Audifax Rios: Tristes partidas

Por *Audifax Rios

É inevitável, estamos sempre a abordar um tema do qual todos gostariam de passar por cima, esquecer: a morte, indesejada das gentes. Que desta vez vem nos privar de dois ícones, dos mais festejados, de atividades recreativas que são o fiel retrato deste Brasil brasileiro, ou seja, música e o futebol.

O pessoal do meu tempo há de lembrar bem da linha média da seleção brasileira na Copa do Mundo da Suíça de 1954, quando o Brasil não passou da fase classificatória: Djalma Santos, Brandãozinho e Bauer. Os dois primeiros da Portuguesa de Desportos e o outro do São Paulo. Um outro Santos brilhava no escrete canarinho, o professor Nilton do Botafogo que era beque direito. Mais tarde trocaram as bolas e Djalma, já no Palmeiras, foi o zagueiro direito da seleção de 1958, campeã na Suécia, reserva do medíocre Di Sordi que tinha a sorte de ser branco naqueles tempos preconceituosos. O seguro zagueirão jogou ainda nas copas do Chile (1962) e Inglaterra (1966), completando, assim, quatro competições, feito só conseguido por Pelé e Cafú.

Sua presença em campo era marcante, tanto pelo futebol limpo e de boa qualidade como pelo estilo elegantíssimo de que era portador. Aquela cabeçorra negra na área era sinal de segurança. Com a camisa do Palmeiras jogou aqui contra a equipe do Fortaleza na final da Taça Brasil na década de 1960. Djalma Santos, figura de proa.

O disciplinado craque morreu aos oitenta e quatro anos, no dia 23 de julho, em Uberaba, onde cuidava de um programa junto à juventude (Bem de rua, bom de bola) da Secretaria de Esportes da Prefeitura daquela cidade mineira.

A outra perda foi no âmbito da música. Partiu o exímio sanfoneiro José Domingos de Moraes, este com setenta e dois anos de idade, no mesmo dia da morte do craque paulista.

Quando do centenário de Luiz Gonzaga, Dominguinhos realizou um show em Exu, já bastante debilitado, onde, segundo Gil, mostrou trilhar um caminho diverso do mestre, indo muito além onde o Rei do Baião não pode ou não teve tempo de ir. Dominguinhos (que era Nenem) conheceu Luiz em 1950, ainda brochote, e dele recebeu todo incentivo, inclusive sanfona e novo apelido. Para quem, aos seis anos, já arranhava um fole de oito baixos foi um bom começo e aos dezesseis anos gravou o primeiro disco, Moça de feira.

Dominguinhos era figura carimbada no Kukukaya, casa de shows de Fortaleza, a quem ainda devemos um painel com sua estampa para figurar ao lado de Patativa e Gonzagão. Vamos por a promessa em dia, será nosso tributo. Claro que irão surgir outras merecidas homenagens. Já no sétimo dia de sua morte, a missa celebrada na igreja do Otávio Bonfim foi enriquecida com a arte de Waldonys, seu discípulo.

Ficaram os grandes vazios nos palcos e nos estádios. As marcantes presenças de Djalma Santos e Dominguinhos vão virar saudade. Eram garantia de sucesso e vitória. Outros virão, certamente, o Brasil é celeiro fertilíssimo, mas em cada desarme limpo de um ataque inimigo num campo de futebol ou em cada som de baião, xote e xaxado tirado de uma sanfona por este Brasil afora estarão de lado os fantasmas protetores desses dois craques artistas que tanto alegraram o povo nestes anos de amadurecimento do futebol e da música popular brasileira. Como se a arte do país tivesse metido os pés pelas mãos, São Dominguinhos marcando gols em prol da musa nordestina e São Djalma, chuteiras afinadas, jogando por partitura.

*Audifax Rios é artista plástico e colunista do O Povo

Fonte: Jornal O Povo

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