Diplomata cubano fala sobre o modelo socialista de seu país

A Redação do Portal Vermelho entrevistou, no dia 16 de fevereiro, o Cônsul Geral de Cuba em São Paulo, Lázaro Méndez Cabrera, que também ocupa o cargo de Embaixador (regional), pela extensão do território a que atende: o sul e o sudeste do Brasil. Nestas regiões residem cerca de 2.500 cubanos, segundo registros do Consulado.

Por Moara Crivelente, da Redação do Portal Vermelho

Crianças na escola de Havana, Cuba. - Cuba Debate

O diplomata abordou temas fundamentais na história da revolução cubana, como a influência dos EUA na independência e na elaboração de uma Constituição, entre 1898 e 1906, e as consequências de uma intervenção militar determinante ainda sentidas atualmente. 

A base militar estadunidense em Guantánamo, as migrações, as políticas imperialistas (como o bloqueio e o embargo a Cuba) e a atualização econômica do modelo cubano para o desenvolvimento e a cooperação internacional foram os assuntos principais.

Em Cuba há mais de 8 milhões de eleitores, que participaram amplamente nas Eleições Gerais de 2007, para eleger os delegados das Assembleias Municipais do Poder Popular. Existem 37 749 colégios eleitorais habilitados em 169 municípios, que possibilitam uma importante e ativa participação política popular, de acordo com o Ministério de Justiça.

A capital de Cuba, Havana, sedia as negociações de paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército do Povo (Farc-EP) e o governo do presidente Juan Manuel Santos, desde o início do processo, em 2012. O cônsul garante, entretanto, que o único papel exercido por seu país é o de garantir a estabilidade e a segurança necessárias para o diálogo, sem qualquer interferência política no assunto. Mesmo assim, diz acreditar que as partes chegarão a um acordo, “para uma sociedade mais justa, mais tranquila, mais pacífica na Colômbia, para que se acabe com esse conflito de muitíssimos anos.” E completa: “estamos certos de que por via das armas já não há solução.”

Perguntado sobre a visita da blogueira Yoani Sánchez ao Brasil e toda a atenção midiática que ela recebe, Cabrera pediu para não comentar, devido ao cargo que ocupa. Por isso, e por causa do pouco espaço que as conquistas sócio-políticas cubanas recebem da mídia, em geral, e na grande mídia brasileira, em particular, o Vermelho publica a entrevista com uma perspectiva abrangente sobre a situação atual de Cuba, colocada em contexto.

Portal Vermelho – Poderia dizer algo sobre a blogueira Yoani Sánchez, que visita o Brasil? A mídia tem lhe dado bastante atenção, especialmente aqui, e queríamos saber o que acha desse foco dado a ela.
Lázaro Cabrera (foto) – Eu prefiro que seja um brasileiro, ou uma brasileira, a falar sobre esta senhora. Porque um cubano, ou ainda um oficial, o que vai dizer? Acho melhor que seja outra pessoa; acho que assim é mais credível.

Vermelho – Falamos um pouco sobre a política de Cuba, então?
LC – Você pode perguntar o que quiser, só não responderei se não souber. Não há tabu em nada nisso, as perguntas não são indiscretas.

Vermelho – Pode começar contando-nos sobre o estatuto de “exiliado” de que tantos cubanos gozam em países como os Estados Unidos?

LC – Esse estatuto, nos EUA, como em muitos outros lugares, é um problema político. Eles são emigrados, como todos os que vão viver no exterior. Nós sempre dizemos que o socialismo é uma sociedade de homens e mulheres livres, por tanto, quem não quiser viver nela e quiser ir embora, tem uma decisão pessoal. Agora, há uma legislação que estabelece que certas pessoas não possam sair, ou podem dentro de X quantidades de anos. Por exemplo, aí temos cientistas, militares de alto nível… cientistas são muito importantes [nessa lista] porque faria um dano tremendo ao país se saíssem.

Vermelho – E quando isso mudou?
LC – Mudou no dia 14 de janeiro de 2013. Devo contar uma história pequena: Em 1º de janeiro de 1959, na revolução, em Cuba, havia 6.000 médicos para todo o país, a maioria em Havana. Como o que acontece aqui no Brasil e está discutindo agora no Brasil, a maioria dos médicos servia às grandes cidades e aquelas que melhor lhes pagam.

Em Cuba, eram 6.000 médicos para 6 milhões de habitantes. Nos primeiros três ou quatro meses [da revolução], 3.000 médicos foram para os EUA. Decidiram partir, porque lhes pagavam mais, não importa. E Cuba teve que tomar medidas muito drásticas nesse sentido, e começar a preparar médicos urgentemente. Os que ficaram, professores, começaram a prepará-los.

Atualmente, Cuba tem quase 100 mil médicos; multiplica para saber quantas vezes cresceu o número de médicos nesse tempo. E posso te dar um dado: até o ano 2010, aproximadamente, saíram ao exterior mais de 80.000 médicos, para trabalhar e voltar. Cerca de 10% não regressou. Por isso, Cuba teve que tomar uma medida: o médico que fique no exterior, não pode regressar, para frear essa [fuga]. Porque isso é um recurso humano que custa muito.

Eles queriam partir para países desenvolvidos, como os Estados Unidos, que estão recebendo uma quantidade tremenda de profissionais que não lhes custaram nada, preparados em Cuba. Então, para atraí-los, prometiam-lhes um salário altíssimo, e isso acontecia com os médicos e com os esportistas de alto rendimento, que também custam muito, que já chegavam preparados. Para nós, isso custava muito e por isso também foi preciso dizer: os esportistas que fiquem no exterior, não podem voltar.

Agora, na modificação ocorrida no dia 14 de janeiro, na Lei Migratória, os médicos e os esportistas que ficaram fora por mais de oito anos podem visitar Cuba. Não há qualquer impedimento para a saída dos médicos; na realidade, atualmente há cerca de 40 mil médicos cubanos trabalhando em todo o mundo. E esses médicos não trabalham em grandes cidades, mas no campo, nas montanhas, etc. Na maioria dos casos, ainda, é gratuito [parte da cooperação internacional].

Em Cuba há cerca de 100 mil médicos e seguimos formando médicos todos os anos; perguntam-nos: “para quê tantos médicos, se Cuba é tão pequena?” e dizemos: “para o mundo! O mundo precisa deles.” Há médicos cubanos em praticamente toda a geografia latino-americana, na Ásia, na África.

O que fazemos na África também agora mudou um pouco; antes mandávamos médicos, e agora estamos mandando professores para a formação de médicos lá, que dão aulas e que também atendem a população.

Vermelho – E Cuba tem acordos com os governos africanos, então? Ou com alguma organização?
LC – Temos acordos com os países individuais e também com a Organização Mundial da Saúde (OMS), para países que precisem disso. Por exemplo, nesse momento, temos um acordo tripartite entre Cuba, Brasil e a OMS para produzir vacinas na África contra a meningite e contra um tipo de hepatite específica de lá. São vacinas cubanas que se produzem em laboratórios brasileiros, pois o Brasil tem uma potência tremenda para produzi-las, e não só através dos governos, mas também com entidades privadas.

E temos outra [colaboração internacional], também tripartite, entre Cuba, Brasil e o governo do Haiti, em que o Brasil dá um empréstimo com taxas quase nulas, solidário, para a construção de cinco hospitais em lugares distintos e estratégicos. Já há três concluídos, com equipamentos cubanos e brasileiros, e os médicos são cubanos. Também há médicos de muitos países latino-americanos, estudantes da Elam (Escola Latino-americana de Medicina) que, em seu último ano, vão para lá voluntariamente. É uma coisa bonita, que está dando resultados importantes e necessários. Coisa que a grande mídia não publica, não lhes interessa publicar.


   Hospital cubano no deserto do Catar (Oriente Médio)

Também temos aqui mais de 18 acordos gerais de estudos na esfera de biotecnologia e engenharia genética entre instituições cubanas e brasileiras, algumas privadas e outras do governo, com estudos importantes, em cooperação, para a saúde humana, para a saúde animal e para a ambiental, questões muito necessárias.

Vermelho – E sobre as viagens internacionais e os chamados “dissidentes”, como se gere isso?
LC – Às vezes chamam as pessoas de dissidentes… não são dissidentes; por exemplo, a esta senhora [Yoani Sánchez] chamaram de dissidente, mas ela não é! Nunca foi revolucionária, por isso não pode ser dissidente.

Então, esses senhores que viajaram a Cuba, o [espanhol Ángel Carromero] líder da Juventude Popular espanhola, e o outro [Aron Modish]de uma organização sueca, tiveram um acidente automobilístico em Cuba. Quem conduzia era o espanhol, e dois cubanos [que os acompanhavam] morreram. Eles [entraram em Cuba] com visto de turista, que compraram em uma agência turística, mas dedicavam-se a reuniões, organizando o que diziam ser “a dissidência em Cuba”, e tiveram essa má sorte com esse acidente. [O espanhol] foi preso, foi julgado, e foi deportado para a Espanha para que cumpra a sua pena, mas tenho certeza de que não será preso.

Vermelho – Em relação à soberania, de que espaço Cuba tem disposto para protestar contra a base militar estadunidense em Guantánamo?
LC – Do espaço que nos dão as organizações amigas, como o Centro Brasileiro de Solidariedade e Luta pela Paz (Cebrapaz).

A Cebrapaz é muito ativa na denúncia, não só sobre Guantánamo mas em geral, e sobre Guantánamo em especial.

A questão é uma usurpação à força, eles provocam e nós não nos deixamos provocar. Se não provocamos por 50 anos, agora é que não o faremos mesmo, nós agora temos experiência, sabemos como fazer isso. E continua lá a base de Guantánamo.

Esta base, desde o ponto de vista militar, não tem qualquer importância. Estrategicamente, não é nada. É um problema político, dos Estados Unidos de dizer: “nós somos grandes, nós somos fortes, queremos fazer isso e você que é pequeno, que se cale.” É uma afirmação de força, algo político. E se aproveitaram [da base] para ter lá aos infelizes, presos nesse limbo jurídico há anos, em um lugar onde se maltrata, se tortura…

E quando dizem: “em Cuba há tortura”, é verdade. Em Cuba há tortura, na base de Guantánamo, que tem estado ocupada, ilegalmente, pela força, pelos Estados Unidos. E temos essa possiblidade de lutar a partir dessas organizações, como Cebrapaz e outras, que são solidárias com Cuba.

Mantemos isso como algo latente, permanente, para que não se esqueça de que há uma usurpação ilegal e pela força de um pedaço do território Cubano que, militarmente, repito, não tem importância. Em uma confrontação de Cuba com os EUA, esse pedacinho afunda no mar. Não têm armas estratégicas nem nada disso em Guantánamo. Esses irresponsáveis não são tão irresponsáveis assim, a ponto de manter nesse território esse tipo de armas.

Mas nós seguimos trabalhando para que esse tema não seja esquecido, e creio que mais cedo ou mais tarde isso terá solução. [O estabelecimento da base militar em Guantánamo] foi um acordo entre os EUA e Cuba à perpetuidade, quando as tropas norte-americanas estavam em Cuba. Foi com o primeiro governo cubano, da república recém-independente.

Em 1898, quando as tropas norte-americanas entraram no país e quando terminou a guerra [de independência], os EUA mediaram a independência e tomaram Cuba militarmente, e lá estiveram até 1906. Fizeram um acordo, da Emenda Platt [à Constituição cubana], do senhor Platt, senador norte-americano, que estava em Cuba e organizou a constituinte, e que introduziu na Constituição cubana seis pontos, dos quais um era a criação em Cuba de bases navais e de hidrocarbônicos; outro era que os EUA poderiam intervir militarmente em Cuba quando considerasse que a segurança de seus nacionais estava em perigo; outro foi que Cuba não podia assinar tratados internacionais com outros países e que as relações internacionais de Cuba se realizariam através do Departamento de Estado dos EUA; enfim.

À constituinte não restou mais opção além de aceitar, porque Cuba era um país tomado militarmente. Ou aceitava ou as tropas estavam a postos. Então, aceitou. Depois, pela pressão pública, a emenda foi retirada da Constituição, mas ficou um acordo feito à perpetuidade, onde se cedia aos EUA o território de Guantánamo, como uma base naval. Isso, também, desde o ponto de vista jurídico é ilícito, porque nada se dá à perpetuidade, principalmente não um território de um país.

Porém, nós não queremos provocações, uma guerra, pois uma guerra não nos convém, nem aos EUA, nem à América Latina.

Vermelho – Bem, poderia falar também sobre o processo político interno? Porque quando a mídia fala de uma suposta “abertura”, política ou econômica, é como se Cuba estivesse se "salvando" agora…
LC – Nós chamamos de outro nome, chamamos de “atualização” do modelo [econômico e social] de Cuba. Isso é complexo, não é fácil, é algo em que estamos trabalhando. Fazemos isso sem pressa, mas também sem pausa. Não apurado, mas tampouco parado, vendo muito seriamente o que estamos fazendo, o que estamos introduzindo.
Há pessoas que dizem que Cuba está indo rumo ao capitalismo. Mas posso assegurar que é precisamente o contrário.

Vermelho – Os mesmos que chamam o processo de uma “abertura”?
LC – Sim, de um processo de abertura, como se Cuba não estivesse ali antes. O que estamos dando agora é mais possibilidades do ponto de vista da economia, a introdução de muito trabalho por conta própria, privado, porque se você consulta aos clássicos do marxismo, se faz o estudo completo de Marx, Engels, Lenin, e outros, em nenhum desses textos encontra que cem por cento da atividade econômica deve ser concentrada pelo Estado.

Marx disse que uma sociedade socialista se estabeleceria só em países desenvolvidos. Depois Lenin demonstrou outra coisa, mas foi o que Marx disse a partir [da premissa] de que deveria estar garantido o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, etc. E o que estamos fazendo é precisamente isso, e colocando em mãos privadas, mas não tão privadas assim, porque estamos priorizando as cooperativas.

Em Cuba há muita experiência em cooperativas agrícolas desde o princípio da revolução. Em 17 de maio de 1959, Fidel Castro assinou a Lei de Reforma Agrária. Depois houve uma segunda lei, mas a primeira praticamente destruía os latifúndios, entregava a terra aos campesinos, em que eles trabalhavam, com um título de propriedade. E deixava em mão dos latifúndios uma grande quantidade de terra, cerca de 390 hectares, uma área tremenda. Isso foi aos campesinos.

Depois, na segunda reforma agrária deixamos ao latifúndio só 65 hectares, que não é depreciável, é uma boa quantidade. E esses campesinos, muitos se uniram em cooperativas e muitos seguiram como campesinos independentes. Por isso criou-se uma Associação Nacional de pequenos agricultores, que tem mais de 50 anos. Com o tempo, isso foi mudando muito; de quase 78% das terras em mãos do Estado, isso se reverteu: essa mesma quantidade está agora em mãos das cooperativas ou em mãos privadas. O resto está nas mãos do Estado.

Eu acho que Cuba é o único país do mundo que diz às pessoas: “toma a terra, te dou um crédito”, não sei se em outros países é assim. Nos últimos quatro anos foram entregues quase 3 milhões de hectares nessa situação, e a imensa maioria [dos que receberam terras] fez cooperativas. As cooperativas te dão a possibilidade de trabalhar a terra; um campesino sozinho, independente, num pedacinho de terra, é muito difícil aplicar a técnica. Por exemplo, em 26 hectares de terra, um trator ficará parado na maioria do ano. Se fizer fumigação, colocar herbicida e tudo isso, você terá que fazê-lo a mão.

A propriedade da terra é do Estado, e ela é dada às cooperativas em usufruto. Só têm propriedade da terra aqueles que, originalmente, em 1959, receberam o título da terra; isso era uma promessa da revolução. Agora, a terra é dada em usufruto; [pelo acordo], amanhã, se [a pessoa que recebe] não quer trabalhar a terra, não pode vendê-la, tem que devolvê-la ao Estado para que ele redistribua. A pessoa trabalha a terra e é dona absoluta do produto do trabalho, que a pessoa pode vender ao Estado ou à população, como entender conveniente.

Vermelho – E como está o processo atual? Que mudanças importantes, ou que atualizações estão se desenvolvendo em Cuba, em termos econômicos?
LC – Essas coisas não são novidade; o que é novidade são as indústrias, os operários, as pequenas empresas, que estamos priorizando também que sejam cooperativas, porque dar um crédito a um individual é uma tragédia, dar a 400 mil pessoas. [É melhor fazê-lo] através das cooperativas.

Nós pedimos ao Brasil um crédito de 250 milhões para produzir mais alimentos. Com esse crédito, vamos comprar no Brasil equipamentos para a produção agrícola, para vender aos privados, fundamentalmente aos cooperativistas, para a produção de alimento e também para prestar serviços à população.

Por exemplo, em Cuba, os cabeleireiros eram estatais, mas agora se privatizaram. Mas lhes propusemos fazer cooperativas, e assim foi. Seus salões recebem crédito em equipamentos, e assim floresceram; isso também aconteceu na construção de casas. O Estado lhes dá crédito e facilidades para adquirir material para produzir.

As pessoas compram casas, pedem um crédito ao banco para pagá-las. Se forem pessoas solventes, conseguem o crédito, pagam a casa e têm o título, e depois pagam ao banco. 

Também objetivo de segurança nacional é a medicina verde; produzimos em Cuba, em distintas províncias do país, o que fundamentalmente necessitaria a população em caso de um bloqueio total. Por exemplo, no período especial, vimos a efetividade disso. As farmácias verdes por exemplo estão dando resultados magníficos, para diversos tipos de enfermidades. Havia plantas que só nasciam no litoral, mas já as produzimos nas montanhas; as do ocidente, conseguimos levar para a parte oriental; enfim, isso é um trabalho importante.

Esse projeto começou com o Ministério das Forças Armadas; Raul [Castro], quando era ministro, começou a fazer isso. Agora, já é um trabalho do Ministério de Saúde e do Ministério da Agricultura. E são medicamentos naturais, que não fazem mal, e produzidos por nós mesmos.

Vermelho – Então isso é uma questão de soberania, de segurança?
LC – Essas são coisas recentes e estão dando magníficos resultados, principalmente na questão da produção de alimentos. Isso é questão de segurança nacional para nós, pois se um dia um ianque cerca Cuba de barco e decide que não entrará nada, [não haverá nada]. Por isso, vamos produzir o que tivermos que produzir.

Vermelho – E pode nos dizer algo sobre o processo contra os Cinco Cubanos nos EUA?
LC – Os Cinco vão agora completar 15 anos presos. É um caso que não fechamos, vamos trabalhar continuamente nesse sentido. No Brasil há muitos movimentos de solidariedade. Há Comitês pela Libertação dos Cinco em todos os estados, inclusive há estados em que há mais de um comitê. Por exemplo, os seis estados [do Sul e do Sudeste] que eu atendo têm comitês com atividades muito fortes, com divulgações em redes sociais bastante fortes, por exemplo.

Lutamos agora, fundamentalmente, para que os EUA publiquem, de verdade, o que foi que os satélites fotografaram, com relação à derrubada dos aviões, que é parte da acusação fundamental contra Geraldo, um dos companheiros que foi condenado a duas cadeias perpétuas, uma aberração, a pessoa tem que morrer, viver, e voltar a morrer para cumprir ainda mais 15 anos. Porque foi acusado da queda do avião, o que é mentira, pois aconteceu em espaço internacional. Mas eles não publicam as fotografias dos satélites. Se é verdade, porque não publicam o que seria uma prova?

Outra coisa é a opinião pública interna nos EUA. Há um movimento internacional de pressão que, na verdade, tem uma ação imediata nos dirigentes norte-americanos e uma pressão interna. Praticamente, a sociedade norte-americana, desde o ponto de vista da informação, deixa que se publique se der vontade; estamos trabalhando com associações dos EUA para que eles, através de seus meios e redes sociais, passem a publicar mais sobre o caso. Há grandes jornais que publicaram, mas isso nos custou 50 ou 70 mil dólares por edição.

E estamos também denunciando, para que se conheça publicamente e para que a justiça norte-americana faça algo, porque quando se realizou o julgamento, houve muitos meios de Miami que publicaram muito contra os cinco cubanos, uma imprensa paga pelo governo dos EUA. As provas existem.

Vermelho – Então a opinião pública foi bastante condicionada nesse sentido…
LC – A opinião pública recebeu muita midiatização contra os cubanos; ne mesmo os jurados foram imparciais, por isso. Denunciamos que Miami não é um lugar adequado [para o julgamento], porque toda a propaganda anti-cubana que influenciou muito, não só a população mas também o júri.

Houve declarações de muitas personalidades norte-americanas chamadas [a depor], inclusive de generais, em que praticamente desmentiram ao promotor e à juíza que conduziam a causa, ao dizer que o que faziam os cubanos não constituía qualquer perigo ou ameaça à segurança. [Disseram que] o que os cubanos fizeram foi infiltrar-se em organizações contrarrevolucionárias cubanas para informar sobre o que faziam, para evitar que os cubanos seguissem morrendo e até mesmo que norte-americanos morressem.

Então, as autoridades norte-americanas infiltraram-se com informações nossas. Precisamente a partir dessa informação, é que as autoridades chegaram a esse grupo. Por isso, o que fazemos é seguir lutando para não deixar-se de lado essa questão, para seguir trabalhando com a sociedade norte-americana e para pedir a nossos amigos, os países latino-americanos, inclusive ao Brasil, que trabalhem no interior dos EUA, com blogueiros e meios de imprensa e organizações afins, associações, partidos, etc., para que internamente se possa dar a conhecer toda a verdade com relação aos cinco.

Não queremos que se invente nada que não seja verdade, só que se diga e se publique a verdade. Quando isso for forte e houver pressão interna, o presidente norte-americano vai ter que tomar uma medida.

A única solução possível nesse momento é a anistia, que é potestade do presidente dos EUA. Em todos os casos. Não tanto no caso do bloqueio, porque o bloqueio norte-americano é um emaranhado tão grande de leis… não está somente na Lei Torricelli ou na [Ata] Helms-Burton. Na Lei Orçamentária, por exemplo, há lugares onde está o bloqueio; na lei de subvenções à agricultura, colocam algo contra Cuba, e se alguém se opõe, a lei de subvenção não é aprovada. Mas quem não aprova uma subvenção se mete num problema tremendo, então, isso acaba aceito.

Vermelho – E o que pode dizer sobre a migração entre os dois países, Cuba e os Estados Unidos?
LC – Há muitas coisas que o presidente pode fazer, por exemplo, com relação à liberdade dos norte-americanos que viajem a Cuba. Há uma lei nos Estados Unidos [segundo a qual] os norte-americanos não podem viajar a Cuba. Eles criticavam Cuba que antes de 14 de janeiro nós dizíamos a essa senhora blogueira que ela não poderia viajar. “Vai viajar para quê, para fazer contrarrevolução? Não.” E agora isso foi liberado. Mas não criticam aos EUA, onde há mais de 100 mil norte-americanos que não podem ir a Cuba, ou em que não podem entrar os familiares dos cinco, porque não conseguem o visto.

Ninguém da grande mídia critica os EUA por essas razões, ninguém sabe dessas coisas. É uma situação muito difícil, nesse caso. O presidente poderia dizer, amanhã, que isso seria anulado. Mas os cubanos seguem lá. Houve um momento em que [o ex-presidente George W.] Bush aprovou uma lei incrível [segundo a qual] só poderiam viajar a Cuba os cubanos que tivessem descendência direta, que fossem filhos, pais, ou avós (nem tios, nem primos, nem sobrinhos, nada), e ainda que só poderiam fazê-lo uma vez a cada três anos.

E o senhor [Eduardo] Suplicy criticou muito a Cuba por não dar permissão para Yoani sair. Mas ele nunca disse qualquer coisa sobre o fato de que nenhum norte-americano pode ir a Cuba. Isso é uma prerrogativa do governo norte-americano. Então aquilo também era uma prerrogativa do governo cubano! Que também é livre e soberano, independente.