Vandana Shiva: “Controle corporativo de alimentos precisa acabar”

Segundo a ativista, a pressão de empresas como a Monsanto sobre pequenos agricultores indianos para o pagamento de royalties já levou centenas de milhares ao endividamento e ao suicídio.

Nadar contra a corrente por um mundo mais justo parece ser o que move Vandana Shiva, uma das mais respeitadas cientistas e ativistas da Índia. Depois de se formar em física e se doutorar em filosofia da ciência em um país marcado pela forte divisão social e desigualdade de gênero, ela acabou optando por atuar em movimentos de defesa da sustentabilidade ambiental e justiça social e hoje luta até contra gigantes multinacionais como a rede Walmart. “Eu me sentia egoísta por usar meu intelecto só para mim, quando eu poderia usá-lo em defesa da natureza e das pessoas”, explica.

A vontade de compartilhar o intelecto e mudar o paradigma de desenvolvimento ocidental também a levou a escrever mais de dez livros, incluindo “Monocultures of the Mind” (Monoculturas da Mente), “Staying Alive” (Permanecendo Vivos), “Women, Ecology, and Development” (Mulheres, Ecologia e Desenvolvimento). Sua notoriedade alcançou o ápice em 1993, quando recebeu o “prêmio nobel alternativo” Right Livelihood Award, voltado a pessoas que oferecem respostas práticas e exemplares aos desafios mais urgentes que enfrentamos hoje.

Entre a vasta gama de iniciativas que Vandana coordena está a organização Navdanya, que significa “nove sementes para a diversidade” e tem como finalidade difundir sistemas agrícolas mais sustentáveis, que rompam com o paradigma biotecnológico da revolução verde. Uma das principais propostas da entidade diz respeito à proteção de sementes nativas ou crioulas, ameaçadas pelo uso cada vez mais massivo dos transgênicos. A modificação genética de sementes abre caminho para seu patenteamento, considerado por Vandana uma apropriação corporativa sobre os alimentos. Segundo ela, a pressão de empresas como a Monsanto sobre pequenos agricultores indianos para o pagamento de royalties já levou centenas de milhares ao endividamento e ao suicídio. O Canal Ibase conversou com a ativista para entender melhor por que ela vem concentrando seus esforços nesta frente de luta.

Canal Ibase: A senhora é formada em filosofia da ciência e se tornou uma grande ativista ambiental. O que a fez mudar de área?

Vandana Shiva: Meu trabalho sobre fundamentos da teoria quântica foi feito com um intuito muito pessoal. Eu me sentia egoísta por usar meu intelecto só para mim, quando eu poderia usá-lo em defesa da natureza e das pessoas.

Canal Ibase: Poderia nos contar sobre a Navdanya e seu papel na organização?
VS: Eu comecei a Navdanya como parte de um programa da Research Foundation em 1987. Navdanya significa nove sementes para a diversidade. Significa, também, o novo dom, que eu vejo como a recuperação da visão de que as sementes são um bem comum.

Canal Ibase: Por que as sementes nativas se tornaram uma de suas principais bandeiras?
VS: Em 1984, enquanto estudava em Punjab, percebi que variedades de sementes de alta produtividade da Revolução Verde foram criadas para aumentar a tolerância a produtos químicos, não para produzir comida. Elas promoveram monoculturas. Em 1987, em uma conferência sobre as novas biotecnologias, especialistas falaram sobre como gostariam de modificar geneticamente plantas, a fim de patentear sementes. Patentes de sementes são baseadas na falsa afirmação de que a semente é uma invenção. Elas também acabam por criminalizar os bancos de sementes e suas trocas. Eu vejo isso como deveres e direitos fundamentais. Eles também moldaram o acordo TRIPS da OMC [que introduziu importantes mudanças nas normas internacionais dos direitos de propriedade intelectual]. Foi aí que eu decidi dedicar minha vida para salvar sementes e a liberdade dos agricultores sobre elas.

Canal Ibase: O que faz uma semente ser considerada nativa?
VS: Uma semente é nativa a um lugar se ela se desenvolveu localmente ou se foi adaptada localmente. Sementes nativas são diversas, de polinização aberta, produzidas por qualidade, sabor, nutrição e resiliência.

Canal Ibase: Como identificamos este tipo de semente?
VS: Identificando o que os agricultores plantaram antes da revolução verde e da agricultura industrial.

Canal Ibase: Como o uso dessas sementes impacta a produtividade agrícola?
VS: Quando a produtividade agrícola é medida no sistema de monoculturas e no contexto da produção de commodities, as sementes crioulas são apresentadas como inferiores. Quando a produtividade é medida em termos de alimentação e nutrição e leva em conta os rendimentos dos agricultores, as sementes nativas produzem mais alimentos por hectare. Nosso Relatório de Saúde provou isto empiricamente.

Canal Ibase: Quais são os principais riscos associados ao uso de transgênicos?
VS: Existem três riscos principais. O risco do monopólio, o risco ambiental e o risco da saúde pública. Na Índia, desde que o algodão transgênico foi introduzido, 95% das sementes de algodão são controladas pela Monsanto e 270 mil agricultores indianos cometeram suicídio por dívidas. Os OGM [organismos geneticamente modificados] levaram à poluição genética e aumentaram o uso de produtos químicos. Além disso, eles criaram super pestes e super ervas daninhas. Uma pesquisa independente mostrou também que os OGM têm sérios impactos sobre a saúde.

Canal Ibase: Qual a importância da preservação das sementes nativas para a biodiversidade agrícola?
VS: Precisamos preservar e utilizar sementes nativas para a soberania das sementes, sobre a qual repousa a resistência às mudanças climáticas e a segurança alimentar e nutricional.

Canal Ibase: Além das sementes nativas, que outros temas têm movido sua atuação nos dias de hoje?

VS: Eu comecei uma campanha global em prol da liberdade das sementes. Vamos continuar nesta luta até que as patentes de sementes acabem. Agricultores brasileiros demonstraram que é possível vencer essa batalha contra o controle corporativo sobre os alimentos, em uma disputa de bilhões de dólares contra a Monsanto. Outras preocupações que eu tenho são referentes a difundir a agroecologia e parar o sequestro de nossa alimentação e agricultura pela Walmart.

Canal Ibase: A senhora acredita que a agricultura ecológica pode alimentar 7 bilhões de pessoas? O argumento de que precisamos estimular a agroindústria para assegurar a segurança alimentar (pensamento básico da revolução verde) é uma falácia?
VS: A agricultura industrial produz commodities, a maioria dos quais para biocombustíveis e alimentação de animais. 80% dos alimentos que chegam às mesas das pessoas são produzidos em pequenas fazendas. E em termos de produtividade real, fazendas menores, biodiversas e ecológicas produzem mais alimento e nutrição por acre do que fazendas industriais. Esta é a única forma de alimentarmos 7 bilhões de pessoas.

Canal Ibase: E como deveríamos lidar com a questão da segurança alimentar?
VS: Tomando por base sistemas alimentares biodiversos, agroecológicos e descentralizados.

Canal Ibase: O atual paradigma desenvolvimentista é um problema para colocar isso em prática?
VS: im, e a ideia de crescimento ilimitado em um planeta com recursos limitados é a principal causa da destruição ambiental.

Canal Ibase: É possível mudar esse paradigma?
VS: Tenho esperanças. O que temos feito na Navdanya me dá esperanças diariamente. Convido seus leitores a nos visitar, participar de nossos cursos na Universidade da Terra. Em setembro de 2013 faremos um curso de um mês sobre agricultura orgânica e agroecologia, vale a pena se informar no nosso site.

Fonte: Canal Ibase