Palestina: Blecaute de notícias, farsa política sobre confrontos 

Apesar da ferocidade, os confrontos de sexta-feira (8) no nobre santuário de Al-Aqsa não formaram manchetes internacionais. O virtual blecaute noticiário foi indicativo das atitudes que prevalecem em relação a Jerusalém como um todo. E oficiais palestinos argumentam, corretamente, que até a mídia árabe foi cúmplice dessa negligência.

Por Daud Abdullah* 

Com toda a revolta, as tensões na Mesquita de Al-Aqsa escalaram para um ponto efervescente, e evocaram memórias de setembro de 2000, quando Ariel Sharon provocou a Segunda Intifada [levante palestino contra a ocupação israelense], com a sua incursão provocativa à esplanada das Mesquitas.

O acosso diário aos palestinos nos postos de controle militar, as demolições de casas e as prisões arbitrárias conduzidas pelos israelenses são certamente ruins o suficiente. Entretanto, a voluntária profanação dos pontos religiosos e da Mesquita de Al-Aqsa em particular é demasiada indignidade. Em dias recentes Israel levou suas violações a novos níveis com uma torrente de incursões à Mesquita, finalizando com o denegrir do Corão.


Leia mais:
 Soldados israelenses atacam mesquita Al-Aqsa durante orações

As coisas podem piorar? Muitos estão esperando uma guinada dramática. De acordo com o Imã da Mesquita de Al-Aqsa, Shaikh Ekrima Sabri, “a arrogância da ocupação israelense e suas provocações constantes iniciarão o terceiro levante e ninguém será capaz de pará-lo.”

Por enquanto, os israelenses estão esperançosos de que Mahmoud Abbas e suas forças de segurança evitarão que isso aconteça. Como uma medida preventiva, eles prenderam números recordes de jovens palestinos por toda a Cisjordânia. Abbas promete que não vai permitir outra intifada. Neste aspecto, ele é consistente, porque foi incondicionalmente contrário ao levante de 2000. Além disso, há também o espectro do que houve com seu predecessor, Yasser Arafat, que foi culpabilizado por instigar e encorajar a Intifada da Aqsa.

Não houve, entretanto, qualquer justificativa para a violência gratuita da semana passada. Não houve ataques contra israelenses e suas propriedades. O único “crime” palestino foi o protesto contra o sacrilégio contra o Corão por um soldado israelense, que foi filmado chutando o livro sagrado alguns dias antes.

O ataque de sexta-feira contra religiosos na Mesquita de Al-Aqsa deixou muitos feridos. Os soldados israelenses e as Forças Especiais atiraram granadas de gás lacrimogênio e usaram balas de borracha com núcleo de metal contra os religiosos dentro da mesquita. A conclusão óbvia, a partir disto, é que Israel está determinado a aumentar as tensões nas vésperas da visita do presidente dos EUA Barack Obama ao país, quando e se Benjamin Netanyahu puder pavimentar o caminho para outro governo de coalização.

As cenas horrendas na terceira mesquita mais sagrada do Islã foram precedidas horas antes pela profanação das tumbas de pensadores e sábios reverenciados pelo Islã no cemitério de Ma'man Allah. 85% do cemitério foi tomado para a construção de parques de lazer, museus e até canis para cachorros.

Dois eventos recentes ilustraram a abordagem bagunçada dos políticos ocidentais e governos a estes atos manifestadamente criminosos. O primeiro foi uma ameaça feita por um governo canadense covarde de cortar a ajuda à Autoridade Palestina se a instituição recorrer a uma corte internacional para procurar retificação contra os israelenses. O ministro das Relações Exteriores do Canadá fez um anúncio na conferência anual do maior grupo pró-Israel da América do Norte, o Aipac. Na Grã Bretanha, enquanto isso, o líder da oposição Ed Miliband declarou-se um sionista e avisou, num discurso feito no Conselho representativo dos judeus britânicos (a coisa mais próxima a um Aipac deste lado do Atlântico), que qualquer pensamento acerca de uma campanha de boicote contra Israel é inaceitável.

Nas duas instâncias, a mensagem ao ocupante foi clara: contiunue com o mesmo comportamento illegal e injusto, estamos lado a lado com vocês.

A Resolução 2787 da ONU convocava “todos os Estados dedicados aos ideais de liberdade e paz a darem toda a sua assistência política, moral e material aos povos que lutem pela libertação, autodeterminação e independência contra a dominação colonial e externa”; o que aconteceu com esses ideais elevados? Países como o Canadá e o Reino Unido parecem tê-los abandonado quando o país em questão é Israel.

No terreno, a coordenação e divisão de papéis entre o exército de Israel, os “colonos” judeus, o judiciário de os políticos continuam desimpedidas. A esplanada sagrada da Mesquita de Al-Aqsa foi, agora, para todas as intenções e propósitos, transformada em um posto avançado das forças armadas israelenses, em contradição ao direito universal de culto a que toda a humanidade é intitulada. De fato, dias depois do Dia Internacional da Mulher, as mulheres palestinas foram impedidas de assistir às aulas nas mesquitas espalhadas em volta das redondezas da Aqsa. O silêncio daqueles críticos do Islã que têm muito a dizer a respeito das mulheres muçulmanas sendo oprimidas é ensurdecedor frente à brutalidade dos soldados israelenses contra as mulheres palestinas.

Na ausência de qualquer negociação política significante os políticos deveriam dizer-nos como proteger os direitos palestinos. Tudo o que estão fazendo no momento é dar a Israel tempo para realizar suas ambições às custas dos muçulmanos.

Esses atos desprezíveis de sacrilégio continuarão enquanto Israel gozar do apoio dos EUA e de seus aliados ocidentais. Todo o fracasso em agir é um incentivo que encoraja Israel a impor seu controle administrativo sobre a Mesquita Al-Aqsa, para determinar quem entra no local religioso e quando podem entrar. Essas tentativas injustificadas e deliberadas de insultar e humilhar os muçulmanos só podem adicionar ao clima perigoso de instabilidade regional e movê-lo inexoravelmente em direção ao abismo da confrontação religiosa.

Daud Abdullah é o diretor do Middle East Monitor (Monitor do Oriente Médio) em Londres.

Fonte: Middle East Monitor
Tradução: Moara Crivelente, da Redação do Vermelho