Alice Portugal: Por uma reforma política com viés de gênero

O Brasil comemora 80 anos do sufrágio universal feminino como um dos primeiros Estados da América do Sul a garantir esse direito. Fomos também pioneiros, na América do Sul, na instituição de órgãos de políticas públicas de gênero como o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), criado em 1985, e também os Conselhos Estaduais, que datam de 1983.

Por Alice Portugal*

Foram criadas, também nos anos 80, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams) e, no âmbito da saúde, o Programa Integral de Saúde da Mulher (Paism).

Recentemente, aprovamos uma das leis mais avançadas do mundo no combate à violência doméstica: a Lei Maria da Penha, ainda carente de aplicação integral.

Essas vitórias do século XX transpuseram em nosso país as barreiras do anonimato político e intelectual das mulheres, que, por três séculos, nesta terra brasileira, foram apartadas da cidadania. Mas, ainda temos muito a caminhar. De acordo com o relatório Global Gender Gap (2010) – que mede o alcance da desigualdade de gênero em 134 países a partir de indicadores como acesso à educação e saúde e participação econômica e política das mulheres -, o Brasil situa-se no vergonhoso 81º lugar no ranking. No que se refere especificamente à participação política, o país ostenta a constrangedora 114ª posição, muito atrás da Argentina (14ª), Chile (26ª) ou Peru (33ª). Ressalte-se que as leis desses países impõem sanções aos partidos que não cumprem as cotas femininas.

Avançamos, porém ainda somos subrepresentadas na política. Apesar de sermos 51,8% do eleitorado, para 513 deputados federais, temos 44 deputadas e, entre os 81 senadores, são apenas 10 mulheres. Dos 45.463 vereadores, 6.511 mulheres pontuam como vereadoras. No Executivo, não é diferente. Mesmo a despeito de termos eleito a primeira mulher presidente, temos duas governadoras para 26 estados, mais o DF, e, nos 5.565 municípios, 505 mulheres são prefeitas. No Judiciário, apesar do grande número de mulheres aprovadas em concursos públicos, o mesmo revés se repete nos tribunais superiores. Assim, vejamos: no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), somos 16,7% e, nos demais tribunais superiores, a nossa representação cai para 15,7%.

Na Bahia, terra notabilizada por mulheres como Maria Quitéria, Ana Nery e Joana Angélica, o quadro é aterrador. Eu sou a única mulher componente da bancada baiana de 39 deputados federais e Lídice da Mata (PSB), eleita em 2010, foi a primeira mulher da Bahia a ocupar uma cadeira no Senado Federal, desde a Proclamação da República.

Em 2009, quando coordenadora da bancada feminina na Câmara dos Deputados, a chamada mini-reforma eleitoral estabeleceu que, na lista de candidaturas de cada partido, fosse obrigatório ter um numero mínimo de 30% e máximo de 70% de candidaturas de cada sexo e que 5% dos recursos do fundo partidário fossem usados em ações para fortalecer e promover as candidaturas femininas. Também garantimos que 10% do tempo partidário nos veículos de comunicação – e não somente em época de eleições – deveria ser destinado à aparição de mulheres. Até hoje, nenhuma dessas medidas foram cumpridas.

Defendi, ainda como coordenadora da bancada feminina, a alteração da redação do artigo 10 da Lei 9.504/1997, que dispõe sobre a reserva de vagas de candidaturas para cada sexo nos partidos. Com a alteração do texto, a legislação passou a obrigar os partidos a “preencher”, e não mais “reservar“, o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.

Os impactos da alteração de um simples vocábulo já começam a se insinuar no cenário político nacional. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (STE), o número de candidaturas femininas para prefeituras municipais aumentou mulheres eleitas para prefeituras no primeiro turno cresceu 31,5% em relação às eleições de 2008. Nestas eleições, as mulheres conquistaram 663 prefeituras, o que representa 12% do total de gestores municipais eleitos. Saliente-se que, neste universo, apenas uma mulher foi eleita para governar uma capital brasileira: Teresa Sulita (PMDB), futura prefeita de Boa Vista/RR. No segundo turno, Vanessa Graziottin (PCdoB/AM) concorre à prefeitura de Manaus.

Na Bahia, houve um incremento de 36% no quantitativo de prefeitas eleitas. A partir de 1º de janeiro de 2013, o 3º estado brasileiro com maior número de prefeitas terá 64 mulheres na gestão municipal, o que totaliza 15% dos 417 municípios baianos. Nas eleições de 2008, foram eleitas apenas 47 prefeitas.

Para o Legislativo municipal, elegeram-se 7.658 vereadoras em todo o Brasil, para um universo de 57.389 eleitos. Ao contrário do aumento registrado no Executivo, nestas eleições, houve uma ligeira queda da representação feminina nas câmaras municipais. No mandato iniciado em 2008, as mulheres representavam 14,32% do total de vereadores. Em 2012, esse porcentual caiu para 13,34%. Quando consideramos apenas o estado da Bahia, a representação feminina no Legislativo municipal manteve-se no mesmo patamar anterior (14,27%). Estaríamos nós, brasileiras, condenadas à coadjuvância política no país em que somos a maioria?

Para o pleno exercício da cidadania e inclusão efetiva das mulheres na construção democrática, temos que lembrar da necessidade imperiosa de uma reforma política. Tal reforma deve prever o financiamento público de campanhas – uma vez que as mulheres enfrentam grandes dificuldades na captação de recursos dentro dos partidos – e também abraçar a lista partidária, da qual sou defensora, de forma paritária. Ou seja, igual número de candidaturas de homens e mulheres.

A adesão dos futuros e futuras ocupantes das câmaras e prefeituras municipais à plataforma feminista será decisivo para dar cumprimento do já extenso arcabouço de leis aprovadas e da implementação de políticas públicas voltadas para mulheres. Esta plataforma indica a adoção de medidas que melhorem a qualidade de vida das mulheres, como a ampliação de equipamentos sociais tais como creches, programas de geração de emprego e renda para a emancipação econômica e titularidade feminina das habitações populares.

O Brasil é signatário de todas as convenções internacionais de proteção à mulher e tem um quadro legislativo avançado. Porém, a violência e a desigualdade de gênero ainda maculam a nossa sociedade, que só será verdadeiramente livre quando igualar direitos e estabelecer equidade na representação política entre homens e mulheres. Este é um dos grandes desafios que se impõem ao Brasil do século XXI.

*Alice Portugal é deputada federal pelo PCdoB/BA