Domesticador de Silêncios

Um novo, e experiente, poeta no cenário: o Centro de Memória Sindical acaba de lançar o livro O Domesticador de Silêncios, de Ricardo Flaitt. Confiram!

Os poemas são de Ricardo Flaitt

Mococa

Varanmundo

Meu pai sentado na varanda
Fiscalizando a vida a dançar nuniverso
Catalogando a chuva de domingo
Em seus compêndios de reminiscências
Pondo ângulos no ócio
Criando pássaros na gaiola do mundo
Expandindo líqüidos
Alfabetizando os olhos dos insetos
Quebrando réguas com silêncios
Recitando parábolas asárvores
Sentenciando telhados
Juiz das causas naturais
Confessando aos escaravelhos
O Infinito não diluído
No rio que é o homem.

 
Calendários

Eu tinha um pedaço de pedra nosolhos
Também se erguia uma vegetação rasteira noscílios.
Mococa confundia-se com Chicago
Ou Nova Deli ou Leningrado.
Os dias sucediam-se em moinhos de silêncio
E sempre havia um menino recolhendo suas bordas.
O ar era rarefeito quando me aproximava de mim
Por isso plantei duas paineiras para amortecerem a queda.
Os cachorros observavam
Que eu tinha um pedaço de pedra nosolhos,
Mas nada podiam fazer além de uivar.
Eu os acompanhava porque a palavra
Já não dizia mais nada às oiças,
E só me restavam ruídos na lembrança.
Então, nesses dias em que o silêncio cantava
Com vozes de ruídos em minhas memórias
Eu plantava jabuticabeiras em torno de mim
Tentando adocicar os calendários.

O domesticador de silêncios

Naquele tempo
Caramujo não jazia pra música
Inventariava minerais e vegetais
Nas bordas daqueles dias de faunas e floras.
A vida toda gargarejava
Com ruídos de apascentamentos
Enquanto ficava eu
Perambulando por paralelepípedos,
Domesticador de silêncios
Convertendo safras de pássaros
Em pregos.
A vida toda se tocava
Por aboios de cigarras.
Eu imitava os olhos de Duchamp
Fazendo rodas de bicicletas sobre bancos nos pensamentos.
Meus olhos armavam alçapões pras coisas
E deixavam dicionários pra arvoramentos de sementes.
Eu forjava punhados de terra com engrenagens
E roubava o céu das palavras de Lorca
Pra dar noção de espaço e tempo às moscas e trenas
E moscas e trenas trocaram centímetros e distâncias
Por infinitâncias no céu dendemim.

Do livro: Ricardo Flaitt. O Domesticador de Silêncios. São Paulo, Centro de Memória Sindical, 2013