Sobre a reorganização do Partido Comunista do Brasil

Há três dias – 16 de março 2013 – o site do PCB (Partido Comunista Brasileiro) exibe um texto da autoria de um membro de seu Comitê Central, Antonio Carlos Mazzeo. No texto, o PCdoB (Partido Comunista do Brasil) é acusado de estelionato político por tentar se apropriar da história política do PCB.

Por Gabriel Martinez e Ícaro Leal Alves, no blog Iniciativa Comunista

40 anos do PC do Brasil, em 1962 - FMG

Acreditamos que o tom nada sóbrio do texto não é adequado à uma discussão entre camaradas. As acusações são feitas com um ribombar de adjetivos pouco adequados a uma discussão entre comunistas, o que julgamos não contribuir para o necessário esclarecimento dos militantes dos dois partidos em questão.

Mas nossa avaliação não se resume ao tom do texto em questão. Pois jugamos o tema de primordial importância para o movimento comunista no Brasil. Por isso mesmo decidimos inaugurar essa página tratando do assunto.

A Acusação de estelionato

O alvo da crítica do texto em questão é suposta fraude cometida pelo PCdoB em suas inserções no horário nobre da TV.

Segundo o autor do texto, um membro do Comitê Central do PC Brasileiro: “Não bastasse dizer que tem 90 anos – grosseria sem algum respaldo histórico e temporal, pois se o PCdoB foi fundado em 1962, ele tem 51 anos de vida política errática e oportunista – mentiu descarada e escandalosamente, ao dizer que Prestes, Olga, Niemeyer, Jorge Amado, entre outros, foram daquela agremiação (esse é o termo possível)” (1).

O dirigente comunista brasileiro apresentando o que julga ser a verdade histórica sobre o partido comunista no Brasil, diz; “É mais do que sabido que o PCdoB, surgiu em 1962, como dissidência de uma absoluta minoria do Comitê Central do PCB, formada por João Amazonas e Maurício Grabois, que discordavam dos debates sobre o 20ª Congresso do PCUS – Partido Comunista da União Soviética – e a necessidade de desestalinizar o Partido e o próprio Movimento Comunista Internacional.”

O camarada Mazzeo dá por sabido que o PCdoB surgiu em 1962. Que era uma dissidência do CC do PCB. E que discordava da “necessidade” de desestalinizar o Partido e o próprio Movimento Comunista Internacional.

As posições de Mazzeo coincidem de certo modo com as da historiadora Anita Leocádia Prestes, filha de Luiz Carlos Prestes, que em sua última obra Luiz Carlos Prestes – O combate por um partido revolucionário (1958-1990) chega a afirmar que a deriva reformista do PCB ocorre por influência do pensamento Mao Tsé-tung.

As críticas de Anita nada falam sobre o revisionismo do 20º Congresso do PCUS, limitando-se a condenar a tática marxista-leninista das etapas da revolução em países coloniais e semi-coloniais. Segundo a historiadora, a adoção de tal tática pelo Partido Comunista do Brasil teria sido a principal causa da derrota da revolução em nosso país. Em outro artigo trataremos de polemizar com essa concepção bastante popular entre as organizações que reivindicam o marxismo-leninismo no Brasil.

O que é “mais que sabido” nessa história?

Em resposta ao texto que agora discutimos, o membro do Comitê Central do PCdoB, Haroldo Lima, faz lembrar o que de fato estava em jogo no grande debate iniciado no Movimento Comunista Internacional com as resoluções do 20º Congresso.

Como ele faz lembrar; “(…) depois do 20º Congresso do Partido da URSS, ‘iniciou-se uma luta acirrada entre duas concepções no interior do movimento comunista internacional e no Partido Comunista do Brasil… duas tendências opostas, uma reformista e outra revolucionária.’”(2)

Dessa maneira, Haroldo Lima, assim como Comitê Central do PCdoB, toma uma posição acertada frente à história do PC do Brasil. Posição que não é assumida – é o que o artigo mencionado indica – pelo CC do PCB.

Qual o papel do 20º Congresso do PCUS?

Da tribuna do 20º Congresso do Partido Comunista soviético Khruschov agita a bandeira do antiestalinismo e promete retomar a "legalidade socialista". Ainda hoje dirigentes comunistas responsáveis se deixam enganar por um discurso antiestalinista inflamado e veem naquele Congresso o marco para a retomada da legalidade socialista em todo Movimento Comunista Internacional, falando até de “necessidade” da desestalinização.

Ora, a bandeira do antiestalinismo foi a predileta do anticomunismo para abater moralmente os combatentes pela causa da emancipação da classe trabalhadora e da libertação social e nacional dos povos. Estiveram na dianteira dos seus agitadores o 3º Reich e posteriormente o imperialismo norte-americano. Antes de agitar-se em prol da necessidade histórica do 20º Congresso é necessário entender, que política ela iniciou.

A política aberta pelo 20º Congresso foi uma política oportunista de direita. O Partido é transformado de Partido do proletariado em Partido de todo povo, e o Estado de ditadura do proletariado em Estado de todo Povo.

No campo econômico as medidas também não são proveitosas levando a uma queda constante dos índices de crescimento. No plano externo trata-se da aproximação do imperialismo norte-americano, da reinserção da URSS no mercado capitalista mundial e da competição pacífica entre capitalismo e socialismo.

O socialismo não seria mais conquistado com revoluções populares, mas sim com a ajuda econômica socialista da URSS. Cabia aos partidos comunistas dos países capitalistas e coloniais se adequarem a nova política de via pacifica para o socialismo e subordinar-se à ordem vigente e esperando que tudo viria para melhor.

A via pacífica e o PC do Brasil

No nosso país, o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (que era conhecido pela sigla PCB) se mantem coeso, num primeiro momento, para enfrentar a reação ultradireitistas desencadeada como consequência das resoluções do 20º Congresso. Por essa coesão inicial, o grupo socialdemocrata e liquidacionista de Agildo Barata é derrotado.

Porém, após a deposição arbitrária de Molotov e Kaganovitch da direção do PC Soviético, no inicio de 1957, a correlação de forças no Movimento Comunista Internacional muda significativamente. Forma-se no CC do PC do Brasil um grupo revisionista dirigido por Luís Carlos Prestes, que adota uma posição de direita.

Na prática, Prestes e o seu grupo passaram a defender as mesmas posições de Agildo Barata, que pouco antes criticara.

Tornando-se defensor apaixonado do revisionismo Prestes, sob o pretexto de combater o mandonismo, mas utilizando-se de métodos anti-partidários, terminou impondo ao Partido a declaração de Março de 1958, e com ela a “via pacifica”.

A via pacifica significava que a luta política pela realização das tarefas democráticas e anti-imperialistas da revolução brasileira se limitariam a disputa parlamentar pela formação de uma bancada e de um gabinete de governo nacionalistas. Na verdade a subordinação do partido comunista ao movimento nacionalista da burguesia brasileira e a renúncia do proletariado a luta por sua hegemonia no combate ao imperialismo e as estruturas antidemocráticas na sociedade e no Estado brasileiro. Como afirma o histórico dirigente comunista Maurício Grabois, acusado por Mazzeo de ser um dissidente:

“A declaração embeleza o capitalismo. Procura mostrar que a indústria brasileira atingiu elevado nível de crescimento e atribui este crescimento ao capital nacional. Mas, na realidade, o imperialismo também participa desse processo de industrialização, domina ramos fundamentais da indústria do país. O exagero na apreciação do papel do desenvolvimento capitalista no processo revolucionário, leva a Declaração a idealizar a burguesia, que é tratada como se fosse força conseqüente, capaz de defender até o fim os interesses nacionais. Toda orientação estratégica e a linha tática expostas na Declaração têm em vista quase que exclusivamente os interesses da burguesia, conduzem ao fortalecimento de suas posições políticas, em prejuízo das demais forças revolucionárias. Superestima a magnitude e a profundidade da contradição entre a burguesia e o imperialismo, como se a burguesia não pudesse chegar a acordos com os imperialistas.” (3)

Portanto, Prestes e seu grupo, com sua declaração de Março de 1958, romperam com o programa revolucionário de 1954.

Nessa declaração chega a se afirmar que; “A frente única se manifesta de múltiplas formas concretas de atuação ou de organização em comum, que surgem no país, por iniciativas de diferentes origens e de acordo com as exigências da situação. Entre estas formas, a mais importante atualmente é o movimento nacionalista. O seu desenvolvimento expressa um grau mais elevado de unidade e concentração das forças anti-imperialistas. Constituiu um fato novo, resultante não só de fatores objetivos, entre os quais o desenvolvimento do capitalismo, que fortaleceu as posições da burguesia, como também das lutas patrióticas de massas, que se travaram durante muitos anos com a participação combativa do proletariado e de sua vanguarda comunista. Tendem a unir-se e podem efetivamente unir-se no movimento nacionalista a classe operária, os camponeses, a pequena burguesia urbana, a burguesia e as setores de latifundiários que possuam contradições com o imperialismo norte-americano.” (4)

Muito diferente da posição assumida pelo partido quatro anos antes, ao termino de seu congresso:

“A luta contra os imperialistas norte-americanos está intimamente ligada à luta contra o atual regime dominante no país, contra o atual Estado de latifundiários e grandes capitalistas. É por intermédio de tal regime que se dá a crescente colonização do Brasil pelos Estados Unidos. A minoria reacionária que domina o país luta desesperadamente pela conservação e defesa de seus privilégios e volta-se para os imperialistas norte-americanos, com os quais se identifica na luta por interesses que se combinam mutuamente. Aos imperialistas norte-americanos convém a conservação no país das sobrevivências feudais com toda a sua superestrutura burocrática, policial e militar.
“Daí a importância que têm a questão agrária e o problema camponês no Programa do Partido. O monopólio da terra constitui a base econômica principal da minoria reacionária que domina o país. Foi na base da conservação do latifúndio e dos restos feudais e escravistas que o capital estrangeiro penetrou no Brasil e que se dá presentemente a sua crescente colonização pelos Estados Unidos.” (5)

Como se vê, enquanto o congresso do PC do Brasil considera que a luta contra o imperialismo norte-americano que recoloniza o nosso país está ligada a luta contra o latifúndio feudal e escravista, a declaração de Prestes credita ser o protagonista da luta contra esse imperialismo um movimento nacionalista heterógeno composto inclusive por setores do latifúndio. Como pretender alguma continuidade entre o velho PC do Brasil nascido em 1922 e que ainda guardava suas tradições revolucionárias em 1954 com isto?

1962: Fundação de um novo Partido ou reorganização do PC do Brasil?

Mas todo o motivo da revolta de Mazzeo é o fato do PCdoB ter afirmado em seu programa de TV que tem 90 anos e ainda vinculado imagem de históricos militantes comunistas que segundo diz nunca pertenceram ao partido. Para Mazzeo o PCdoB não tem 90 anos, pois foi fundado em 1962.

O PC do Brasil foi fundado em 1962?

Como vimos o grupo de Prestes alterou a linha política do Partido Comunista do Brasil transformando-a em uma linha oportunista de direita. Porém a resistência do grupo revolucionário de João Amazonas e Maurício Grabois, que desde o primeiro momento denunciava a nova orientação de subordinação do Partido Comunista aos interesses da burguesia nacional e defendia o marxismo-leninismo pôs em dificuldade o avanço da linha oportunista e revisionista.

No 5º Congresso do PC do Brasil, de 1960, como resultado dos métodos antipartido de Prestes a linha revisionista é aprovada e a declaração de Março de 1958 ratificada. Apesar da nova orientação e dos métodos autoritários de Prestes o grupo de Amazonas e Grabois acata a disciplina partidária até que, em 11 de agosto de 1961, aparecem, na revista Novos Rumos, um novo Estatuto e um novo Programa do Partido.

O nome do Partido é alterado para Partido Comunista Brasileiro. Desaparecem quaisquer referencias ao internacionalismo proletário e ao marxismo-leninismo nesses novos Estatutos e a referência a reforma agrária radical no novo programa. A política de aliança operário-camponesa e de hegemonia do proletariado na revolução democrática anti-imperialista havia sido definitivamente substituída pelo seguidismo ao movimento nacionalista da burguesia nacional. E o próprio Partido perde seu caráter proletário ao abandonar o marxismo-leninismo e o internacionalismo. A legalidade do Partido é totalmente rompida visto que tal alteração só poderia ser realizada por um congresso partidário.

O novo PCB nada tinha, portanto, em comum com o antigo Partido Comunista do Brasil, que Prestes liquidara para dar inicio ao novo Partido Comunista Brasileiro, que era socialdemocrata e burguês.

Num ato, que passou a história como de tremendo orgulho para os comunistas, um grupo de 100 militantes assinam a chamada Carta dos 100, onde denunciam o ato de traição e a dissolução do PC do Brasil.

Em resposta, a direção do novo PC Brasileiro expulsa das fileiras partidárias os principais signatários da Carta, que respondem apontando que jamais poderiam ser expulsos do tal Partido Brasileiro, uma criação do grupo revisionista e oportunista, pois jamais pertenceram a este.

Decidem então reorganizar o Partido Comunista do Brasil. Tarefa realizada com êxito em fevereiro de 1962, na 5ª Conferência Extraordinária do Partido, que agora passa a ser conhecido pela sigla PCdoB (6).

Conclusão

Jugamos aqui acertado tirar as seguintes conclusões desse novo episódio de uma polêmica antiga:

1. Ainda que seja compreensível, do ponto de vista comunista, que o atual Partido Comunista Brasileiro formule críticas às políticas adotadas pelo PC do Brasil elas devem ser formuladas de posições revolucionárias e não revisionistas.
2. Para realizar uma crítica acertada é necessário que o PC Brasileiro comece por acertar contas com seu próprio passado, que tenha coragem de abordar de frente todos os aspectos delicados de sua história e que saiba criticar corretamente, de um ponto de vista revolucionário, os erros do passado.
3. Uma crítica comunista não pode basear-se em posições burguesas. Ao aceitar velhos cavalos de troia agitados pela burguesia contra os comunistas, como o cavalo de troia do antiestalinismo, o PCB cai objetivamente no campo da contrarrevolução ao dar munição a propaganda burguesa.
4. Ainda que o PC Brasileiro pretenda-se hoje, depois da separação do grupo liquidacionista de Roberto Freire, revolucionário, cai, objetivamente, numa posição oportunista, ao não combater decididamente as ideias revisionistas que acompanham o nascimento do Partido, em 1961.
5. Resulta de tudo isso ser impossível assumir uma posição decididamente revolucionária e comunista sem combater até o fim, abertamente, contra o revisionismo.

Notas

(1) MAZZEO, Antônio Carlos. PCdoB – Estelionato, Mentira e Manipulação Desavergonhada in