Lições que nos trazem as eleições de Campinas

Passado 2º turno das eleições em nossa cidade, com uma grande vitória de Jonas Donizette, do Partido Socialista Brasileiro, apoiado pelos comunistas e tendo em vista a polarização final ocorrida com a candidatura do Partido dos Trabalhadores, é importante que agora façamos algumas primeiras considerações sobre esse rico processo que vivemos em nossa cidade.


Um pouco de história

Os comunistas do PCdoB atuam na cidade há quase quatro décadas. Após a ferrenha perseguição ocorrida depois do golpe militar de 1964, o movimento comunista foi quase todo dizimado na cidade. Teve certo fôlego até o final dos anos 1960, mas arrefeceu e só retoma com o movimento estudantil em 1977, chegando ao seu ápice quando os comunistas reorganizaram o movimento na PUCC, na Unicamp, e entre secundaristas, tendo dado parcela decisiva para a reconstrução da UNE em 1979. Tivemos ainda papel importante no movimento contra a carestia, anistia, defesa da Amazônia e no movimento comunitário da cidade.

Essa foi a época das grandes greves do ABC que fizeram surgir a maior liderança operária deste país, que posteriormente virou o maior presidente da história republicana, que foi Luis Inácio Lula da Silva.

Nós, do PCdoB de Campinas, atuamos com o PT em várias frentes políticas e sociais há anos. Conquistamos nossa cadeira no parlamento local há 20 anos exatamente em uma coligação com o PT. Foi com o nosso atual vereador Sérgio Benassi, que, de forma honrada e combativa, encerra seus 20 anos de relevantes serviços prestados à nossa cidade (seguiremos no parlamento municipal com o jovem comunista, eleito vereador que será Gustavo Petta).

Os comunistas sabem que eleições municipais não guardam uma relação direta com as eleições nacionais. Em pleitos municipais os eleitores querem saber as propostas que os candidatos apresentam para melhorar as suas vidas como cidadãos. Querem saber sobre o médico no posto de saúde do bairro, quanto tempo terão que aguardar por uma consulta, se existem vagas nas creches perto de suas casas ou ainda quantas quadras terão que andar para chegar às suas casas depois de descerem dos ônibus. Os comunistas atuam nos processos eleitorais buscando uma ampliação da consciência do povo e o debate também de grandes temas nacionais.

Os resultados das últimas eleições em 5,6 mil municípios mostram de forma clara e nítida esse processo contraditório e complexo. Partidos que mais tentaram “nacionalizar” as eleições não tiveram grandes vitórias. Erraram os que adotaram o corte ideológico, de caráter exclusivista, na formação de suas alianças e coligações para o pleito municipal. Por outro lado, a manipulação preconceituosa de importar temas como kit gay, aborto, mensalões não comoveram os eleitores.

Não pretendemos aqui dar um histórico das coligações que o PCdoB fez na cidade, mas convém dizer que participamos com a legenda comunista de eleições municipais em Campinas desde o ano de 1988 (os comunistas ganharam a legalidade apenas a partir de maio de 1985). Nestes 24 aos fizemos alianças eleitorais com PSDB, PT, PSB, PDT, PT, PDT e PSB.

Vivemos um período tumultuado neste ano de 2012 em nossa cidade. Herdamos uma grave crise política municipal desde a cassação do prefeito Dr. Hélio, na qual nosso parlamentar comunista posicionou-se firme e coerentemente contra o que hoje já se chama de “golpe legislativo”. Votamos solitariamente contrário à cassação do ex-prefeito. Não estávamos de acordo – e seria usurpação de poder – que o legislativo julgasse e condenasse politicamente um prefeito sem acusações e sem provas e sem processo, inclusive do poder judiciário.

Estava evidente e público que a sanha golpista teria continuidade e que o presidente da Câmara iria para cima em seguida do vice-prefeito, Demétrio Vilagra, do PT. Sempre foi seu sonho: ser prefeito. Durou poucos meses a gestão petista. Também Demétrio sofreu a fúria golpista e foi apeado do poder. Desta feita, os três vereadores petistas somaram-se tardiamente à coerência do nosso solitário comunista Benassi, ainda que tivéssemos perdido de 29 a 4.

Articulamos a resistência através de novo processo golpista, pela via indireta. Lançamos uma candidatura em aliança dos socialistas e comunistas. Mas, os petistas que participavam da composição e chegaram a indicar o nome de Fernando Pupo, do PCdoB, a vice, resolveram ficar de fora nos últimos instantes, inexplicavelmente. Isso contribuiu para a vitória do prefeito que já ocupava o cargo inclusive.

Em que pese termos iniciado o ano com uma verdadeira caça às bruxas perpetrado pelo atual prefeito, com a demissão sumária de todos os comunistas do primeiro e segundo escalão na prefeitura, o PCdoB fez conversas políticas amplas, dentro de nossa linha tática nacional, com vistas a construir na cidade uma candidatura que expressasse a base de apoio da presidente Dilma. Sabíamos que o PT pretendia lançar candidatura própria, que o prefeito que tramou o golpe legislativo tinha essa como sua grande prioridade, que Jonas Donizette, do PSB era pré-candidato e já havia disputado duas eleições passadas. Nós mesmos, colocávamos o nome de Sérgio Benassi como alternativa nas mesas de negociação de coligações; além do PMDB que tinha o Dário Saadi, do PV que sempre lança candidato e do PSOL e PSTU.

Entendemos que a melhor solução, para vencermos no 1º turno, teria sido a que foi apresentada ao PT, mas recusada de pronto, que teria o Partido dos Trabalhadores como vice-prefeito na chapa de Jonas. Essa coligação seria a mais ampla traria, de fato, a candidatura para um campo mais de centro-esquerda e neutralizaria qualquer alternativa conservadora. Algo parecido com a primeira administração de Márcio Lacerda em Belo Horizonte.

Fixamos os objetivos dos comunistas para o município. O primordial seria manter a vaga da legenda no parlamento campineiro e, se possível, dobrar a bancada. Passamos a construir uma chapa própria, onde viríamos a lançar, 48 candidaturas. Em 2008 já tínhamos lançado chapa própria em coligação com o PR. A história mostrou que, pela primeira vez em nossa vida legal, os comunistas conseguiram atingir o quociente eleitoral sem precisar de coligação, embora também neste ano tenhamos feito coligação com o PT do B.

No final de junho, tínhamos que tomar uma decisão. Os três campos na cidade estavam já bastante cristalizados. PT e PSB não abririam mão de suas candidaturas e Serafim, do PDT, iria mesmo até o fim, derrubando inclusive, por articulações em nível federal, a candidatura do PMDB.

Conversamos em três ocasiões com o PT. Em todas ficou claro que eles desdenhavam dos comunistas, seus aliados históricos em coligações nacionais desde 1989. Na última conversa reivindicamos a vice-prefeitura e condições mínimas de apoio para as candidaturas comunistas. Também não houve sinalização de participação na coordenação geral de campanha, ou no programa de governo.

Fizemos conversas políticas com os socialistas do PSB de Jonas. Fomos bem recebidos. Convivemos com companheiros sindicalistas desse Partido desde 2007 quando fundamos uma central sindical nova no país – a CTB – que já é a terceira maior. Jonas concordou em assinar um protocolo de intenções onde firmava amplos compromissos programáticos que os comunistas têm como fundamentais. Entre eles o fortalecimento do poder público, da administração municipal, respeitando servidores, realizando concursos, dialogando com os movimentos sociais. Teríamos amplo acesso à construção coletiva de seu programa de governo e nossos candidatos teriam amplo apoio para suas campanhas.

Submetemos esse debate nos organismos de nosso Partido. Avaliamos que a coligação com os socialistas estava dentro das orientações emanadas de nossa direção nacional. Não havia contradição alguma, ainda que dentro da coligação participassem partidos de extração mais conservadora. Por duas vezes, o coletivo de nossa direção municipal debateu o tema. Ao final, aprovamos essa orientação política, referendada também de forma unânime pela Conferência Municipal dos delegados comunistas com a presença de mais de 200 camaradas.

As eleições não foram “nacionalizadas”

O PT não respondeu nossos pleitos e fomos surpreendidos com a coligação do candidato Márcio Pochmann. Sua vice-prefeita é presidente da Associação Comercial e Industrial de Campinas e grande empresária da cidade. No entanto, no estágio em que nos encontramos hoje no Brasil, isso não consistiria problema algum, até porque os oito anos da presidência de Lula foram exercidos tendo como vice um dos maiores industriais deste país que foi José Alencar.

No entanto, as cobranças ao PCdoB foram desmedidas. Militantes e quadros petistas queriam nos dar “lições de moral”. Diziam-nos que “estávamos à serviço dos tucanos”, que Jonas era um tucano enrustido. Ora, cobrar coerência dos comunistas em Campinas, vindo do PT, que realizou por esse país afora as mais heterodoxas alianças não fazia sentido algum. Ou fazia para eles, que queriam nos indispor com parte do eleitorado progressista e de esquerda da cidade.

Neste sentido construímos um grande programa de governo com a candidatura Jonas Donizette, que se sagrou vencedora nas urnas em 27 de outubro com mais de 110 mil votos de diferença e foi formalmente apoiado pelo PSDB. De fato, Jonas tinha o melhor programa e o povo o via como novo e mais preparado para o desafio de administrar uma economia que está entre as dez maiores do país. Em nosso entendimento, não existe uma relação direta entre eleições municipais e as nacionais, presidenciais, que ocorrerão em 2014. Algumas pesquisas sérias atestam inclusive que se pode prever que os vitoriosos das eleições municipais podem ajudar a eleger mais deputados dois anos depois.

Passamos a campanha levando as propostas de governo de Jonas para os eleitores. Não desfechamos ataques ao PT. Não baixamos o nível da campanha em momento algum. Até porque, em São Paulo, nossos partidos, PSB e PCdoB estavam justamente coligados com o PT de Haddad e aqui perto em Jundiaí, o PT teve a vice de um prefeito comunista eleito, com o PSB na coligação. Não aceitamos que o PT fosse atacado e desconstruído na campanha. A pecha da moralidade e da ética contra o PT não foi mencionada, pois essa bandeira só usa quem não tem propostas.

Ou seja, as coligações municipais levam em conta injunções locais, programáticas, a realidade local, projetos municipais. O eleitor quis discutir seu dia-a-dia. Nada de fé religiosa, mensalões (tucanos, demistas ou petistas), aborto. No limite, qualquer um dos dois que foram ao 2º turno, suas vitórias pessoais representariam também uma vitória da presidente Dilma.

No entanto, estranhamos – e repudiamos – profundamente, os ataques de baixo nível perpetrados pela campanha petista contra nosso vereador comunista e presidente do Partido na cidade. Vereador honrado, coerente, sério e competente, Benassi foi atacado no programa de TV petista como sendo “defensor do corrupto” Dr. Hélio. Um verdadeiro absurdo. Não é assim que devemos agir. Isso só mostrou quanto ainda temos de anticomunismo até dentro de um partido que se proclama de esquerda. Inaceitável essa situação. Até porque o “defensor de corrupto” dito por eles foi o único que defendeu o prefeito petista cassado, exatamente acusado de corrupto.

Os comunistas têm por Márcio Pochmann um imenso respeito. Reconhecemos que ele prestou relevantes serviços ao país como presidente do IPEA, que tem visão patriótica e semelhante ao que os comunistas defendem. É preciso que superemos esse tensionamento desnecessariamente criado durante a campanha.

Quais perspectivas?

Os comunistas não fazem política para atender a projetos pessoais. No caso das particularidades de nossa cidade, errarão os que, por algum motivo, saírem dizendo que a vitória de Jonas Donizette será a vitória de Alckmin ou Aécio, que o PSDB se fortalece. Pura bobagem. Quem venceu essas eleições foi o povo da cidade, esclarecido e lúcido que escolheu o melhor programa para nosso município. Quem venceu foi o PSB e o PCdoB da base aliada da presidente Dilma. Até por isso, respeitamos o direito da presidente ter vindo aqui defender uma candidatura, mas entendemos isso como incorreto e desnecessário.

O problema é que o PT de Campinas só reconhece alianças se eles ganham. Para o PT ter se aliado a sua legenda é virtude, se aliar a outras legendas é desqualificado. O PCdoB Campinas sempre protagonizou na cidade com atitudes progressistas porque sempre se viabilizou por várias alianças, nunca foi só pela legenda do PT.

A cidade reconhece as alianças e sempre com um espírito mudancista. Desde 1968 a oposição ganha em Campinas, e nem sempre foi pela legenda do PT.

No entanto, temos que olhar para frente. Nas análises preliminares que estamos concluindo em nossa direção nacional, reforçado pelos resultados deste 2º turno, os partidos da base aliada da presidente Dilma foram vitoriosos em quase 80% dos municípios. Se somarmos população governada, eleitores, orçamentos municipais, número de prefeitos e vereadores eleitos, os três partidos da oposição (PSDB, DEM e PPS), terão menos que um quinto de todos esses quesitos (20 a 22% em média). A direita foi fragorosamente derrotada, ainda que certas mídias tentem manipular resultados e queiram dar outras interpretações. Os partidos que mais cresceram, em termos percentuais, foram exatamente o PCdoB, o PSB e o PT. Todos os outros encolheram.

Nós vamos precisar do PT, de seus quadros e de seus parlamentares. Defendemos em nossa direção partidária e junto ao prefeito eleito que o PT seja convidado a participar do governo e integrar a base aliada na Câmara. Isso já aconteceu com o PMDB, PTB, PV e outros. Seria estranho um governo amplo e de coalização em São Paulo e centenas de outras prefeituras, menos em Campinas.

É tempo de construir, de unir e de avançar. Queremos uma administração municipal progressista e popular, que atenda às reais necessidades da população mais carente da cidade. Queremos o diálogo com os movimentos sociais. Queremos ouvir e atender as reivindicações dos bairros organizados, dos sem teto, dos sindicalistas, dos nossos servidores municipais. Queremos uma Campinas que dialogue com o governo do Estado e com o governo de nossa presidente Dilma. Para isso, contar com os companheiros petistas é fundamental. Afinal não deve ser difícil para eles. Por 10 meses participaram do governo golpista que cassou seu vice-prefeito.

Lejeune Mirhan – Sociólogo, professor, é membro do Comitê Municipal do PCdoB de Campinas e da Secretaria Sindical Nacional do Comitê Central. E-mail: [email protected].

Márcia Quintanilha – Jornalista, é secretária de Organização do Comitê Municipal do PCdoB de Campinas. E-mail: [email protected]