esse argumento americano é falido, destruíram o Iraque e mataram milhares de pessoas, o mesmo fizeram no Afeganistão, e recentemente milhares de civis e crianças morreram na Líbia sob os ataques da OTAN. A guerra humanitária deles nada mais é que o interesse imperialista pela região que ataca. Essa guerra que anunciam é uma invasão e agressão à soberania Síria e ao povo sírio. Tenho certeza de que, se eles atacarem a Síria, teremos muitas vidas perdidas e muitos mutilados sem assistência e muitas viúvas além de milhares de órfãos. Se isso acontecer será uma ameaça não somente à Síria, mas, sim, a todos os países do mundo.

Vermelho: A China reiterou neste sábado (4) a necessidade de se continuar trabalhando para resolver por vias políticas a crise na Síria, reafirmando sua posição de rejeitar uma solução imposta do exterior e o apoio ao direito desse povo em decidir seu futuro. Você acredita que apoios como esse, ou da Rússia, podem reverter a situação? Por quê?

KM: Não acreditamos que esta concentração bélica possa controlar a situação e impedir o conflito. Especialmente porque a questão para as grandes potencias está na seguinte equação: acabou-se a ordem internacional única que surgiu após a queda da União Soviética. E hoje começaram a se unificar novas forças e novos blocos, como o BRICS além do tratado militar de Xangai entre Rússia, China e outros países da antiga União soviética. Isso significa, que essa dualidade precisa se materializar no terreno através de redivisão do mundo e seus mercados. Enquanto os Estados Unidos tentam minimizar suas perdas durante suas guerras no Golfo, Afeganistão, Líbia, Sudão, e África em geral, a Rússia e a China tentam retomar o que perderam, e obrigar Washington a reconhecê-las como um lado principal na luta. Esta queda de braço que desencadeia guerras em todo mundo lembra-nos a etapa que antecedeu a primeira guerra mundial. O jornal libanês, Assafir, publicou matéria sobre a visita do vice chanceler russo Bogdanov, à região oeste do Curdistão e, em seu encontro com o líder curdo, ouviu dele que foi criada a autogestão para compensar a ausência do Estado sírio na região e isso vai acabar quando as coisas se acalmarem. Não há intenções separatistas e eles estão trabalhando no âmbito do Estado sírio. Não irão causar qualquer tensão entre os países da região. O curdo percebe que esse apoio do outro bloco pode reverter a situação.

Vermelho: Os meios de comunicação sírios destacam neste sábado (4) o caráter arbitrário e enganoso de uma resolução aprovada na véspera na Assembleia Geral das Nações Unidas. Segundo eles, “a resolução é histérica e enganosa, violando todos os princípios de legalidade internacional, principalmente de respeito à soberania nacional e a não ingerência nos assuntos internos dos países", disse o representante permanente da Síria na ONU, Bashar al-Jaafari. Por outro lado, a alegada falta de ações mais efetivas do Conselho de Segurança da ONU contra a Síria acabou levando à renúncia o enviado especial Kofi Annan na semana passada. Isso também levou à intensificação das batalhas entre rebeldes e tropas do governo tanto em Aleppo como também em Damasco. Na capital, jatos lançaram bombas durante todo o domingo. Tropas levantaram ofensiva contra o último bastião rebelde, segundo um morador de Alepo. Como você avalia a saída de Annan, a intervenção da ONU e o arrefecimento dos EUA na luta, com cada vez mais parceiros?

KM: Annan, quando era secretário geral da ONU, já não era confiável, não tinha credibilidade nem poder. Não foi na gestão dele que Bush invadiu o Iraque? Pois bem, a missão dele na síria era favorecer a oposição externa e não mediar o diálogo entre o governo e os rebeldes. A saída dele não faz diferença. A intervenção regional e a internacionalização da crise pelos Estados Unidos, que declararam através da sua embaixatriz, na ONU, que a intervenção acontecerá sem o aval do organismo, levando em consideração o veto russo – chinês, isso significa que Washington recorrerá à Turquia, que colocou sua tropa em alerta (em especial seus foguetes). E talvez recorra também a Israel e OTAN, e este é o motivo que levou a Rússia a alertar sobre qualquer ataque a sua base em Tartus, e também o que motivou o deslocamento dos navios militares chineses, que já cruzaram o Canal do Suez com destino à Síria.

Vermelho: Síria arrasta o Líbano. O Líbano afunda a cada dia em uma insegurança geral, arrastado pelo caos na Síria que ultrapassa a fronteira. Repetidos sequestros, múltiplas incursões sírias causando a morte de cidadãos libaneses e o disseminado uso de armas entre a população são alguns dos indicadores da deterioração das instituições públicas deste país. Como você vê essa circunstância?

KM: Sobre a situação do Líbano, o país está sob a influência síria e tememos que continue a gravidade nas duas regiões sunitas, Trípoli e Sidon (além da tentativa de envolver os palestinos nisso). Os ataques verbais constantes contra o exercito libanês pelo Tayar Al moustakabl, no norte pode ser dispositivo para explodir a situação no Líbano. Ao mesmo tempo e em paralelo ao movimento sunita, há o movimento de Hezbolá e seus amigos em várias regiões, por isso, e com o agravamento da situação na Síria, tememos uma movimentação interna para explodir a situação, e os dois lados tanto oito quanto catorze de março estão preparados para isso, o que facilita o ressurgimento do papel israelense após a desordem geral interna.

Vermelho: Opinião agora bem pessoal: de dentro para fora, com informações adicionais que você recebe, o que está ocorrendo na Síria e Líbano? Como intervir nos fatos?

KM: Na verdade o Líbano está na boca de um vulcão. A crise na Síria tornou-se incontornável. Isso significa que, mesmo que o governo sírio ganhe a atual guerra, saírá com grande prejuízo, pois, destruiu o país para não abrir mão de alguns ganhos sociopolíticos. E transformou a luta numa luta sectária, e essa vez, diferente da época da destruição de Hama. Podemos dizer que, o que acontece na Síria é uma guerra civil, que levará àquilo que aconteceu e acontece no Iraque, há uma unidade formal, mas, dentro dela há três estados que adotam a religião ou etnia como manto.