Walter Takemoto: Chame o ladrão

Assisti a uma matéria no jornal matutino da TV Globo do dia 19 de novembro sobre um rapaz assassinado por PMs em São Paulo. O tenente que comandava os soldados, um rapaz, quase adolescente, de 24 anos, recém-formado na academia de oficiais, com apenas quatro meses de operação de rua, diz que pela primeira vez viu uma pessoa sendo baleada.

Por Walter Takemoto*, no Observatório da Imprensa

E quem disparou o tiro foi um soldado comandado por ele. Disse o tenente à corregedoria que ficou em pânico, com medo de ser assassinado pelos policiais sob seu comando. E os policiais, além do primeiro tiro que deram no rapaz, preso quando estava entrando na viatura, no trajeto para o hospital fizeram mais dois disparos na vítima, até terem certeza que estava morto.

Se o governo do estado de São Paulo se assemelha a um popular perdido no meio das balas disparadas pelo PCC, pelos grupos de extermínio e por policiais, esse fato demonstra a falência das políticas de segurança e de preparação dos policiais em todos os estados do Brasil, pois as estatísticas, por mais que possam ser manipuladas, demonstram que matar e morrer faz parte do cotidiano das grandes cidades, assim como as cracolândias, a prostituição infantil, a corrupção dos agentes da lei e tudo mais que envolva a criminalidade. Nas grandes cidades do Brasil se morre mais de forma violenta que nas regiões declaradamente em conflito armado. Só em São Paulo, o número de mortes por execução nos últimos dias é superior ao número de palestinos assassinados por Israel.

Polícia não identifica

Mas voltando ao tenente da PM de São Paulo. É quase um adolescente, com 24 anos. Ingressou na academia da Polícia Militar com média suficiente para ingressar em um curso de Medicina. Foi colocado em uma viatura para comandar um grupo de soldados capaz de atirar em um rapaz desarmado e rendido, à queima-roupa, uma execução. O tenente entrou em pânico e temeu ser assassinado pelos seus soldados, da mesma forma que o rapaz. Deparou com a morte: a real, do rapaz rendido, e a sua, que tinha como missão defender a do outro que morreu.

Um soldado que aponta a arma para um rapaz preso, desarmado, e dispara à queima-roupa, não está executando um assassinato pela primeira vez. Não é o tenente que ao deparar com um homem baleado entrou em pânico. O dedo que apertou o gatilho é um “dedo mole”, como dizem os manos. Coça só de sentir o cano na mão, sente que “a felicidade é uma arma quente”.

E me pergunto: que política de formação de policiais é essa que coloca um tenente novato, adolescente, sem experiência de rua, para comandar soldados capazes de assassinar presos sem motivo algum? Se esse tenente não entrasse em pânico, se não temesse pela própria vida, poderia se “acostumar” com as execuções, achar normal enfiar uma bala na cabeça de um rapaz desarmado, pois passaria a acreditar que “bandido bom é bandido morto” e seria mais um a preencher nos BOs “morte por resistência à prisão”. E pior: que comando tem essa polícia que não identifica os policiais que agem como executores, grupo de extermínio, que em viaturas e fardados, ou em motos e encapuzados, assassinam jovens nas periferias, bandidos ou não, como se estivessem atirando em patos nos parques de diversão?

Walter Takemoto* é educador, Salvador, BA