"Já não somos os mesmos do início", diz vice de Haddad

 VAGNER MAGALHÃES
Direto de São Paulo

Aos 54 anos, Nádia Campeão afirma estar pronta para ocupar o seu primeiro cargo executivo em mais de 30 anos de carreira política, o de vice-prefeita da capital paulista. Ela concorre na chapa do petista Fernando Haddad, que no próximo domingo enfrenta nas urnas o tucano José Serra (PSDB), na eleição que definirá quem vai governar a cidade pelos próximos quatro anos.

Engenheira agrônoma formada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP), no fim dos anos 70, em Piracicaba, passou uma década no Maranhão, onde trabalhou em uma Organização Não-Governamental ligada à luta pela terra. Retornou a São Paulo no início do governo Fernando Collor de Mello, em 1990, e hoje é presidente do Comitê Estadual do PCdoB de São Paulo, partido no qual ingressou e permanece desde 1978.

Foi secretária de Esportes da prefeitura paulistana na gestão de Marta Suplicy (2001-2004), assessora parlamentar, e atualmente integra a executiva nacional de seu partido. Ela afirma aguardar o resultado eleitoral com serenidade e diz que terá uma postura ativa em um eventual governo de Haddad. "A preparação foi de 30 anos para exercer algum cargo político. Tenho 54 anos, não são 30 nem 20. São mais de 30 anos acompanhando tudo o que acontece no Brasil por dentro da política, da democracia, com seus defeitos e suas conquistas. Eu acho que sou uma pessoa madura, que conheço desafios da política pública e a campanha atualizou isso muito rapidamente", diz Nádia.

Em sua análise, ela conta que a campanha eleitoral em São Paulo deixa marcas profundas e que do início até esta última semana, houve mudanças na forma de olhar para o desafio que se coloca à frente. "Nós já não somos os mesmos, nem eu, nem Fernando Haddad. Nós estamos preparados para fazer um governo bom e cumprir esse compromisso que a gente tem".

Nascida em Rio Claro, no interior de São Paulo, Nádia é casada pela segunda vez e mãe de dois filhos, também ligados à agronomia, assim como o primeiro marido, que conheceu ainda nos tempos de faculdade. Herdou o sobrenome Campeão, tradução de Campione, dos avós italianos por parte de pai. Tentou uma vaga na Câmara Municipal paulistana em 2004, mas os 25,5 mil votos que recebeu foram insuficientes para ocupar uma cadeira de vereadora. Naquele ano, o partido elegeu o ex-jogador palmeirense Ademir da Guia, que teve 2 mil votos a mais. Torcedora da equipe, acompanha com preocupação a campanha do time no Campeonato Brasileiro. "Time a gente não pode esconder, não pode trocar". Ao fim da entrevista, revelou uma inquietude. "Meu trauma é fotografia. Não sou fotogênica".

Moradora do bairro de Perdizes, na zona oeste da capital paulista, ela diz usar o transporte público com frequência. "Meu bilhete único está até gasto". Porém, em boa parte dos compromissos, admite que o carro é indispensável. Pessoalmente, ela diz ter as mesmas opiniões de Fernando Haddad em temas como a ampliação rodízio municipal de veículos e a possibilidade da implantação de pedágio urbano. "A resposta é não para os dois".

Nádia foi indicada para concorrer à vice-prefeitura após a inesperada desistência de Luiza Erundina (PSB), que havia aceitado em junho a indicação para vice na chapa do petista e no dia seguinte desistiu, após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Haddad serem fotografados ao lado do ex-prefeito da capital paulista e inimigo político histórico de Erundina, o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP). "Eu lamentei. Acho que teria sido muito bom se ela tivesse permanecido", diz. Antes, Nádia já havia sido indicada como vice na campanha derrotada de Aloizio Mercadante na eleição estadual de 2006. Na ocasião, perderam para o mesmo adversário de agora, José Serra.

Apesar da prerrogativa de Haddad em designar sua função em caso de vitória, ela acredita que vá colaborar de uma maneira que não precise esperar ser chamada. "Tenho perfil ativo, um compromisso com as mulheres que estão na política. Os méritos contam mais do que acordos formais. Quem tem mérito acaba arrumando o seu espaço", diz.

Ela define assim a mudança de um perfil parlamentar, ao qual se dedicou em grande parte de sua carreira política, para o Executivo. "Gosto mesmo de poder fazer coisas. O Executivo é muito desafiador. É complicado. A responsabilidade é muito maior. Você assina coisas em nome do poder público. Mas há a satisfação de você dizer 'isso aqui não está bom'. Podemos melhorar… e fazer".

Nádia lembra dos momentos difíceis da campanha, principalmente quando Haddad apresentava dificuldades para aparecer com números significativos nas pesquisas eleitorais. "Começamos com 3, 5, 7, 12%. Aí ficamos marcando passo. No começo, parecia (que escalávamos) o Monte Everest", diz.

Quando foi secretária de Esportes, Nádia relembra os contatos com o então subsecretário de Finanças, Fernando Haddad. "Eu estive muuuitas (enfatiza) vezes na secretaria de Finanças. O (João) Sayad – titular da pasta – tinha muitos compromissos e pedia que eu conversasse com o Fernando. Eu chegava com a planilha, com pleitos da pasta. Meu bom relacionamento com o Haddad começou nas Finanças porque eles não eram uns tecnocratas que só viam o orçamento. Ouviam o que a gente queria e compartilhavam. Fizemos uma amizade boa. Chegamos a nos encontrar mesmo depois que a administração acabou. Mas depois ele foi para Brasília. Voltamos a conversar mesmo quando ele foi escolhido para ser o candidato do PT", conta.

Maluf

O fato de Maluf ter sido a causa – ainda que indireta – da possibilidade de concorrer à vice-prefeitura, ela relativiza a situação. "É mais pela imagem (de Lula e Haddad com Maluf). Tem significado? É claro que tem. Mas eu acho que as pessoas têm de refletir. Maluf apoiou a Dilma, apoiou o Alckmin, está dando um apoio agora. Ele declara apoios. Ele está vivendo o período dele".

Na sua visão, há uma mudança dos conflitos e confrontos da época em que Maluf era uma figura protagonista no cenário político. "Houve um período histórico na política brasileira em que ele teve um papel. Não é o mesmo de hoje. O papel relativo do Maluf na política de hoje é outro completamente diferente. A memória é importante. A política é dinâmica. As coisas mudaram no País. É outro conjunto de forças governando. Essa frente formada por PT, PSB e PCdoB é isso aqui. Esse é o núcleo. Não tem impacto no nosso governo. Maluf não interferiu, não fez proposta nenhuma, não indicou ninguém. Foi uma aliança como o PP. Eu vejo as coisas dessa forma. Não vi problema em a gente ter uma frente com a presença do PP", diz.

No dia do primeiro turno das eleições municipais, Maluf, que declarou voto em Haddad, foi irônico e disse que no cenário político de hoje ele está mais à esquerda do que o próprio PT. "Isso é conversa mole. Ninguém há de acreditar nisso. Faz parte das declarações, mas é claro que não. Nós temos outro tipo de visão da sociedade. Da luta social, do programa para São Paulo. Tem muita diferença nesse nível. Mas na frente política, que o próprio PP integra, todos sabem qual é o programa. Nunca se contrapuseram a alguma proposta. Eles têm consciência de como será o governo", afirma Nádia.

Kassab

Em relação à gestão atual, de Gilberto Kassab (PSD), Nádia diz que houve uma descontinuidade de concepção de como governar. "Ela se manifestou mais claramente no final dos oito anos do Kassab. Nos primeiros quatro – que foram divididos entre o Serra e ele – ficou muito refletido a disputa política do que se chamou do antes e do depois. Desconstrução completa do que era o governo da Marta".

Ainda assim, ela vê Kassab com importância para os futuros embates políticos em São Paulo. "Ele é uma pessoa habilidosa politicamente. Conversa com todas as forças políticas. Tem antena ligada para tudo o que está acontecendo. Acho que organizar um novo partido naquele período foi uma atitude ousada. Ele até pagou bastante por isso. As pessoas dizem que ele se dedicou mais ao partido do que à administração de São Paulo. Tem pessoas que identificam que foi aí que ele começou a perder aprovação. Da metade do segundo mandato para a frente. Eu não estou avalizando essa análise. Acho que a pessoa pode fazer política partidária nacional e ser um bom administrador. E construir um partido nacional não é simples. Ele fez isso, é uma realidade a presença do PSD. Mesmo se perder aqui a sucessão da prefeitura de São Paulo, eu acho que ele vai ter um papel nos futuros embates aqui em São Paulo", diz.

Ela diz que o atual prefeito tem se diferenciado desde a eleição de Dilma Rousseff. "Kassab fez um movimento que foi o seguinte: não dá mais. O DEM, com a posição em que está, não tem mais possibilidade. Esse tipo de disputa, de confronto – que tudo é muito bom e de um lado e do outro, tudo ruim – está em decadência. Eu acho que o Kassab, ao criar o PSD, está procurando ter um posicionamento diferenciado no cenário político brasileiro do que tem adotado tradicionalmente o PSDB e o DEM. Esse é o movimento político mais geral que ele faz. Esse posicionamento político não correspondeu ao que ele fez nos últimos oito anos como administrador. Desses oito anos, o Kassab vem alterando esse posicionamento nos últimos dois. E já estava construída a marca da administração dele".

Russomanno

Nádia acredita que a discussão local foi um fator determinante para o confronto com Celso Russomanno (PRB), que liderou as pesquisas em boa parte da campanha. "O que foi inesperado foi o tempo que Russomanno ficou liderando. Que impacto tinha, para a luta nacional, a candidatura do Russomanno? Nenhum. Com o Russomanno, o problema era 'o que se vai fazer por São Paulo'? Na campanha, durante todo o tempo ficou isso. O debate nacional e os problemas de São Paulo. A gente também não pode escolher os temas em que o debate está colocado. Ninguém vai fugir desse debate. Acho que nós vamos ser eleitos pelo que estamos propondo para São Paulo. Se entrasse sem proposta, sem saber o que vai fazer, explicar o que já fez, não convencia."

Nacionalização da campanha

Na opinião da candidata a vice, a nacionalização da campanha paulistana se deve muito à escolha do PSDB para a disputa, ao indicar José Serra. "A presença do Serra condicionou isso desde o primeiro momento. Se o PSDB tivesse indicado outro candidato, como eles estavam pleiteando, a disputa também teria repercussão nacional, mas menos. Tem um outro significado. O Serra, há dois anos, foi candidato à presidência da República. A figura dele, quase que impôs o seguinte: isso aqui é quase que um passeio para o PSDB ganhar", disse.

Ela complementa: "O esforço que a gente fez, o Fernando Haddad fez, foi rapidamente de tentar ocupar o lugar da discussão da cidade. Isso foi feito com o lançamento do programa. Se a gente ficasse somente nesse problema da disputa nacional, que é importante, não teríamos o êxito que estamos tendo. No dia 13 de agosto chamamos todo mundo: o programa está aqui. Não é aquele programa para inglês ver, que você protocola no TRE e deixa. Isso deu uma reequilibrada".

Fonte: Terra