MK Bhadrakumar: Os Talibãs e o "zen" do dar e receber

Vai e vem, o fiapo de luz que percebi há dez dias [1] no final do túnel afegão já cresceu consideravelmente e é hoje do tamanho de uma bola de tênis.

Por MK Bhadrakumar*, no Indian Punchline

Na segunda-feira (17), o Conselho de Segurança da ONU em New York decidiu aliviar as sanções impostas a algumas figuras selecionadas dos Talibã, para que possam viajar a Paris para participar de conferência com representantes do governo afegão e grupos da Aliança do Norte [orig. Northern Alliance (NA)]. A Conferência em Paris, prevista para durar três dias, deve começar na quarta-feira (19).

Conceitualmente, é um evento “Track II” [Trilha II] [2], organizado pela Fundação para Pesquisa Estratégica, think tank com sede em Paris, onde os afegãos “conversarão livremente, portas fechadas”. Os Talibã dizem que seus delegados só conversarão, não negociarão, com outros grupos afegãos, e a Aliança do Norte diz que estão indo a Paris só para ouvir, não para negociar. O ministro francês de Relações Exteriores, Laurent Fabius, deu a melhor pista a seguir, ao dizer que os grupos afegãos manterão discussões, não negociações. [3]

Sofismices à parte, a realidade política é que o gelo começa a ser quebrado no diálogo intra-afegão, o que é prerrequisito vital para qualquer acordo duradouro.

Assim também, segundo o jornal paquistanês Daily Times, Islamabad concordou em libertar da detenção o ex vice-chefe Talibã, Mulá Abdul Ghani Baradar. Obviamente, Baradar será figura chave nas negociações intra-afegãs.

Washington, é claro, está excitadíssima, com esse vetor crucial que se vai constituindo no que parecia paisagem plena de incertezas, já quase sem qualquer esperança. O porta-voz do Departamento de Estado falou de “conversas afegãs-afegãs” como “o melhor modo de andar adiante (…) Vamos ver a que isso levará”.

De fato, é um toma-lá-dá-cá. [4] Um governo norte-americano grato está pagando mais de US$ 688 milhões ao Paquistão, e, dessa vez, os Congressistas no Capitólio que cuspiram veneno ao avaliar a liderança militar em Rawalpindi, não estão refugando. (O que provavelmente explica o aplomb do trote do ministro do Interior do Paquistão, Rehman Malik [5] em Nova Delhi).

O aceno de concordância no Conselho de Segurança da ONU [6] implica que, certamente, as grandes potências – Rússia e China, sobretudo – estão no mesmo barco. A reunião em Paris acontecerá entre vinte participantes, entre os quais os líderes tadjiques, Ahmed Zia Massoud e Yunus Kanuni, o líder hazara xiita, Mohammed Mohaqiq e o líder uzbeque, Faizulá Zaki – todos eles “inimigos” implacáveis do Talibã – que a Rússia apoiou nos anos 1990s.

É prova bem sólida de que a Aliança do Norte está querendo conversar seriamente com os Talibã. Não surpreendentemente, o ministro russo das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, viajou às pressas para Tashkent [7] para visita não agendada. O papel do Uzbequistão torna-se crucial no período que virá.

Os Talibã serão representados por Maulvi Shahabuddin Dilawar, diplomata experiente, que foi embaixador no Paquistão e na Arábia Saudita nos anos 1990s e esteve envolvido nas fracassadas conversações com os EUA no Qatar, no ano passado. A presença de Dilawar sugere fortemente, como escreveu o jornal al-Arabiya, que os Talibã aproximam-se cautelosamente da mesa da paz. [8]

Notas:
[1] 10/12/2012, RIR, M.K. Bhadrakumar em: “Light at the end of Afghan tunnel”
[2] Diplomacia “Track I” [trilha I] é termo que se refere à diplomacia oficial, “técnica de ação de estado, processo mediante o qual comunicação de um governo vai diretamente ao aparelho decisor de outro governo”; em oposição a isso, fala-se também de “diplomacia ‘Track II” [trilha II], de interações entre especialistas, entre cidadãos, entre ONGs ou empresários; são contatos não oficiais. [NTs].
[3] 18/12/2012, Pakistan News em: “France says Afghan officials to meet Taliban near Paris”
[4] 17/12/2012, NYTimes, Eric Schimitt e David E.Sanger em: “In Sign of Normalization, Pentagon to Reimburse Pakistan $688 Million”
[5] 16/12/2012, YahooNews, ANI em: “Rehman Malik blames Indian agencies for failure to prevent 26/11”
[6] 18/12/2012, Khaleej Times, AFP em: “UN helps blacklisted Taleban travel for peace talks”
[7] 17/12/2012, Radio Free Europe & Radio Liberty em: “Russian Foreign Minister In Uzbekistan For Talks”
[8] 17/12/2012, Al Arabiya News em: “In French countryside, Taliban edges towards peace table”

*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Asia Online. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

Fonte Redecastorphoto. Traduzido pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu