Jandira Feghali: Transportes, o cenário diário explica

Os atos contra o aumento das passagens de ônibus nas capitais brasileiras, particularmente no Rio de Janeiro e São Paulo, acende a luz amarela: capitais que o sistema de transporte público ainda carece de um atendimento de qualidade está vendo sua sociedade civil ir às ruas. E com razão.

Por Jandira Feghali*

No Rio, quem precisa enfrentar travessias diárias pelo transporte aquaviário das Barcas, entre as cidades de Niterói e Paquetá, por exemplo, enfrenta a segunda tarifa mais cara do mundo (R$ 4,50). E o transporte, ainda por cima, é precário, com barcas muitas das vezes paradas, quebradas, sem manutenção e com intervalos longos e desesperadores. Em dias de acidente nas principais vias de acesso à capital, as filas de acesso ao transporte são intermináveis e abusivas.

Um dos transportes mais limpos do planeta, o metrô, não se aplica regra diferente. São composições ora com intervalos acima da média ora com atrasos injustificáveis. Às vezes, blecautes interrompem sua eficiência, tornando-o inócuo naquilo que é melhor – agilidade. Ainda há vagões lotados em horários de rush, recheados de trabalhadores honestos, cansados da falta de conforto e qualidade que o preço das tarifas exige – um dos maiores também no ranking internacional. Ou deveria.

No caso dos trens, são novamente os atrasos que amaldiçoam a vida de gente que madruga na Baixada Fluminense e Zona Oeste para chegar ao posto de trabalho na capital. Saem de casa antes do sol nascer, abreviando a convivência com filhos, netos e conjugues, tendo que se alinhar ao sistema de transporte público que atrasa recorrentemente. E o cenário para os ônibus é pior. Com veículos sem manutenção, profissionais mal remunerados e atrasos, reina um serviço que não atende com satisfação sua população. O resultado poderia ser outro?

O desafio dos governos sempre foi garantir aos cidadãos modais de qualidade, com agilidade que as grandes metrópoles exigem na vida de todos nós. Dar isso ao cidadão, contudo, não exige que o valor de sua tarifa seja fora dos padrões econômicos da renda do trabalhador. Embora tantos problemas ainda se alastrem no sistema público de transporte, as agências reguladoras seguem cúmplices de todos os problemas que persistem. O estopim para manifestações desta semana está exatamente aí, quando o gatilho é dado pelos cidadãos que não toleram mais conviver diariamente com o caos. A luta social – justa, na concepção de sua liberdade de expressão – começa exatamente aí.

É inaceitável, entretanto, que a força policial militar paulistana se faça de modo violento e agressivo, atingindo toda a sociedade. Durante os protestos, além de jornalistas, trabalhadores que retornavam para suas casas, pais que buscavam seus filhos e cidadãos que não participavam dos atos públicos foram feridos, agredidos ou coibidos. Atos repressivos só vistos antes nos anos de chumbo, quando a mesma corporação era submetida aos mandos e desmandos de um Governo autoritário. Num modelo despreparado e reacionário, a polícia militar manchou a imagem de uma corporação que precisa defender exatamente aqueles que atacava. Também é condenável, por exemplo, a participação de provocadores em meio aos protestos no Rio, feito por pequenos grupos infiltrados nas marchas. O resultado acabou nublando sua causa maior e de interesse de todos. Nossa solidariedade a todos os feridos.

A falta de transparência nas relações do poder público e entidades ligadas aos empresários do setor gera reações de inconformismo justificáveis por parte de cariocas e paulistanos. Paralelamente, é justa a ação do Ministério Público de São Paulo em propor o congelamento do preço das passagens por 45 dias, tentando se chegar a um acordo com todos os segmentos desta mobilização. A partir de hoje, é preciso que se abram as planilhas de gastos do transporte público e se estude a real necessidade de aumento das tarifas. Garantir isso aos brasileiros, de todas as cidades, por todos os governos, é demonstrar que o poder é público exatamente por seu significado: do povo. Entender isso, o quanto antes, é sábio e urgente.

*Jandira Feghali é deputada federal (PCdoB/RJ) e presidenta da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados.