Os 40 anos do golpe no Uruguai

No dia 27 de junho de 1973, o então presidente uruguaio Juan María Bordaberry, aliado aos setores militares, chegou ao apogeu do autoritarismo que marcou os anos anteriores de seu governo através de um golpe de Estado.

Por Caroline Bauer, na Carta Maior

Por estas peculiaridades – uma escalada autoritária que se inicia antes do golpe, e um golpe realizado pelo presidente constitucionalmente eleito -, a data de hoje para os setores uruguaios que lutam pelos direitos à memória, à verdade e à justiça não tem o mesmo significado que o 24 de março na Argentina, o 31 de março no Brasil ou o 11 de setembro no Chile. Para esses grupos, o mais emblemático evento é a Marcha del Silencio, que ocorre todos os dias 20 de maio, data em que foram assassinados em Buenos Aires o senador Zelmar Michelini, o deputado Héctor Gutiérrez Ruiz e os militantes tupamaros Willian Whitelaw e Rosario Barredo. O marco da Operação Condor, cooperação repressiva entre os países do Cone Sul.

Porém, por serem datas que marcam a instauração de ditaduras civil-militares de segurança nacional que utilizaram de forma sistemática o terror como método de dominação política, suas importâncias transcendem as fronteiras políticas desses países e sugerem uma ânsia por lembrar, traduzida no "dever de memória", uma obrigação individual e social frente aos esquecimentos e silêncios com finalidades políticas: que não se esqueça, para que nunca mais aconteça.

São momentos onde se tornam públicas as memórias e as versões do período, no sentido em que ativam os diversos significados sobre o passado traumático. Da sensação de perda ao direito à memória e à verdade: uma forma de memória, a pós memória, que vem de fora do indivíduo, dialoga com suas experiências pessoais e resulta em formas coletivas de compreensão. Esses momentos ganham ainda mais visibilidade quando se tratam de casos como o dia de hoje, uma "data redonda" – que futuramente será rememorada no Chile (40 anos do golpe contra Salvador Allende) e, no próximo ano, no Brasil (50 anos do golpe civil-militar): pronunciamentos públicos, matérias na mídia, eventos acadêmicos, mobilizações sociais evidenciam que a memória é como um território de conflitos. Permitem processos coletivos de rememorar os acontecimentos, ressignificando o passado a partir das lutas do presente. Retira-se o acontecimento do passado fazendo-o presente, abole-se a distância e o tempo. Essas atividades se tornam uma arena de disputas pelo sentido do passado, marcada pela dialética da lembrança e do esquecimento.

Durante a vigência das ditaduras, essas datas eram lembradas como eventos comemorativos, no sentido em que as Forças Armadas e setores civis apoiadores de ambos os países detinham o monopólio sobre a data, impondo sua versão sobre os eventos e determinando, assim, o sentido sobre o passado que deveria ser vigente. Nesse sentido, podem ser considerados "comemorandas" (termo do pesquisador Federico Guillermo Lorenz) – uma soma de comemoração com propaganda -, eventos que, ao mesmo tempo, caracterizavam-se pelas comemorações, mas também pela propaganda realizada pelas próprias ditaduras civil-militares. Posteriormente, já na democracia, as datas comemorativas e rememorativas foram um espaço privilegiado para desprivatizar a memória sobre o terrorismo de Estado, um sentido do passado que foi privatizado e deslegitimado e permaneceu restrito aos círculos das associações de vítimas diretas e indiretas e organizações de direitos humanos. Portanto, foram objetos simbólicos de disputa para a conformação de identidades e de sentidos do passado.

A análise das mudanças ocorridas nessas cerimônias ao longo do tempo demonstra que essas memórias não são estáticas, mas mutáveis, passíveis de sofrer enquadramentos de memória diferentes, de acordo com as conjunturas onde são ativadas. As mesmas datas têm sentidos e significados diferentes para os diversos grupos sociais; e que as memórias suscitadas estão impregnadas por questões relativas ao presente, e não necessariamente às lembranças dos acontecimentos, pois o passado é sempre pensado a partir do agora.

Como afirmado anteriormente, atos de comemoração e rememoração são atividades direcionadas ao futuro, no qual aqueles que experimentaram diretamente os efeitos do terror identificam-se como portadores de uma herança, um legado e uma mensagem para as novas gerações, com funções claramente pedagógicas. Trata-se de uma preocupação com o futuro da memória, ou seja, a transmissão da experiência àqueles que não fizeram parte dela, a partir do princípio de que há memória do que não se viveu: a pós memória, conceito formulado por Marianne Hirsh, que se refere a um tipo de lembrança que está afastada dos acontecimentos por uma ou mais gerações, e que se constitui através da transmissão de sentimentos no âmbito familiar ou fora dele.

Isso porque o passado ditatorial ainda não passou, não está fechado; pelo contrário, permanece como parte central, em alguns países, no cenário político do presente. As contas com o passado não foram saldadas, inclusive no Uruguai, onde Bordaberry foi condenado pela violação da Constituição e por dezenas de desaparecimentos durante a ditadura, permanecendo em prisão domiciliar até sua morte, em 2011. A "lei de anistia" uruguaia, conhecida como Ley de Caducidad de la Pretensíon Punitiva del Estado, segue em vigor, impedindo a punição dos militares envolvidos com a repressão.

Assim, o 27 de junho, o 24 e o 31 de março, o 11 de setembro e outros tantos marcos temporais seguem assentando a memória como denúncia e a homenagem aos mortos e desaparecidos como o princípio da aplicação do direito à justiça.

Caroline Bauer é professora de História Contemporânea na Universidade Federal de Pelotas. Doutora pela Universidade Federal do Rio Grade do Sul e pela Universitat de Barcelona, é autora do livro "Brasil e Argentina: ditaduras, desaparecimentos e políticas de memória".