Herança neoliberal dificulta o desenvolvimento social na AL

Um dos temas mais debatidos no congresso do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), realizado nesta semana na capital mexicana, é a efetividade – ou não – das políticas sociais aplicadas na região. A cada ano, mais países vêm adotando programas relacionados ao assunto, com maior ou menos sucesso.

Em termos teóricos, políticas sociais compreendem legislações e programas conduzidos pelo poder público com o objetivo de promover o desenvolvimento humano. De caráter multidisciplinar, englobam projetos de assistência social, seguridade, alimentação, saúde e educação, entre tantos outros.

Após acompanhar três seminários sobre o tema no congresso, Carta Maior pôde constatar que os pesquisadores ligados ao Clacso compartilham uma visão: a herança neoliberal, que enfraqueceu o Estado e trouxe novas diretrizes às políticas sociais, ainda é um peso a dificultar o combate à marginalização social na América Latina.

"Assim como no pensamento econômico, também há uma hegemonia neoliberal no pensamento social", critica Laura Tavares Soares, pró-reitora de extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A fim de compreender melhor o que diz a pesquisadora, organizamos a seguir quatro dos mais criticados pontos no congresso:

1) Desvinculação de estratégia de desenvolvimento humano: no auge da era neoliberal, o objetivo único das políticas sociais era a redução da pobreza extrema, até porque, com os ajustes fiscais extremados defendidos pelos condutores das políticas econômicas, uma menor parcela do orçamento ficava disponível.

2) Focalização, e não universalização: com pouco orçamento e sem enxergar o cidadão como ser dotado de direitos, as políticas sociais da era neoliberal buscavam atingir apenas segmentos especifícos, em especial os extremamente pobres. Entretanto, como em muitos países latino-americanos os pobres são maioria, as políticas sociais tiveram efeitos mínimos.

3) Condução pela sociedade civil: com o Estado tendo seu poder reduzido, as políticas sociais passaram a buscar ONGs para conduzir as política sociais. É claro, também havia uma razão ideológica: o Estado paquidêrmico precisava se abrir ao dinamismo da sociedade. Essa estratégia, porém, dificultou que os programas tivessem carater abrangente e estruturante, o que só seria possível através de uma instituição do porte estatal.

4) Combate à pobreza, e não à desigualdade: a visão neoliberal defendia uma sociedade meritocrática, com os mínimos direitos garantidos. Nesse contexto, a desigualdade é naturalizada. Ao responder a essa abordagem ideológica, as políticas sociais focaram-se em amenizar e compensar a pobreza extrema, sem afetar a desigualdade gerada por fatores estruturais.

Ainda que o auge neoliberal tenha ficado para trás e muitos governos progressistas estejam conduzindo nações latino-americanas, as diretrizes reunidas no famoso Consenso de Washington mantêm-se presentes, ainda que enfraquecidas. "A pior praga da herança neoliberal em políticas sociais é as pessoas terem de comprovar sua pobreza para terem acesso aos serviços públicos", contesta Laura.

Mas há sinais de mudança. Para a pesquisadora María del Carmen Midaglia, da Universidade da República do Uruguai (Udelar), as políticas sociais vivem hoje um terceiro ciclo, ao menos no Brasil, Argentina e Uruguai.

Segundo, ela, depois de nos anos oitenta terem se focado na extrema pobreza e terem sido dependentes de dinheiro da cooperação internacional, e de nos anos noventa terem se tornado mais perenes, as políticas sociais contemporâneas deixaram de ser programas e foram incorporadas às leis, tornando-se independentes de governos e buscando abrangências maiores.

Para María del Carmen, um próximo passo precisa ser dado para que as políticas sociais avancem mais: ele passaria , em primeiro lugar, pela inclusão delas na gama de iniciativas da seguridade social, em vez da assistência social, elevando as responsabilidades do Estado para a garantia dos direitos do cidadão.

E, em segundo lugar, em um envolvimento mais intenso dos sindicatos no acompanhamento dessas políticas, uma vez que o fortalecimento do mercado laboral é visto pela pesquisadora como um dos eixos de políticas sociais que mirem a ampla efetivação dos direitos dos segmentos mais empobrecidos.

É um caminho árduo e que terá de ser enfrentado de maneira distinta pelos países latino-americanos e caribenhos. Enquanto Brasil, Argentina e Uruguai já aplicam pelo menos 20% de seu PIB em gastos sociais, o que inclui as políticas sociais, Equador, Guatemala e Paraguai não passam de 10%.

Aqui vale uma nota: entre 2000 e 2007, segundo pesquisa apresentada em um dos seminários do Clacso, o Equador foi o país que mais aumentou os gastos sociais, em 20%, no período – uma taxa bem maior daquela do segundo colocado nesse ranking, o Paraguai.

Fonte: Carta Maior