Magda Chambriard: O Brasil e o petróleo das mulheres

Hoje temos, no Brasil, muitas mulheres desempenhando papéis de valor inestimável para a sociedade. Elas são presidenta da República, governadoras, senadoras, deputadas, dirigentes de entidades públicas e privadas, dentre outras coisas. Elas são o símbolo de uma mudança cultural em curso. Muito já foi conseguido, mas ainda há muito a galgar.

Por Magda Chambriard*

Para destacar o enorme avanço das conquistas femininas nas últimas quatro décadas, chamo a atenção para o fato de que todas as mulheres, que hoje exercem altos cargos, são filhas de casais que viveram intensamente os anos 1950 e 1960. Ou, “como dizem alguns homens”, “saudosos anos 1950 e 1960”. Anos em que a mulher era incapaz perante a lei!

Para relembrar a vocês, trouxe algumas citações de revistas brasileiras da época.

O lugar de mulher é no lar. O trabalho fora de casa masculiniza.
(Revista Querida, 1955).

A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas.
Nada de incomodá-lo com serviços domésticos. (Jornal das Moças, 1959)

Se desconfiar da infidelidade do marido, a esposa deve redobrar os carinhos e provas de afecto, sem questioná-lo nunca. (Revista Cláudia, 1962)

Como vocês veem, foram anos em que se exaltava a mulher “do lar”, em que a mulher casada necessitava da autorização do marido para trabalhar – minha mãe mesmo teve sua autorização revogada quando eu nasci, para que pudesse cuidar de mim – também foram anos em que se exacerbaram os movimentos pela liberdade feminina.

Muito se conseguiu de lá para cá (Estatuto da Mulher Casada, de 1962; a Constituição Federal, de 1988; a Lei Maria da Penha, de 2006), mas ainda temos grandes desafios pela frente. As leis mudam, mas a mudança cultural da sociedade ocorre de forma bem mais lenta. E não há como negar que, em nós mesmas, ainda há muitos resquícios dos anos 1950 e 1960. Talvez seja por isso que ainda aceitemos a dupla jornada, repartindo-a muito pouco com nossos companheiros.

Eu busquei, nas estatísticas oficiais do governo brasileiro, alguns dados que ilustram o estágio atual da luta das mulheres pela igualdade de gênero:

i. A população brasileira hoje é formada por 51% de mulheres. Não há como sermos chamadas de minoria.
ii. Essas mulheres chefiam cerca de 30% das famílias brasileiras.
iii. As mulheres têm mais escolaridade que os homens, porém têm menos acesso ao mercado de trabalho.
iv. Elas ganham, em média, 70% do salário masculino.

Ainda são pouquíssimas as mulheres em altos cargos, sejam eles públicos ou privados. Na maioria das vezes, homens contratam e promovem homens, e nem notam a existência de mulheres capazes. Eu aprendi que o fenômeno cultural que resulta em poucas mulheres em altos cargos tem até nome. Chama-se “teto de vidro”, e, é claro, precisa ser combatido.

Um grande passo para combater o dito “teto de vidro” é a conscientização da necessidade de as mulheres se apoiarem mutuamente, de entenderem que a luta pela igualdade de gênero é necessária para a consolidação da democracia brasileira.

O que me parece espetacular é que, hoje, nós estamos em uma ótima situação para acelerar a mudança cultural que desejamos. Hoje temos, na chefia das duas mais importantes nações sul-americanas, presidentas das Repúblicas.

Esta realidade, completamente impensável anos atrás, é uma excelente oportunidade de aceleração das nossas conquistas. Mas traz um desafio para as mulheres em geral, o de respaldá-las nas conquistas necessárias ao nosso gênero, independentemente das posições políticas e das nossas concepções pessoais.

Até aqui eu falei sobre as desigualdades de gênero no Brasil, sobre o que já superamos, sobre o que ainda precisamos superar. Falarei agora sobre os desafios da mulher no setor de petróleo brasileiro.

Dediquei toda a minha vida profissional ao setor de petróleo, inicialmente na Petrobras e mais recentemente na ANP, e posso afirmar que, também nesse setor, estão postas importantes questões de gênero.

Para vocês terem uma idéia, eu ingressei na Petrobras como engenheira de produção de petróleo, em 1980. Naquela época, por exemplo, a Assistência Médica Supletiva (AMS) dos empregados cobria as despesas médicas das mulheres dos engenheiros, mas não cobria as despesas dos maridos das engenheiras. O trabalho nas plataformas era vedado às mulheres.

É claro que essas questões caricatas, que utilizei como exemplo, já foram superadas; mas ainda restam outras. O “teto de vidro” é uma delas. Em 60 anos de existência, a Petrobras só teve uma diretora, que recentemente se tornou presidenta. Nas demais petroleiras, nas prestadoras de serviço e também na Agência Nacional do Petróleo (ANP) o quadro é bem parecido. Na ANP, até hoje, eu fui a única mulher diretora. Recentemente me tornei diretora-geral, na gestão da primeira presidenta da República.

Ocorre que, com as recentes descobertas do pré-sal, o país pretende duplicar as reservas e a produção de petróleo na próxima década. Serão investidos centenas de bilhões de dólares na aquisição de bens e serviços. Serão abertos milhares de postos de trabalho. E as mulheres deverão estar atentas para ocupar seu espaço também nesse segmento. E deverão também pretender participar da gestão desse setor.

Para as que pretenderem fazer isso, saibam que têm em mim uma aliada!

Refutem firmemente a idéia de que há necessidade de se masculinizar para assumir esses papéis. Isso não corresponde à realidade. Foi para ilustrar isso que, ao assumir a diretoria da ANP, passei a evitar usar calças compridas em serviço. Se vocês repararem, vão me notar sempre de saia.

O setor de petróleo é como “coração de mãe”. As pessoas entram nele, encontram abrigo e não saem. O trabalho é compensador e há espaço para todos – homens e mulheres.

Meninas, pleiteiem o mercado de trabalho no setor de petróleo! Ele é fortíssimo em qualquer lugar do mundo. No Rio de Janeiro, por exemplo, não temos setor mais forte que esse.

Pretendam e se sintam aptas a serem chefes de equipe desde cedo, sem antecipar dificuldades de atender simultaneamente as responsabilidades familiares e profissionais, pois será dessa maneira que poderemos ampliar a participação da mulher na alta gerência das instituições públicas e privadas.

Um Brasil justo e eficiente precisa de gente competente e preparada de todos os tipos. Há mulheres hoje muito preparadas para desempenhar qualquer que seja o papel que o país demande. É só enxergá-las!

*Diretora Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.