Autor de “Onde está meu filho?” fala da luta pela verdade
“Onde está meu filho?” se tornou uma interrogação comum a pais de diversos presos políticos desaparecidos durante a Ditadura Militar (1964-1985). É também o nome de um livro que conta a luta de um deles, dona Elzita Santa Cruz, mãe do líder estudantil pernambucano Fernando Santa Cruz, em busca de direito de conhecer a história e enterrar o filho.
Publicado 19/06/2013 15:33 | Editado 04/03/2020 16:16
Fernando foi preso em 1974, no Rio de Janeiro, junto com o estudante de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e também líder estudantil, Eduardo Collier. A obra sobre sua vida, assinada por diversos autores, foi publicada pela primeira vez em 1985 – 10 anos após o sumiço – e está sendo reeditada em homenagem a Elzita, que completa 100 anos em 2013.
Depois de São Paulo, Natal e Recife, o livro foi lançado em Salvador, nesta quarta-feira (19/6), na Faculdade de Direito da UFBA, e contou com a presença do advogado e jornalista Chico Assis, um dos autores e outra vítima da violência do regime. O Vermelho acompanhou o lançamento e entrevistou Assis, que falou sobre o livro e da sensação de escrever sobre o destino de Fernando, que poderia ser o dele próprio. “Sou um sobrevivente”, afirmou o autor. Confira a entrevista.
Portal Vermelho – O que é o livro “Onde está meu filho?”
Chico Assis – É uma tentativa de narrar a história de um desaparecido político lá de Pernambuco, ao lado de um outro pernambucano, embora, à época, estudante de Salvador, Eduardo Collier. Fernando é filho de uma família muito combativa, cujos membros tiveram que passar pela prisão, pela tortura. A irmã de Fernando, Rosalina Santa Cruz, foi uma das mais torturadas do país. O irmão dele, Marcelo, é um lutador e hoje é vereador de Olinda. É um cara que esteve sempre à frente dessa coisa dos direitos humanos e dessa busca desenfreada por informações de Fernando. Particularmente, temos a figura da mãe de Fernando, dona Elzita Santa Cruz, a quem o livro presta uma homenagem. Essa segunda edição foi feita para homenageá-la, pelos 100 anos de idade, que ela completa esse ano. A narração inicial foi feita em 1983, 84, e a primeira edição foi feita em 1985. Decidimos, nessa reedição, manter os mesmos textos, fazendo uma atualização para o leitor sobre os acontecimentos que ocorreram após o desaparecimento.
PV – Como avalia esse período entre a primeira edição do livro (1985) e a segunda (2012), do ponto de vista da busca pelas verdades não reveladas da Ditadura Militar?
CA – Avanço, não há dúvidas que houve. Agora, a marcha foi muito lenta, bem mais lenta do que outros países que viveram a mesma experiência, a exemplo do Chile, da Argentina, do próprio Uruguai. A marcha foi lenta, mas foi pra frente. As dificuldades todas são conhecidas. Há uma resistência dentro do sistema militar de forças. Chegamos ao ponto culminante que é a criação da Comissão Nacional da Verdade. Isso vale nos trazer um resultado até pelo clima emocional que está sendo criado no país. Não é possível que a sociedade brasileira, tomando conhecimento de todos esses fatos [torturas, mortes, estupros], não tome uma posição mais definida sobre os torturadores e sobre os responsáveis por essas questões.
PV – A Comissão da Verdade está se espalhando pelos estados [Recentemente foi criada a Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa da Bahia], reforçando a busca pelo conhecimento e revelação dos crimes ocorridos durante o regime. Qual a expectativa que tem sobre todas essas comissões e o que elas podem significar?
CA – É positiva a expectativa. As iniciativas de ampliação são muito importantes porque em cada lugar você vai colhendo novas e particulares informações. Na medida em que se ampliam, reforçam o trabalho da Comissão Nacional. As pessoas dizem: “Ah, mas as comissões não têm poder de polícia!”. Não tem, mas esse dia vai chegar. Nós temos que resolver primeiro a questão da Anistia, que é uma questão de interpretação. Foi dada a anistia a todo torturador e a gente sabe que a tortura é um crime imprescritível, não anistiável. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal decidiu isso e é essa decisão que temos que mudar.
PV – Como é participar da luta de dona Elzita, até pelo fato de o senhor ter também sido uma vítima do regime e ter tido um destino diferente do de Fernando?
CA – É uma emoção muito forte. Nós nos consideramos sobreviventes, apesar de ter passado por tudo que passamos. A emoção é grande de poder divulgar e contar para outros uma história comovente como essa de Fernando e da sua mãe, Elzita Santa Cruz, que é uma figura emblemática, uma guerreira pernambucana. Isso significa muito pra mim, embora eu veja tudo como uma obrigação que eu tenho que cumprir, até pelo próprio passado que eu tenho.
PV – Passado de…?
CA – Eu fui preso em uma quinta-feira e fui torturado durante cinco dias ininterruptamente. Foi pau-de-arara, espancamento. Na época, eles não utilizavam o choque elétrico porque tinham enlouquecido uma torturada, mas depois eles voltaram a usar. Tortura é uma coisa difícil de suportar e que leva a gente a uma provação muito grande, até da nossa própria força. Durante os cinco dias, eu fui torturado, depois fui levado a um interrogatório sistemático de 60 dias, fui colocado a cumprir a pena dos processos que respondi. Vivemos momento de muito drama, tanto que tivemos que fazer seis greves de fome. Os presos de Pernambuco talvez tenham sido os que mais recorreram dessa forma de luta porque o tratamento que eles foram submetidos eram também o mais rígido. Dificuldade de banho de sol, enfim, coisas elementares que se transformavam em coisas muito importante para nós. Travamos uma luta pela dignidade porque eles diziam que nós seríamos reeducados e nós não queríamos ser reeducados. Uma das greves durou 25 dias. Todos essas ações aconteceram naquele período e eu fui um dos participantes delas.
Entrevista a Erikson Walla
Da redação de Salvador