Comissão da Verdade: Fiesp e consulado EUA colaboraram com Dops 

A Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT), apresentou, nesta segunda-feira (18), documentos oficiais que comprovariam a participação da Fiesp e de representante do consulado dos EUA nas atividades do Departamento de Ordem Política e Social (Dops).


Fonte:
 Alesp

Também foram trazidos à reunião documentos do Projeto Memória da Oposição Sindical Metalúrgica (OSM-SP), que trazem denúncias sobre a relação das empresas com a repressão aos movimentos sindicais operários.

Ivan Seixas, coordenador da Comissão da Verdade, afirmou que a relação do empresariado com a repressão política sempre foi denunciada pela oposição, mas agora, a partir de documentos levantados pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo, ficou comprovada. Nos seis livros não extraviados de registro de entrada e saída de visitantes do Dops, entre os anos de 1971 e 1979, aparecem, de forma clara, o nome de alguns visitantes frequentes, como Claris Halliwell, representante do consulado dos Estados Unidos em São Paulo, e também de Geraldo Rezende de Mattos, identificado como representante da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). 

Ainda segundo Seixas, apenas no período entre abril e setembro de 1971, Halliwell esteve 40 vezes no Dops, geralmente no período noturno, e muitas vezes sem registro de saída, pois o funcionário que cuidava do livro saía às 22 horas. É o mesmo que mostram os registros de Geraldo Mattos, que por vezes, assim como Halliwell, saía apenas no dia seguinte. O americano, que seria agente da CIA, atuou no Brasil de 1958 a 1974, partindo depois para o Chile e Equador.

Como o Dops atuava na repressão de movimentos políticos na época da ditadura militar, sendo um centro de tortura e assassinato de presos políticos, suspeita-se da participação ou conivência desses dois personagens com as atividades, ainda que de forma passiva, pois os gritos dos torturados eram ouvidos até na rua. Halliwell esteve presente inclusive no começo de abril de 1971, quando foi torturado e morto o líder operário Devanir José Carvalho, comandante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).

Ivan Seixas, coordenador da Comissão da Verdade
Foto: Alesp
Presença inexplicada

Ivan Seixas considera que o consulado dos EUA deve explicações sobre a atuação de seu cônsul. Nos livros de registro também constam os nomes de outros empresários, alguns atuantes até os dias de hoje, além de representantes sindicais, líderes religiosos e outros cônsules, estes sempre com horários de entrada e saída marcados. Adriano Diogo leu nota da Fiesp afirmando que Geraldo Rezende Mattos não tinha ligação com a entidade.

Diretor do Departamento de Difusão e Preservação de Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo, Lauro Pereira, falou do trabalho coletivo da instituição para o levantamento dos documentos. Informou ainda que no próximo dia 1º/4 haverá evento no Arquivo com a Comissão Nacional da Verdade e, a partir das 14h, ato de lançamento no site da instituição de um banco de cerca de 850 mil imagens do Dops.

A participação do empresariado na repressão política, como o financiamento da Operação Bandeirantes (Oban) e a atuação do empresário de origem dinamarquesa Henning Boilesen foram relembradas na reunião da comissão com a apresentação de documentário Cidadão Boilesen, dirigido por Chaim Litewski. Também foram apresentados vídeos sobre os primórdios do sindicalismo brasileiro.

Operários vigiados

A repressão ao movimento operário foi o tema da segunda mesa da reunião. Foram apresentados propostas e documentos do Projeto Memória da Oposição Sindical Metalúrgica (OSM-SP), que defende a convocação para prestar esclarecimentos à Comissão da Verdade de pessoas já identificadas com o financiamento à repressão, como representantes do patronato e o ex-ministro Delfim Netto, como ressaltaram o ex-metalúrgico Waldemar Rossi e Américo Gomes, da Convergência Socialista.

A pesquisa comprovou a existência de ligação direta entre as empresas, Fiesp e o Dops e o Doi-Codi, pois as fichas dos empregados com atuação sindical eram enviadas para a repressão. Havia também uma lista negra de operários, que ou não eram contratados ou eram demitidos antes do término do período de experiência. Cópias das fichas funcionais com carimbo do Dops e das listas de nomes de grevistas foram entregues à comissão.

Essa denúncia foi reafirmada também pelos depoimentos do deputado José Zico Prado (PT), do militante político Delmar Matos, do ferroviário Rafael Martinelli, do ex-metalúrgico Salvador Pires, e do ex-diretor do Sindicato dos Químicos Luiz Galante. Sebastião Neto ainda denunciou a falta de transparência do uso do repasse feito ainda hoje à Fiesp pelas entidades do Sistema S.
Zico Prado ainda falou da aprovação do Projeto de Resolução 35/2009, de sua autoria, que cria o Monumento de Resistência Santo Dias da Silva, a ser instalado nas dependências da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Sociedade civil

Antes da reunião da Comissão da Verdade, houve a instalação de seu conselho consultivo, do qual participam mais de 50 entidades e pessoas da sociedade civil ligadas aos direitos humanos. Amelinha Teles, assessora da comissão e coordenadora do conselho, saudou a participação de Margarida Genevois, de quem lembrou a atuação em prol de prisioneiros políticos. A primeira reunião do conselho ficou marcada para o dia 18 de março, às 14 horas, na Assembleia Legislativa.

Ao fim da reunião, Adriano Diogo lembrou a agenda da Comissão da Verdade. No dia 19/2, às 10 horas, será abordado o caso do militante político desaparecido Aylton Mortati. Na quarta-feira, 20/2, às 15 horas, haverá audiência para lançamento do livro Onde está meu filho?, que retrata a luta da mãe do líder estudantil Fernando Santa Cruz, dona Elzita, que há mais de 40 anos busca informações sobre seu desaparecimento.

Fonte: Alesp