Bachelet incorpora demandas sociais para voltar à presidência

A socialista Michelle Bachelet deve ser a lebre da corrida presidencial chilena deste ano. Com mais de 40% de vantagem sobre os outros candidatos nas pesquisas de opinião, a sensação no país é a de que, caso ela não cochile ou tropece no caminho, poderá vencer inclusive no primeiro turno – marcado para 17 de novembro –, e voltar ao Palácio La Moneda, onde governou o país (2006 – 2010).

Por Victor Farinelli*, no Opera Mundi

Na busca deste segundo mandato presidencial não consecutivo, a agora candidata decidiu absorver duas das demandas mais importantes defendidas pelos movimentos sociais chilenos nos últimos três anos: educação gratuita no ensino público e uma assembleia constituinte, que substitua a atual Constituição, imposta em 1980 pela ditadura de Augusto Pinochet.

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Atualmente, no Chile, a educação pública é administrada por parcerias público-privadas, que fazem com que o sistema não seja gratuito – exceto estabelecimentos pré-escolares e colégios nas zonas mais pobres. No caso do ensino superior, as universidades públicas chegam a cobrar mensalidades mais caras que as privadas.

O programa educacional anunciado por Bachelet defende um processo de seis anos para alcançar a gratuidade universal. Segundo o documento, as novas políticas deveriam tornar a educação gratuita em todos os estabelecimentos do ensino fundamental e grande parte do ensino médio a partir de 2015, o que seria equivalente a 70% da rede pública. Nos cinco anos restantes, o programa estaria focalizado em buscar a gratuidade para as universidades estatais.

Com relação à constituinte, a ex-presidente afirma que “o Chile precisa de uma nova Constituição, nascida em tempos de democracia, porque é impossível realizar as grandes transformações que o país precisa sob as regras impostas pelos que governaram com as armas e impuseram, através dessas leis, as barreiras para impedir esses avanços”.

A declaração gerou críticas do ministro da Fazenda do atual governo. Segundo Felipe Larraín, “as promessas dos candidatos da oposição", sobretudo a de Bachelet, "acabam afugentando os investidores internacionais, que começam a olhar o Chile como um país instável". O comando de campanha da ex-presidente divulgou nota oficial acusado Larraín de falta de seriedade, e afirmou que “a forma que com a qual se pretende convocar uma assembleia constituinte está plenamente estabelecidas pela atual institucionalidade”.

Desconfiança estudantil

Desde 2011, o movimento estudantil chileno vem defendendo a gratuidade para todos os estudantes, em todos os níveis da educação pública. A aceitação da pauta por parte da sociedade tem afetado a popularidade do atual presidente do país, o conservador Sebastián Piñera, mas também colocou em cheque a capacidade de Bachelet realizar mudanças.

Segundo os estudantes, o governo dela ignorou os problemas do atual modelo educacional, como o do endividamento das famílias pelo alto custo da educação, e não soube reagir a eles. Andrés Fielbaum, porta-voz da Confech (Confederação dos Estudantes do Chile), disse a Opera Mundi que “Bachelet pode prometer o que quiser, nosso papel como movimento social é questionar por que ela não fez isso quando foi presidente, e se for eleita por ter prometido isso agora, iremos cobrá-la com muito mais entusiasmo”.

Porém, o dirigente estudantil considera que o fato de a ex-presidente e outros presidenciáveis estarem defendendo algumas propostas que o movimento estudantil vem reclamando desde o seu início é uma vitória evidente. “A educação será um dos eixos dessa campanha, mas estaremos atentos ao tipo de promessa que os candidatos vão apresentar. Não vamos cair no canto da sereia, o candidato que quiser voto dos estudantes terá que apresentar algo consistente”.

Já Giorgio Jackson, ex-líder estudantil que hoje lidera a campanha “Marque Seu Voto”, em favor de uma nova assembleia constituinte, foi mais receptivo à adesão da ex-presidente às demandas sociais, mas também disse esperar maior empenho da candidata.

Para ele, seria uma grande frustração se essas promessas terminassem em projetos engavetados no Congresso, por falta de vontade política. “Também sabemos que tanto a gratuidade universal quanto a assembleia constituinte são ideias difíceis de tocar adiante, por isso esperamos que sua promessa seja, antes de tudo, um compromisso de que dará prioridade a esses temas, que lutará por eles”, resumiu.

*Victor Farinelli é correspondente do Opera Mundi no Chile
** título original "Favorita, Bachelet incorpora demandas sociais para voltar à Presidência do Chile"