Carta de Simon Bolívar é destaque no ato pró-Chavez em Brasília

Na noite desta quinta-feira (17), a "Campanha Brasil está com Chávez" promoveu ato-festa em solidariedade ao povo venezuelano e em apoio à eleição de Hugo Chávez, atual presidente da Venezuela. No evento, realizado no Teatro dos Bancários, em Brasília (DF), foi lida a Carta de Jamaica de Simon Bolívar.

Para Fernando Mousinho, do PSB-DF, que participou do evento e solicitou a publicação da íntegra da carta, “Simon Bolívar, em momento de suprema sensibilidade de estadista, faz uma clara e contundente análise das mazelas sociais, políticas e econômicas que garroteavam os países irmãos da América. E, demonstrando lúcida visão do futuro, nos brinda um legado de grande valor histórico”.

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Ele lembra que o libertador de seis países latino-americanos: Bolívia, Colômbia, Equador, Panamá, Peru e Venezuela, exilado em Kingston, escreveu, no dia 6 de setembro de 1815, sua profética Carta da Jamaica. “Nesses breves comentários vamos não apenas enfocar a vigência da obra do Libertador, mas, também, o anti-imperialista, o estadista, o diplomata e o amante da paz que foi Simon Bolívar”:

Íntegra da Carta de Jamaica:

Considerando a revolução de independência dos países hispano-americanos como um fato irrevogável, apesar dos fracassos anteriores, Simon Bolívar, sentencia: “Porque os sucessos foram parciais e alternados, não devemos desconfiar da fortuna. Em umas partes triunfam os independentes, enquanto os tiranos em lugares diferentes obtêm as suas vantagens, e qual é o resultado final? Não está o Novo Mundo inteiro comovido e armado para sua defesa? O sucesso coroará nossos esforços, porque o destino da América é irrevogável”.

Ao criticar as barbaridades cometidas contra os indígenas e as atrocidades praticadas durante a guerra da independência, Bolívar aponta a incapacidade da Espanha de seguir mantendo sua dominação na América: “Que demência a da nossa inimiga, pretender reconquistar a América, sem marinha, sem tesouro e quase sem soldados, pois os que têm são bastante apenas para dominar o seu próprio povo com violenta obediência…” “Poderá Espanha fazer o comércio exclusivo da metade do mundo, sem manufaturas, sem produções territoriais, sem artes, sem ciência, sem política”?

Apesar de reconhecer como positiva uma possível ajuda de nações estrangeiras à independência das colônias espanholas, Bolívar não esconde a desconfiança que tem de todo e qualquer império. Por isso, previu a necessidade de um concerto justo de nações. E o que é mais surpreendente, sugere como opção uma forma de convivência mais democrática do que a globalização de hoje. Também previu a sina belicista e anexionista da emergente nação norte-americana que, como uma ave de rapina, na espreita, aguarda o espólio dos contendores. Portanto, como um catedrático da diplomacia, Bolívar aconselha: “A própria Europa, por exigência de uma política sã, deveria ter preparado e executado o projeto de independência americana, não só porque o equilíbrio do mundo assim o exige, pois este é o meio legítimo e seguro de adquirirem-se estabelecimentos ultramarinos de comércio… No entanto, não apenas os europeus, mas, até os nossos irmãos do norte se mantiveram imóveis espectadores desta contenda…”.

Para ele a política e a economia são as principais causas do movimento emancipador das colônias:

“Estávamos abstraídos e ausentes do universo relacionado à ciência de governo e a administração do estado. Jamais chegamos a ser vice-reis, nem governador, a não ser por causas extraordinárias; arcebispos e bispos, poucas vezes; diplomata, nunca; militares, só em condições subalternas; nobres, mas sem privilégios reais; não éramos, enfim, nem magistrados nem financistas. E ainda quase não éramos nem comerciantes: tudo na contravenção direta de nossas instituições”.

“Os americanos, no sistema espanhol… não ocupam outro lugar na sociedade que não o de servos próprios para o trabalho. No máximo, o de simples consumidores. E, mesmo assim, submetidos a severas restrições. Como por exemplo: proibição do cultivo de frutas destinadas a Europa e dos produtos monopólio do rei, proibição de instalação de fábricas que não existam na península; privilégios de poucos sobre os produtos de primeira necessidade; travas comerciais que impedem a comercialização de mercadorias entre os municípios. Pretender que um país constituído de tanta felicidade, extenso, rico e populoso, seja meramente passivo, não é um ultraje e uma violação dos direitos da humanidade”?

O futuro dos países hispano-americanos é o núcleo das preocupações de Bolívar.

Com equilíbrio e ponderação ele tece comentários sobre os seguintes questionamentos: “Deviam as antigas colônias unir-se em um só Estado? Se organizariam em repúblicas ou em monarquias”?

Em seguida, ele conjectura sobre a tese de unidade em um só Estado: “Não há quem deseje mais do que eu ver se formar na América a maior nação do mundo, menos pela sua extensão e riquezas do que por sua liberdade e glória. Apesar de aspirar à perfeição do governo de minha pátria, não consigo convencer-me que o Novo Mundo possa ser neste momento regido por uma grande república; como é impossível, não me atrevo a desejá-lo; e muito menos desejo uma monarquia universal da América, porque este projeto, além de inútil, é também impossível. Os abusos que atualmente existem não seriam estancados, e nossa regeneração seria impossível”.

Mais adiante Simon Bolívar volta ao tema: “É uma grande ideia pretender transformar o novo mundo em uma só nação com um só vínculo, que ligue suas partes entre si e com o todo. Já que tem a mesma origem, língua, costumes e religião, deveriam, portanto, ter um só governo confederado agregando os diferentes estados que haverão de formar-se…”.

Bolívar volta a retocar sua tese maior “Mas não é possível, porque climas remotos, situações diversas, interesses opostos e características diferentes dividem a América”.

Não há, categoricamente, nenhuma contradição nessas ponderações. Simplesmente, ele pensa o futuro das colônias do ponto de vista da correlação de forças daquele momento histórico. Outra vez Bolívar: “Vou arriscar o resultado de minhas meditações sobre o futuro da América; não o melhor, mas sim a que seja mais exequível”.

Não faltou a Bolívar sensibilidade para reconhecer o valor inestimável da paz e do saber na luta independentista e futuro dos países americanos: ”penso que os americanos, ansiosos da paz, ciências, artes, comércio e agricultura, prefeririam as repúblicas aos reinos“…

Renovando seu compromisso com paz, Bolívar revela sua disposição de convivência e diálogo democrático, ao imaginar a criação de um fórum de debate político dos grandes temas internacionais com a participação de todos os povos, indiscriminadamente. Independente de suas formas de organização, se república, monarquia ou império: “Que belo seria que o istmo do Panamá fosse para nós o que o istmo de Corinto é para os gregos! Tomara que algum dia tenhamos a fortuna de instalar ali um augusto congresso dos representantes de repúblicas, reinos e impérios, para discutir sobre os grandes interesses de paz e da guerra com as nações das outras três partes do mundo”.

Não seria a ONU, esse “augusto congresso” ao qual Bolívar se refere?

Da Redação em Brasília