Os comunistas na luta contra a ditadura (1964-1985)

Resultado de uma importante iniciativa do projeto Marcas da Memória da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, será lançado, nesta sexta-feira, em São Paulo, o livro Repressão e Direito a Resistência: Os Comunistas na luta contra a ditadura (1964-1985). O livro abrange basicamente, depoimentos de militantes da Ação Popular (AP) e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A seguir, o prefácio escrito por Paulo Abrão, presidente da Comissão da Anistia.

Repressão e direito à resistência

A memória das lutas sociais e a história dos comunistas na luta contra a ditadura (1964-1985)

Por Paulo Abrão

Em 2010 a Comissão de Anistia criou o projeto Marcas da Memória com um duplo objetivo: de um lado, cumprir sua missão legal de reparar as vítimas e divulgar a memória política brasileira. De outro, permitir que tal processo fosse conduzido não apenas por agentes estatais, desde seus gabinetes em Brasília, mas também por entidades da sociedade civil ao longo de todo o nosso Brasil. O livro que agora apresentamos – parte de um projeto selecionado para fomento pela II Chamada Pública do Marcas da Memória – é um exemplo exitoso das iniciativas conjuntas que pudemos construir desde estas premissas.

Até o presente momento a Comissão de Anistia já reconheceu praticamente 40 mil perseguidos políticos pelo regime. Cada um deles tem uma história única de luta e dor. Não obstante, alguns grupos políticos foram especialmente perseguidos durante a ditadura, agregando um elemento coletivo a uma perseguição que, prima face, pareceria individual. Não há dúvida de que os comunistas estão entre aqueles mais severamente perseguidos pela ditadura. O contexto da época torna tal afirmação quase autoevidente: a ditadura se deu especificamente para afastar o perigo comunista, então os comunistas eram os inimigos primeiros. Eram os alvos. O massacre dos jovens idealistas que lutaram no Araguaia pelo maior contingente militar destacado para uma batalha pelo Estado brasileiro desde o fim da Segunda Grande Guerra dá conta da dimensão e da violência impingida contra os comunistas durante a ditadura.

Neste livro, são resgatadas as histórias dos comunistas perseguidos pelo regime. O cuidadoso trabalho levado a cabo pela Fundação Maurício Grabois permitiu que, por meio da reconstrução destas histórias, novas gerações tenham acesso a todo um conjunto fascinante de episódios da política brasileira nas décadas de 1960 a 1980. E é essa a grande qualidade desta obra: o conjunto de recortes biográficos não constitui um amontoado de fragmentos, mas sim uma rede orgânica, uma teia viva por onde se vê a história articulada. A obra constitui uma narrativa onde a luta política contra a ditadura e por justiça social conecta as variadas existências individuais. Os muitos comunistas perseguidos individualmente retomam, aqui, sua dimensão de grupo politicamente organizado. Juntos representam não apenas a si próprios, mas a toda uma geração de lutadores perseguidos políticos brasileiros, e todo o seu pensamento político de esquerda que o autoritarismo pretendeu exterminar.

A ditadura procurou, por diversos meios, impedir que a cidadania se organizasse socialmente, e impedir que os grupos disputassem politicamente a sociedade. Assim, a presente obra devolve à democracia algo vital que dela a ditadura tentou tolher, pois reconta a organização da causa operária, do comunismo, e suas utopias, dentro de um contexto onde o simples ato de fazer política era criminalizado. Durante a ditadura fazer política era uma opção de vida arriscada, e essa obra conta a história daqueles que ousaram fazer tal opção em prol de seus ideais.

Para os leitores conhecedores do período, a história dos comunistas na luta contra a ditadura (1964-1985) representa uma obra de fôlego, que reúne os depoimentos de alguns dos principais artífices do movimento proletário no Brasil. Para os leitores que agora se interessam pelo tema pela primeira vez, oferece um interessante painel sobre as relações sociais no país durante a ditadura, a organização política na clandestinidade, e as diferentes interpretações que os mesmos fatos ensejaram, à época em que ocorreram e no presente.

Mais ainda: a presente obra humaniza figuras mitificadas. Se de um lado o leitor poderá conhecer mais sobre a estruturação das organizações políticas, seus ideais e objetivos, seu financiamento, táticas e estratégias, e assim por diante, de outro, poderá conhecer os dramas de ser mulher em meio a um conflito violento. Poderá conhecer as difíceis escolhas de casais apaixonados em meio ao movimento revolucionário. Terá acesso à dor daqueles que perderam seus entes queridos para a repressão política. Conhecerá, assim, como cada um viveu aquilo que nos faz mais humanos – e, portanto, mais iguais – em um contexto de profunda desumanização, brutalidade e indiferença.

Existem muitas maneiras de contar, e conhecer, a história. Aqui, com maestria, está representada uma delas: através da perspectiva daqueles que ativamente lutaram para construir os sonhos que moviam suas utopias, e aceitaram pagar o preço que lhes era cobrado às vezes com a própria vida.

Brasília, março de 2013.

Paulo Abrão – Presidente da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça

Lançamento:
Dia 5 de Julho (sexta-feira) – 15h
Local:
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo
Rua Rego Freitas, 530 – sobreloja, Centro. São Paulo-SP.