Ana Guedes: “Falar em cura-gay é algo ultrapassado”

A eleição do deputado-pastor Marco Feliciano, do Partido Social Cristão (PSC), para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal tem gerado incômodos, principalmente entre os defensores dos direitos humanos. Publicamente, Feliciano declarou que os negros descendem de um ancestral amaldiçoado e que os gays têm uma podridão de sentimentos.

E é sobre a comunidade LGBT que o parlamentar tem lançado a sua artilharia com mais frequência. Recentemente, colocou na pauta do colegiado dois projetos polêmicos: o que criminaliza a heterofobia (o ódio às pessoas que se relacionam com o sexo oposto) e a autorização para a “cura-gay”, procedimento não recomendado pelo Conselho Federal de Psicologia.

Sobre a condução da comissão pelo pastor-deputado, o Vermelho ouviu a coordenadora estadual de Direitos Humanos do PCdoB, Ana Guedes, ícone da luta pelos direitos humanos. Para ela, Feliciano é uma aberração e somente a movimentação popular, como o “Fora Collor”, poderá destituí-lo da presidência da CDHM. Confira.

Portal Vermelho – Como você, uma militante da luta pelos Direitos Humanos, avalia a indicação do deputado-pastor Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados?

Ana Guedes – Essa eleição é uma coisa esdrúxula. A Comissão não tem muito tempo e é fruto de uma luta muito grande do movimento de direitos humanos e de deputados, como Nilmário Miranda (PT) e Nelson Pelegrino (PT). Foi uma luta muito grande em cima de uma necessidade muito grande que o país tem se tratar a questão. Os direitos humanos no Brasil são muito violados, ao longo da História, e a criação da comissão foi uma conquista. O PSC indicar um deputado que se coloca contrário a todo esse histórico de luta é uma coisa esdrúxula, é uma aberração, e não pode ficar como está. Até porque ele não tem demonstrado interesse em se encaixar.

PV – O deputado chegou a afirmar que a comunidade LGBT, principal crítica da eleição dele, não pode ser contemplada pela comissão porque não é minoria. O que há de verdade nesta colocação?

AG – Mulher é maioria na sociedade e chamar de minoria é um costume. O problema é o que sobra para essas pessoas: o preconceito, a discriminação, o tratamento desigual. Esse pastor é uma excrescência. A questão principal não é se é minoria ou maioria, essa não é a questão mais importante, mas sim o tratamento desigual. Olha, ter à frente da comissão, que deveria proteger os homossexuais, alguém que é contra eles, está errado. Alguma coisa tem que ser feita e eu estou achando que isso é pouco porque até hoje ele está lá. Em minha opinião, terá que ser feita uma campanha “Fora Feliciano”, assim como foi feito o “Fora Collor”. O movimento popular é que dá o tom. Até falaram em criar uma comissão paralela, mas não é por aí. É preciso que o PSC indique outro nome porque ninguém é contra o PSC.

PV – Recentemente, o deputado colocou na pauta da comissão um projeto que protege as “vítimas” da heterofobia. Esse é um direito legítimo? Não causa estranheza?

AG – O heterossexual não sofre preconceito porque corresponde ao valor que a sociedade aceita. O cara não sofre discriminação porque é hetero. Não há discriminação dessa natureza, a não ser que seja negro, mulher, mas do ponto de vista sexual, não. Hetero é o que a sociedade concorda, o casamento, a igreja, o fórum. Não sei o que esse cara está querendo. Eles são assim mesmo e o problema é esse. Alguns evangélicos pregam “gay é coisa do diabo” e os fiéis aprendem. Ele não é pastor? É claro que têm evangélicos com outra tradição.

PV – Na pauta, o deputado também inseriu um projeto que pretende tornar legal a chamada “cura-gay”, que é proibida pelo Conselho Federal de Psicologia. A postura evidencia bem isso, que os evangélicos-políticos querem impor à sociedade as convicções religiosas, causando um conflito entre ciência e religião. Como avalia isso? Não pode ser perigoso?

AG – Isso é muito perigoso, até porque já é consenso, a vida já mostrou, a humanidade já mostrou, que ser gay ou lésbica não é doença. Isso existiu sempre no seio da humanidade, ao longo dos anos, e foi tratado de forma diferente, em várias épocas da História. Na época dos gregos, era comum. Recentemente é que começou a ser tratada de forma mais discriminada. É uma condição que não é só humana, os animais também têm isso. Ninguém é assim porque quer, até porque as pessoas já sabem que vão ser discriminadas, vão ser olhadas diferente pela sociedade. Mas, sendo [gay], todo mundo tem o direito de procurar ser feliz. A cura é outra excrescência desse pastor porque isso é algo ultrapassado.

PV – Como enxerga o futuro da comissão?

AG – Pra mim, só existe futuro se ele [Feliciano] sair e o caminho é uma movimentação da sociedade, que é a única que consegue fazer com que a coisa mude. Estou convencida que devemos fazer uma movimentação e eu vou mexer com isso. Devemos fazer uma campanha nacional para resgatar a imagem e o papel dessa comissão. Eu sei que a gente precisa de aliança, mas essa pessoa é uma contradição e errado, no lugar errado. Ele pode pensar o que quiser, mas representar uma comissão vai de encontro a todas as conquistas que a gente já teve, com muita dificuldade.

Entrevista a Erikson Walla,
Da redação de Salvador.